Direto da Ciência, em 29/04/16
MAURÍCIO TUFFANI,
Editor
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Esta sexta-feira começa rendendo mais pontos negativos para o governador Geraldo Alckmin (PSDB) na área da ciência por suas suas desastradas reclamações sobre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em uma reunião com seu secretariado na semana passada, reveladas na segunda-feira pela coluna Radar On-line, da Veja. De ontem para hoje cresceu ainda mais a repercussão negativa, apesar da discreta nota do Conselho Superior da fundação, que sobriamente se referiu ao “debate na sociedade sobre o papel da pesquisa no Estado de São Paulo”, nem sequer mencionando o governador tucano e suas infelizes declarações.
Tentativa de amenizar
No mesmo tom discreto da nota da Fapesp, o físico José Goldemberg, em entrevista ao jornalista Fabio de Castro, no Estadão, minimizou o peso da repercussão da fala de Alckmin, afirmando que “é provável que as declarações tenham sido interpretadas fora de contexto”. No entanto, Goldemberg deve saber que a fundação já havia em março do ano passado recebido e habilmente refutado reclamações no mesmo tom daquelas feitas por Alckmin na semana passada em reunião com seu secretariado, que foram confirmadas pela colunista Vera Magalhães, da Veja, e pela reportagem Folha com secretários do governador. O primeiro reclamante foi o vice-governador Márcio França (PSB), que também é secretário estadual da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Também diplomaticamente*
O antecessor de Goldemberg quando o vice-governador deu a primeira investida era o embaixador Celso Lafer, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, que foi ministro das Relações Exteriores no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Nesta manhã ele também emitiu uma nota, também sem mencionar Alckmin e sua fala, mas afirmando:
É fartamente comprovável a contribuição que a FAPESP, no correr dos anos, tem dado ao Estado de São Paulo, ensejando que se diferenciasse no âmbito da Federação com o valor agregado do conhecimento e de suas aplicações e se destacasse internacionalmente na esfera da pesquisa científica.
(*Acréscimo às 9h50)
Puxão de orelha, parte 1
No entanto, na sequência ao posicionamento da Fapesp, veio outra nota, da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, divulgada pelo boletim eletrônico Jornal da Ciência, da SBPC, da qual vale destacar o seguinte trecho
Se o Butantan não tem dinheiro para produzir vacinas, a culpa não é da Fapesp e sim do planejamento do governo que não manteve os Institutos de Pesquisa do Estado de São Paulo em funcionamento adequado. A Fapesp cumpriu sim a sua missão em financiar a pesquisa de como fazer as vacinas.
Puxão de orelha, parte 2
Reforçando ainda mais o puxão de orelha em Alckmin, a Folha, que na quarta-feira já havia publicado a reportagem Alckmin critica Fapesp por pesquisas ‘sem utilidade prática’, trouxe nesta sexta-feira sua opinião com o editorial Críticas nada científicas. Além de enfatizar que a fundação financiou R$ 332 milhões (28% de seu orçamento total de R$ 1,18 bilhão) em estudos no campo da saúde e que foi o órgão de fomento do país que com mais agilidade reagiu à situação crítica com o vírus zika, o editorial foi contundente, por exemplo, com o imperdível parágrafo transcrito a seguir.
Com a crítica, Alckmin não apenas parece ignorar o modo como a ciência progride como também comete uma injustiça. É que a maior parte dos desembolsos da Fapesp se direciona a temas que o governador certamente considera úteis.
Puxão de orelha, parte 3
Na mesma página desse editorial, o articulista Hélio Schwartsman não deixou a história passar em branco com seu texto Uma questão de utilidade, no qual ele afirmou o seguinte.
Grave mesmo é constatar que o governador, médico de formação, não tenha muita noção de como funciona a ciência.(…) Imagino que, pelos critérios de Alckmin, estudar o formato das sementes de híbridos de ervilha estaria mais para pesquisa inútil do que para útil. A história da ciência é um vasto aglomerado de casos como o de Mendel.
Lei piada pronta em Alagoas
Enquanto sites humorísticos como Sensacionalista e Piauí Herald deixam de aproveitar a escorregada de Alckmin, a Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas oferece uma alternativa com uma piada pronta de sua própria lavra na área da ciência e também da educação, que pelo jeito vai acabar sendo extirpada pelo STF. Trata-se da lei Escola Livre, que, entre outras disposições, proíbe os professores de ensinar a teoria da evolução de Charles Darwin. Aprovada por unanimidade em primeira e segunda votações em novembro pela, ela foi vetada integralmente pelo governador Renan Filho (PMDB) em janeiro, mas acabou sendo transformada em lei pelos deputados estaduais que derrubaram o veto na terça-feira (26/4). Este blogueiro prefere deixar o “esclarecimento” sobre a lei por conta de seu próprio autor, o deputado Ricardo Nezinho (PMDB), em um vídeo no YouTube que certamente passará para a posteridade na história da educação do estado.
‘Ministra’ vai hoje a Campinas
Enquanto isso, tem gente buscando pontos positivos, como a secretária-executiva do Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI), Emília Ribeiro, ministra em exercício. Nesta sexta-feira ela visita o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP). Essa organização social abrange os laboratórios nacionais de Biociências (LNBio), de Luz Síncrotron (LNLS), de Ciência e Tecnologia de Bioetanol (CTBE) e de Nanotecnologia (LNNano). Lá Emília Ribeiro deverá visitar as obras do Sirius, nova fonte de luz síncrotron em construção, e em seguida dar entrevista coletiva à imprensa.
Apagando incêndio
Ainda não foi divulgado o motivo da visita da secretária-executiva do MCTI. O CNPEM, cuja atuação é relevante no apoio a projetos de pesquisa de muitas universidades e também de empresas, principalmente na área de inovação, foi duramente atingido pelo contingenciamento de recursos do orçamento do ministério (ver Já teve golpe, e foi na ciência, 8/4).
Sucessão no MCTI
Emília Ribeiro, que tem sido identificada como “ministra” em diversos releases e notas da comunicação do MCTI desde que ficou vago o cargo com a saída de Celso Pansera (PMDB-RS), tem sido apostada nos corredores do seu ministério como nome forte para o cargo de titular da pasta. Apesar de, para isso, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) estar fazendo contatos com políticos do PPS, como o próprio presidente do partido, deputado Roberto Freire (SP), e o senador Christovam Buarque (DF). Os dois parlamentares estiveram ontem no Palácio do Jaburu.
Caminho das pedras
Emília Ribeiro se encontrará na visita de hoje a Campinas com o diretor-geral interino do CENPEM, o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, que é presidente do Conselho de Administração do centro e está no cargo enquanto seu titular não é escolhido pelo MCTI. Professor emérito da Unicamp e membro do Conselho editorial da Folha, o pesquisador teve ampla atuação nas últimas décadas nos principais debates da política científica e tecnológica nacional. Ele foi convidado pela presidente Dilma Rousseff para ser ministro do MCTI em dezembro de 2015. Mas declinou da oferta, e o cargo acabou ficando para Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que nomeou Emília Ribeiro secretária-executiva do ministério por indicação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de quem ela era chefe de gabinete.
Realidade brasileira da pesquisa
A infraestrutura de pesquisa científica do país, que dificulta a competitividade global da ciência brasileira, é o objeto do estudo Sistemas Setoriais de Inovação e Infraestrutura de Pesquisa no Brasil, apresentado ontem (quinta-feira, 28/4), por Fernanda De Negri, diretora de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipeca), segundo nota do MCTI. O levantamento se baseou em 1.760 laboratórios de 143 instituições, onde em 2012 trabalhavam 7.090 pesquisadores. De acordo com a expositora,
Essa média de quatro pessoas por unidade significa uma infraestrutura pequena, pulverizada e fragmentada. (…) Esse, talvez, seja o pior problema da ciência brasileira. Temos poucos laboratórios grandes. A maioria tem valor estimado de até R$ 500 mil, ou seja, de modo geral, são pequenas salas dentro de departamentos das universidades, onde atuam duas pessoas, o professor e um aluno. (…) Para fazer pesquisa de ponta, você precisa de multidisciplinaridade, grandes instalações e bastante gente trabalhando em temas similares. (…) Esses laboratórios pequenos são muito mais para ensino ou para aquela pesquisa de mestrado, doutorado, não é para fazer algo de ponta.
Novo blog: Cadê a Cura?***
O blog Cadê a Cura?, do jornalista Gabriel Alves, estreou no site da Folha ontem (quinta-feira, 28/4), já tratando de um assunto importante: a relação entre consumo de sódio e hipertensão. Repórter do jornal desde 2014, especializado em ciência e saúde, ele é formado em biomedicina em 2007, pela Unifesp, onde também fez doutorado na área de ciências biológicas. Além de se dedicar a essa área de pesquisa, Gabriel também estudou um pouco de matemática e de estatística. Já conhecendo a competência do novo blogueiro, este jornalista recomenda Cadê a Cura?, que já está na lista de favoritos de Direto da Ciência.
(***Acréscimo às 11h40.)
Lançamento: Física do Cotidiano
Na próxima terça-feira (4/5), às 17 horas, no Instituto de Física da USP, Otaviano Helene, professor dessa instituição desde 1977 e pesquisador dedicado também à divulgação científica, lança seu livro Um Pouco da Física do Cotidiano: Se o ar quente sobe, por que é frio nas montanhas e quente no litoral?. A obra contém artigos publicados em revistas nacionais e internacionais, como Scientific American Brasil e Ciência Hoje.. Entre os temas abordados nesses artigos estão a física de atividades esportivas, a física dos tsunamis e de outras ondas, a física do olho humano, entre outros temas. Este blogueiro recomenda.