Formada na USP, pesquisadora trabalha no desenvolvimento de laboratório com acelerador de elétrons que estará entre os mais modernos do mundo
A paulistana Nathaly Archilha não tinha muita esperança de ser aprovada para a faculdade de Física da USP quando fez vestibular, aos 17 anos. “Eu tinha cursado o ensino médio em escola pública, não fiz cursinho. Não esperava passar”, conta. Mas a aluna recém-saída da Escola Técnica Estadual Camargo Aranha não só foi aprovada, como após completar a graduação fez mestrado, doutorado e conseguiu uma bolsa para um ano de estudos na Universidade de Manchester, na Inglaterra.
De volta ao Brasil desde o fim de 2014, Nathaly, aos 33 anos, é pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas. Trabalha no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), usado pelos profissionais do CNPEM e também aberto a pesquisadores externos. Luz síncrotron é um tipo de radiação eletromagnética usada para fazer investigações detalhadas de amostras bem pequenas, em pesquisas das mais diferentes áreas, da medicina à engenharia. No LNLS funciona o acelerador de elétrons UVX. As amostras são colocadas em estações chamadas linhas de luz, onde a luz síncrotron é decomposta e a frequência de radiação escolhida passa a incidir sobre a amostra.
No atendimento a pesquisadores externos, Nathaly é responsável pela linha de tomografia de raio X, onde são geradas imagens tridimensionais. Em outra frente de trabalho, ela faz parte da equipe de desenvolvimento do Sirius, laboratório que abrigará um acelerador de elétrons de quarta geração que deverá entrar em funcionamento no segundo semestre de 2018, para testes. Em 2019, será aberto aos pesquisadores.
O Sirius substituirá o UVX, de segunda geração, e estará entre os aceleradores mais modernos do mundo. Uma imagem que atualmente é gerada pelo UVX em uma ou duas horas levará poucos segundos para ser produzida no Sirius. Além disso, as imagens serão quadridimensionais (imagens 3D com resolução temporal) e não mais tridimensionais. “Os aceleradores usados na Europa, na América do Norte, na Ásia são de terceira geração. No Brasil, estamos uma geração atrás. Mas estamos construindo um acelerador de quarta geração. Só existe um desse tipo no mundo, na Suécia. Hoje, não quero sair do Brasil para fazer pesquisa fora, porque estou aqui dentro (no LNLS). É uma chance única na vida de um pesquisador ver um laboratório desse tipo nascer”, diz Nathaly.
“Mundo de Beakman” na infância
Quando fala da infância em São Paulo, a cientista lembra imediatamente do programa de TV favorito, “Mundo de Beakman”, que propunha experimentos científicos e fez grande sucesso nos anos 1990. “Eu adorava “Beakman”, via todo dia. Até hoje eu assisto. Eu queria descobrir o porquê das coisas, acho que fui uma criança curiosa desde sempre”, afirma Nathaly. Filha de um administrador de empresas e de uma despachante, ela chegou a fazer curso técnico de contabilidade, mas percebeu que não queria seguir carreira profissional nessa área e decidiu apostar na Física.
“Para qualquer pessoa que sai do ensino médio e vai para a universidade, é um soco no estômago. O professor do ensino superior é muito diferente, não tem dó. O que eu diria para os jovens que estão iniciando é: ‘calma que vai passar’. No início foi muito difícil, mas a gente se acostuma”, diz a pesquisadora. “Éramos eu e mais três meninas em uma turma de 40”, lembra. Apesar de o mundo científico ser majoritariamente masculino, duas professoras foram fundamentais na jornada pelo conhecimento de Nathaly.
Rosangela Itri, no Instituto de Física, foi quem levou a jovem estudante pela primeira vez ao LNLS. “Ela foi minha orientadora da iniciação científica e do mestrado, e é super usuária do LNLS. Um dia, me levou para conhecer, como aluna”, conta. A professora Karin Riske também esteve presente nos momentos decisivos da carreira de Nathaly. “Era para ela que eu corria”, diz a ex-aluna. Nathaly fez mestrado na USP e doutorado na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, que cursou no período em que morou na cidade de Macaé (RJ), onde acompanhou o marido, Thiago, que na época trabalhava como engenheiro de petróleo. Na Universidade de Manchester, aprendeu a técnica de microtomografia de raio X.
Em uma terceira linha de trabalho no LNLS, Nathaly pesquisa rochas reservatórios de petróleo. Com microtomografias de raio X de amostras das rochas, ela analisa da geometria dos poros. “A rocha é como uma pedra-pomes, toda furadinha, e o óleo está lá dentro. Uma das respostas da pesquisa é se será fácil ou difícil tirar petróleo da rocha, com base em propriedades geométricas desse espaço poroso”, resume.
Com três atividades diferentes no laboratório, Nathaly às vezes passa 12 horas seguidas no trabalho. Quando está de folga, procura viajar com o marido. “Nem levo o computador”, diz. “Se eu falar que vou para casa e desligo do trabalho, não é verdade. Mas tento ter uma vida fora daqui (do LNLS), encontrar os amigos, ir a um bar, fazer um churrasco”, diz. Nathaly gosta de conversar com universitários e também com crianças e adolescentes que visitam o LNLS, ao longo do ano. “A gente tenta mostrar a importância das pesquisas que são realizadas aqui. É muito importante para a medicina, para a engenharia, para diversas áreas de pesquisa. Eu mesma não tinha noção do que era feito aqui quando vim pela primeira vez. Tem um dia no ano em que o laboratório é aberto para a população e é muito legal”, diz.
A cientista mora em Campinas, a poucos minutos do trabalho. Não quer mais voltar para a vida agitada de São Paulo. “Nunca mais atravesso a Marginal”, brinca. Quando decidiu trabalhar no LNLS, tinha um convite para fazer pós-doutorado na USP. É uma possibilidade para o futuro. Mas, no momento, a energia de Nathaly está voltada para o Sirius.
Repercussão: Praitec; Notícias do Dia; Repórter