Estadão, em 10/05/20
Pesquisas contam com doação de sangue para formação de bancos de estudos e até com pessoas que aceitam se infectar com o vírus
Enquanto no exterior grupos arregimentam interessados nos estudos, no Incor, em São Paulo, pesquisadores em conjunto com a USP e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), já reúnem um grupo de 100 voluntários que doaram sangue para um banco de material a ser estudado em busca de anticorpos resistentes ao vírus.
“Eu sou voluntária porque conheço a doença”, conta Waldineia Campos, de 43 anos, enfermeira que contraiu a covid-19 e ficou 13 dias hospitalizada em São Paulo. Depois de consultar o médico Luan Lopes, que a tratou durante a internação, ela foi na última segunda-feira ao Incor, região de Pinheiros, na capital, para se inscrever como voluntária e doar sangue para a pesquisa do grupo do Incor/USP/Unifesp, coordenado pelo médico Edecio Cunha Neto e chefiado pelo médico Jorge Kalil. Como voluntária, Waldineia doou sangue e faz parte de um grupo de 100 pessoas que já entraram para a pesquisa de uma vacina em estudo pela equipe do Incor.
“Foi uma decisão pessoal. Eu recebi um convite pelo Facebook e decidi participar”, disse. “Eu quero colaborar com a pesquisa para tentar achar uma vacina para a doença”, contou. “O pessoal do Incor disse que a gente será informado dos resultados do estudo”, contou a voluntária, demonstrando orgulho por participar do estudo. Ela lembrou ainda dos momentos de sua luta particular contra a infecção. “Eu fiquei muito debilitada, sem energia, não conseguia nem me mexer, e precisei de oxigênio”, disse.
Nessa briga com o vírus, o desafio é descobrir o mecanismo biológico da célula que possa impedir que o vírus entre pelo tecido dos alvéolos pulmonares, por onde invade o hospedeiro humano, e a construção de uma vacina para um combate microscópico seguro e duradouro, como ocorre com outras doenças já conhecidas.
Para o físico Antonio José Roque, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), de Campinas, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, esse é o grande desafio atualmente na pesquisa pela cura da covid-19: encontrar um fármaco que funcione contra o vírus, mas que seja seguro para o paciente. Segundo ele, o CNPEM não trabalha com a produção de vacinas. O trabalho de uma centena de cientistas da instituição se concentra na identificação de medicamentos, entre os já existentes, que ofereçam a maior possibilidade de enfrentar o vírus com sucesso. Para isso, segundo o diretor do CNPEM, os cientistas vão usar análises de dados fornecidos até o moderno sistema de computadores conhecido como Sírius, um projeto de quase R$ 2 bilhões, iniciado em 2012, e que ajudará também na pesquisa. Ao todo, estão sendo analisados cerca de 2 mil remédios com potencial para combater o Sars-CoV-2.
Vacina
A ciência não tem mais dúvidas de que a maior emergência de saúde do mundo é a covid-19. Somente uma vacina desenvolvida rapidamente poderá evitar que milhões de pessoas morram e permitir que a economia volte a funcionar. A avaliação é do médico Edecio Cunha Neto, professor da USP que faz parte da equipe da pesquisa do Incor que estuda o desenvolvimento de uma vacina contra o Sars-CoV-2, causador da doença. O estudo já foi iniciado com o primeiro grupo de 100 doadores voluntários.
De acordo com o médico, há hoje cerca de 170 grupos de cientistas no mundo trabalhando em uma vacina para a covid-19. O grupo de cientistas do Incor, em conjunto com o Instituto de Ciências Biomédicas da USP e a Escola Paulista de Medicina (Unifesp), tem a coordenação do médico Jorge Kalil e opera para detectar anticorpos e linfócitos T células de defesa do organismo) de pacientes que tiveram a doença para, com esse material de doadores infectados, descobrir quais partes do vírus podem ser atacadas pela vacina, com segurança, para evitar a invasão celular e replicarão do vírus.
A questão da imunização, de acordo com cientistas, é que o grupo que sair na frente com uma vacina terá de apresentar um produto de qualidade, ou seja, com a capacidade de imunizar por longo prazo e com segurança. O grupo que conseguir resultado positivo primeiro, argumentam os cientistas, vai abastecer seus doentes, depois os infectados dos parceiros de seus países de origem para, depois, permitir a exportação do produto. Essa operação significa que, se o Brasil ficar dependente de descobertas estrangeiras, pode ficar por longo período sem acesso à vacina. Por isso, raciocinam os pesquisadores nacionais, é preciso desenvolver aqui uma tecnologia brasileira para o ataque ao novo coronavírus.
Kalil também publicou vídeo com chamamento para voluntários que já tiveram a doença para doação de sangue para a pesquisa. E divulgou o endereço na web para inscrições de interessados: iii.org.br/coronavirus. O coordenador do grupo, Edecio Cunha Neto, explicou que o projeto já estava em andamento. “Já fechamos um grupo de 100 doadores para iniciar a pesquisa”, contou Cunha Neto. Segundo o coordenador da pesquisa do Incor/USP/Unifesp, não há qualquer pagamento a doadores. “Eles são doadores voluntários. Não há pagamento”, afirmou.
No exterior, plataformas de web como a 1Day Sooner afirmam que cadastram milhares de candidatos para integrarem pesquisas de vacina, mas com outra pegada. Precisam ser pessoas jovens saudáveis que aceitem ser cobaias. Segundo especialistas, nos EUA as “cobaias” podem receber até US$ 100 para participar. De acordo com reportagem do domingo passado, exibida no Fantástico, da Rede Globo, pelo menos dois voluntários brasileiros fariam parte desse grupo, um do Rio Grande do Sul e uma mulher do Rio. No Rio Grande do Sul, o estudante universitário Pablo Fernandes, de 21, morador de Canoas, cidade da região metropolitana de Porto Alegre, admitiu ser um dos voluntários cadastrados no site estrangeiro se oferecendo para serem infectado em estudo, como o menino usado por Edward Jenner há 220 anos na Inglaterra.