Valor Econômico, 18/09/2019
Empresas que fornecem para o governo não intensificam seu esforço tecnológico quando comparadas àquelas sem vínculo público, aponta estudo
Orçadas em quase R$ 162 bilhões nos últimos seis anos, as compras do governo não têm sido aproveitadas para induzir inovação nas cadeias produtivas brasileiras, de acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) obtido pelo Valor.
Segundo os economistas do Ipea Andre Rauen e Bianca de Paiva, as empresas que fornecem para o governo não intensificam seu esforço tecnológico quando comparadas àquelas sem vínculo público. Esse esforço é medido pelo aumento no número de funcionários ocupados em área científica e tecnológica (Potec). Foi identificado, no entanto, um aumento médio de 13% no pessoal ocupado (PO) das empresas contratadas, puxado pela demanda de mão de obra não especializada – o que atende expectativas relacionadas à indução na geração de emprego e renda.
Os pesquisadores compararam 3,4 mil fornecedores nas áreas de saúde, educação, defesa e alta tecnologia com um grupo controle formado por um número igual de empresas sem vínculo público, mas análogas em termos de setor, localização, tempo de atividade, número de empregados com ensino superior e capacidade de exportação.
O valor dos contratos do governo federal caiu nos últimos três anos devido ao cenário de restrição fiscal: após um pico de R$ 37,6 bilhões em 2016, foi a R$ 26,5 bilhões no ano passado, diz o Ipea. Esse gasto deve cair ainda mais neste ano. Nos seis primeiros meses de 2019, o governo gastou R$ 7,3 bilhões com serviços e produtos, valor bem abaixo dos R$ 11,1 bilhões dispensados no mesmo período de 2018, segundo o Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (Siasg).
Apesar da queda, para Rauen, o atual volume das encomendas ainda permitiria ao governo estimular de forma consequente o desenvolvimento de novas tecnologias no país por meio de exigências contratuais e aplicações estratégicas, o que não tem acontecido.
O pesquisador afirma existir políticas públicas efetivas voltadas à inovação pelo lado da demanda no Brasil, mas sua aplicação seria insuficiente. É o caso das encomendas tecnológicas – que resultaram no cargueiro KC-390 e no acelerador de partículas Sirius – ou das Parcerias para Desenvolvimento Público (PDP) em saúde, modalidade na qual contratos de até dez anos são condicionados à transferência de tecnologias de produção para um orgão público. “O problema é que são iniciativas pontuais e desarticuladas, que não servem a um grande objetivo, como a segurança nacional”, diz.
O pesquisador ainda cita como obstáculo o grande volume de compras junto a estatais. Entre as dez maiores empresas fornecedoras da União em 2018, cinco são do governo, incluindo as três principais: Serpro, Caixa e Dataprev, que, juntas, somaram 18,51% dos gastos ou R$ 4,8 bilhões naquele ano. “Se a ideia é promover desenvolvimento tecnológico, o governo precisa se relacionar com empresas privadas. Apesar da eventual qualidade dos serviços, a empresa pública não tem por que inovar. Não existe ameaça à sobrevivência com contratos garantidos”, diz Rauen.