Folha de S. Paulo, em 24/07/2013
A novela sobre a participação brasileira nos maiores centros de pesquisa em astronomia e física do mundo –o ESO (Observatório Europeu do Sul) e o Cern (Centro Europeu para Pesquisa Nuclear)– ainda está longe de um final feliz.
Segundo o ministro Marco Antonio Raupp (Ciência), o governo quer tocar as iniciativas, mas faltam recursos.
“Não posso tirar dinheiro dos outros projetos para colocar no ESO e no Cern”, disse à Folha durante a reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), em Recife.
A entrada do Brasil no ESO está em tramitação no Congresso há mais de um ano.
“Quando se aprova um acordo de cooperação internacional, é preciso dar uma sustentação orçamentária. Senão é colocar uma batata quente no nosso colo”, diz.
Para usar as instalações do ESO –incluindo o maior e mais avançado telescópio terrestre do mundo, em construção em solo chileno,– o Brasil teria de desembolsar, segundo o ministro, cerca de R$ 1 bilhão ao longo de dez anos.
Hoje, o orçamento anual da pasta é de R$ 3,8 bilhões, sendo que R$ 1,4 bilhão é para bolsas de pesquisa.
Se o projeto de entrada do Brasil no ESO for aprovado no Congresso, um recurso extraorçamentário deve ser repassado ao ministério.
Conforme a Folha apurou, no entanto, a tendência do governo é enxugar o que for extraorçamentário.
Anteontem, a presidente Dilma Rousseff anunciou um corte de R$ 10 bilhões e há a previsão de outros.
“As atividades no ESO contribuem para o desenvolvimento científico em todas as áreas”, diz Adriana Válio, presidente da SAB (Sociedade Astronômica Brasileira).
Ela pretende ir ao Congresso com um grupo de cientistas para falar com deputados sobre a importância do projeto para a ciência nacional.
O acordo, no entanto, não é unanimidade entre a comunidade científica brasileira.
“O Brasil vai subsidiar a ciência europeia com o dinheiro do contribuinte. O ministério que assina esse tipo de acordo é irresponsável”, diz João Steiner, professor do IAG (departamento de astronomia) da USP.
IMBRÓGLIO
O atraso na liberação das verbas para o ESO, três anos após a assinatura do contrato de adesão, tem prejudicado também a participação do país no maior acelerador de partículas do mundo.
O conselho superior do Cern, na Suíça, ainda não ratificou o pedido de associação do Brasil. O laboratório só costuma aprovar países nos quais o poder executivo tenha dado sinal claro de que há interesse (e dinheiro).
Desde o início das negociações, a ideia é que fosse aprovada verba extra, sem onerar o orçamento do MCTI. Sergio Novaes, da Unesp, um dos físicos articuladores da parceria Brasil-Cern, lamenta que haja risco de retrocesso.
“Hoje que se fala tanto em internacionalização e no Ciência Sem Fronteiras, o Brasil se tornar membro do Cern seria algo na direção que a presidente quer dar para a ciência e a tecnologia”, diz.
A associação permitiria ao país participar de licitações para construir peças de aceleradores de partículas, ampliar o intercâmbio de cientistas que já vem sendo feito e concorrer a alguns cargos de gestão no laboratório.
Acelerador de partículas aguarda recursos
No Brasil, outro projeto aguarda a liberação do dinheiro: o novo anel de luz síncrotron, localizado em Campinas, interior de SP.
O terreno onde será construído o chamado projeto Sirius, orçado em R$ 650 milhões, já está em terraplanagem. A expectativa é começar a obra em setembro. Mas o dinheiro ainda não é certo.
“O dinheiro está planejado no orçamento plurianual. Mas é um planejamento. Se houver cortes federais, se as condições do país mudarem, a gente tem de mudar o orçamento”, diz Raupp.
Se não houver cortes, a obra ficará pronta em 2016. O anel permitirá que os cientistas, por exemplo, enxerguem o conteúdo de um ovo fossilizado de dinossauro.
Segundo Antonio José Roque da Silva, diretor do LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron), até o momento o projeto recebeu R$ 55 milhões do ministério. “Neste ano, o Sirius deve receber quase R$ 87 milhões.”
De acordo com o diretor, cerca de 25 empresas já demonstraram interesse na fabricação dos componentes do anel em parceria.
O aperto no orçamento não se aplica aos recursos destinados a pesquisas feitas nas empresas. O dinheiro operado para pesquisa privada no ministério já chega a R$ 5,5 bilhões em créditos para inovação (via Finep, órgão federal que financia projetos de inovação).
Repercussão: Jornal da Ciência,