Jornal da Unicamp em 22/06/2015
Chumbo, níquel, cádmio e arsênio interferem também no tratamento, aponta pesquisa da FOP
Metais pesados como chumbo, níquel, cádmio e arsênio, presentes na fumaça dos cigarros, contaminaram a estrutura dentária em um experimento de laboratório desenvolvido pela cirurgiã dentista Jéssica Dias Theobaldo, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp. Pesquisas presentes na literatura científica sobre o tema, citadas no experimento da Unicamp, alertam que a estrutura dentária contaminada poderia atuar como repositório dessas substâncias cancerígenas e disseminá-las no organismo humano.
A pesquisa demonstrou também que as substâncias da fumaça de cigarro afetaram o tratamento dentário, prejudicando, por exemplo, a adesão da resina à dentina do dente tratado. Jéssica Theobaldo explica que a exposição da estrutura dentária à fumaça de cigarro diminuiu a capacidade de colagem dos sistemas adesivos utilizados no tratamento de restauração. Tais colas adesivas são empregadas para agregar a resina à dentina, tecido avascular e mineralizado que forma o corpo do dente a ser tratado.
“A nossa pesquisa sugere que as restaurações realizadas em pacientes fumantes possam ter uma durabilidade menor. A própria experiência clínica demonstra que os pacientes fumantes têm muitas cáries de raiz, região onde a dentina fica exposta. Isso exige, portanto, um maior acompanhamento pelo cirurgião dentista em pacientes com este histórico”, recomenda a pesquisadora da Unicamp, que é graduada pela FOP. Ela informa que os estudos terão sequência por meio de doutorado na área.
O experimento foi conduzido como parte da dissertação de mestrado de Jéssica Theobaldo, defendida em fevereiro último junto ao Programa de Pós-Graduação da FOP. A pesquisa, que investigou especificamente os efeitos da fumaça de cigarro no tratamento dentário, foi orientada pelo docente Flávio Henrique Baggio Aguiar, que atua no Departamento de Odontologia Restauradora da FOP.
Houve a colaboração do professor Ubirajara Pereira Rodrigues Filho, do Instituto de Química Inorgânica da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos, e do pesquisador Carlos Alberto Pérez, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), vinculado ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) financiou a pesquisa na forma de bolsa concedida à pesquisadora.
“É um primeiro estudo, com resultados inéditos e pioneiros. Tivemos dificuldades, principalmente por conta da escassez da literatura científica. Isso impediu que fizéssemos uma discussão mais ampla sobre os resultados alcançados. No doutorado continuaremos nessa linha, tentando avaliar estes resultados em estudos in vivo. Vamos buscar a adesão de pacientes fumantes voluntários e tentar investigar casos mais próximos da realidade, para ver se esses dados se repetem. O objetivo será o de consolidar os resultados existentes”, pondera.
CÁRIE E ESMALTE
O dente de um paciente fumante é mais suscetível ao aparecimento de cáries, uma das doenças que mais acomete ainda hoje a saúde bucal da população? A resposta a esse questionamento de Jéssica Theobaldo integrou outro resultado relevante da sua pesquisa.
“Em relação à cárie não houve diferença entre os dentes submetidos à fumaça e aqueles que não foram submetidos. Importante ressaltar que se trata de um estudo in vitro, que não simula 100% a condição de saúde bucal”, revela. Ainda de acordo com ela, também não houve diferenças em relação ao esmalte do dente tratado, ou seja, a fumaça do cigarro não afetou o tratamento no que se refere à adesão da resina ao esmalte.
“No esmalte, que é a parte mais superficial do dente, nós fazemos um condicionamento ácido para poder realizar o tratamento de restauração com o sistema de cola adesiva. Como não houve diferença entre o dente submetido à fumaça daquele que não foi, acreditamos que esse condicionamento ácido possa ter removido as substâncias presentes na fumaça. Já na dentina, a parte mais complexa do dente, pode ter havido mais interação e por isso alguns sistemas adesivos foram afetados”, considera.
Jéssica Theobaldo esclarece que os experimentos foram realizados em uma máquina de fumaça patenteada em 2011 por pesquisadores do Departamento de Odontologia Restauradora da FOP. Na máquina, que simula um paciente fumando, foram colocados diversos tipos de cigarros e amostras constituídas por blocos de dentes bovinos.
O equipamento permitiu, de acordo com ela, a impregnação de pigmentos e substâncias contidas no cigarro nas amostras, reproduzindo in vitro as condições da cavidade bucal de fumantes. A máquina funciona com a aspiração e condução da fumaça através de compartimentos de modo a permitir a deposição dos produtos químicos nos dentes.
Após essa exposição às fumaças, as amostras foram preparadas para um teste que empregou a técnica da microfluorecência por raios x realizada no Laboratório Síncrotron. Conforme a cirurgiã dentista, esta técnica demonstrou ser bastante eficiente, sendo capaz de identificar baixas quantidades de substâncias nas amostras. “Na microfluorescência observamos uma maior quantidade dos elementos cádmio e níquel, e traços de chumbo e arsênio”, pontua Jéssica Theobaldo.
Ela informa que o experimento foi realizado com 80 blocos dentais bovinos recém-extraídos. Foram testados diversos sistemas adesivos, entre os mais utilizados, atualmente, nos procedimentos de restauração dentária. A pesquisadora avaliou quatro tipos: um sistema convencional de três passos; um de dois passos; um sistema auto condicionante de dois passos; e um sistema de passo único. Estas colas adesivas foram aplicadas à estrutura dental conforme as recomendações dos fabricantes.