Valor Econômico em 17/04/2019
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O estímulo que o programa RenovaBio deverá conferir à cadeia sucroalcooleira deverá reduzir a emissão de gases de efeito estufa não apenas no setor de transportes, pela qual as usinas serão remuneradas, mas também tem potencial para mitigar as emissões na matriz de energia elétrica do país.
A partir de premissas previstas pelo governo para a nova política, o Projeto Sucre – iniciativa com foco em pesquisas sobre cogeração de energia a partir da palha da cana – estima que o aumento da geração de eletricidade por térmicas movidas a biomassa de cana poderá resultar em um nível de emissões no setor elétrico brasileiro 15% menor em um até cinco anos caso essa fonte substitua parte das usinas a gás natural que estão previstas para entrar em operação no período.
O cálculo é baseado em uma projeção da equipe técnica do governo para o RenovaBio que calcula que o programa poderá estimular uma expansão 3 milhões de hectares da área de cana no país para atender ao previsto aumento da demanda por etanol. A estimativa foi elaborada considerando que o crescimento da oferta de etanol virá de usinas de cana. Não considera, portanto, a tendência de aumento da oferta de usinas de etanol de milho.
Também foi levado em conta que, nesse período, as usinas sucroalcooleiras hoje existentes poderão aumentar o uso da palha da cana nos processos de cogeração para 50% do volume que normalmente fica no solo. Atualmente, o segmento utiliza em suas plantas de cogeração entre 20% e 35% da palha produzida por safra, enquanto o restante fica no solo após a colheita da cana. Também estão previstos ganhos de eficiência nas unidades de cogeração existentes.
A comparação com as térmicas a gás natural se justifica porque as unidades de biomassa de cana são “substitutas naturais” à fonte fóssil – diferentemente das fontes solar e eólica, que são intermitentes -, explica Thayse Hernandes, coordenadora do Projeto Sucre e pesquisadora do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), que integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). O projeto é financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e gerido em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
As projeções foram feitas também considerando a potência que está prevista para entrar em operação nos próximos cinco anos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Na lista de projetos está prevista a adição de 48,6 gigawatts (GW) a partir de térmicas a gás natural e de 1,1 GW de térmicas a biomassa de cana.
Também estão na lista projetos de térmicas que utilizam como matéria-prima outras biomassas (como biogás e resíduos agroindustriais) que acrescentarão nos próximos anos 3 GW de potência, além de 7,9 GW adicionais de outras fontes fósseis, 33,2 GW de geração solar, 7,1 GW de eólicas e 1,4 GW de fonte nuclear.
“Nossa matriz energética hoje é limpa, mas na potência prevista cadastrada na Aneel, a grande maioria vem de gás natural. Isso vai sujar uma matriz que é limpa, enquanto há um enorme potencial para a eletricidade da cana”, diz a pesquisadora Nariê Souza, mestre em engenharia agrícola e integrante do Projeto Sucre.
Mesmo sem o estímulo do RenovaBio, apenas o aumento do uso da palha da cana para 50% do volume disponível poderia aumentar a geração a partir de biomassa de cana para 107 terawatt-ano (TWh) – ante 21,4 TWh em 2017 -, de forma a mitigar 11,4% das emissões de gases de efeito-estufa que seriam emitidos pelas térmicas a gás natural, segundo o Projeto Sucre.
Atualmente, a geração de energia a partir da biomassa de cana já resulta em um nível menor de emissões caso essa mesma quantidade de energia fosse gerada a partir do gás natural. Em 2017, os 21,4 TWh gerados a partir da biomassa da cana resultaram em uma emissão 2% menor caso essa energia tivesse vindo de térmicas a gás.