Portal Unicamp, em 24/06/2015.
As tentativas de padronizar, centralizar e racionalizar a gestão pública ao longo das últimas décadas no Brasil resultaram em uma legislação voltada para o controle de licitações e da execução orçamental e não para a facilitação da organização, da gestão dos serviços e de sua eficiência. O Fórum Alternativas para a Gestão Pública, realizado ontem na Unicamp, reuniu especialistas que discutiram propostas sobre a racionalidade, a produtividade e a eficiência do serviço público com a transparência necessária e de forma acessível às demandas da sociedade.
A gestão pública brasileira está inserida em uma cultura que valoriza mais o processo do que o resultado, o que reflete uma “burocracia travestida de controle” que não gera segurança. A afirmação é da senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), que enumerou as dificuldades burocráticas dos investimentos públicos na área de infraestrutura, como os conflitos com o setor privado e os modelos de concessão. Segundo a ex-ministra da Casa Civil (2011-2014) no primeiro governo Dilma Rousseff, no entanto, há diversos casos de sucesso no setor público, como o Sistema Único de Saúde (SUS), a estatal Petrobras e as universidades e institutos federais. “Nós temos muitos problemas, mas, de fato, temos também muitos programas que funcionam e dão conta de dar respostas a problemas da sociedade que a iniciativa privada não daria”, defendeu.
O modelo das organizações sociais (OS) foi um dos destaques do evento, com exemplos das áreas de ciência e tecnologia (C&T), saúde e cultura. O professor emérito da Unicamp Cylon Gonçalves da Silva, atualmente na coordenação adjunta da Fapesp, fez um histórico do início das OS no Brasil, com o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Em meados da década de 1990, o físico articulou com o governo federal e o Poder Legislativo a transformação do LNLS em uma OS como forma de superação dos entraves institucionais que impediam o avanço daquele projeto científico. Apesar disso, ele ponderou: “Nós temos que evitar a canonização das organizações sociais. Elas não são uma panaceia universal. Elas são uma solução dentro de um leque muito grande de soluções para a enorme complexidade de um Estado moderno”.
Mariano Laplane, presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, concordou com o coordenador adjunto da Fapesp e afirmou que, em determinados campos, a gestão compartilhada pode ser benéfica para o desenvolvimento do país.
Segundo Laplane, o setor de C&T tem uma característica muito peculiar de organização e mobilização que possibilitou o emprego do modelo das OS de forma bem-sucedida. Ele citou os casos do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e, mais recentemente, da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
A professora Teresa Atvars, pró-reitora de Desenvolvimento Universitário da Unicamp, discutiu em sua palestra as complexidades da gestão na universidade pública, como o predomínio de decisões internas colegiadas, a vinculação entre as instâncias decisórias e os órgãos colegiados internos, e a proximidade com os sindicatos. De acordo com ela, que é docente do Instituto de Química, essas características não existem na maioria dos órgãos públicos. “Além da complexidade legal, nós temos uma dimensão política que não é trivial.” A pró-reitora sugeriu a criação de novas formas de relacionamento com os organismos de controle que entendam que a universidade é diferente de outros órgãos públicos. “Mudanças não são incompatíveis com sólidas estruturas, há coisas que podemos mudar sem perder o norte, sem perder a visão do que deve ser uma universidade pública absolutamente qualificada.”
A sociedade brasileira deveria aproveitar o atual momento de crise econômica e política para promover alterações nas estruturas da gestão pública, sugeriu o economista José Roberto Afonso. Para ele, há um “mito” no Brasil de que basta gerenciar para resolver os problemas, o que faz com que não se tenha planejamento e as soluções venham sempre como uma reação. O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicou ainda que o Brasil foi o único país que enfrentou a crise global sem nenhuma reforma estrutural. “Está na hora de parar de pensar que resolvemos tudo com gerenciamento, ou apontando uma ou duas pessoas para serem crucificadas. É hora de fazermos uma profunda reforma institucional na economia brasileira, na parte fiscal e na administração pública. Nós criamos uma Constituição nova, mas não alteramos os seus alicerces.”
O Fórum Alternativas para a Gestão Pública, realizado no Auditório Zeferino Vaz do Instituto de Economia, foi organizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses) da Unicamp.