A segunda matéria da série do G1 sobre os 30 anos do LNLS mostra os programas de treinamento para formar a nova geração de cientistas que vai operar a mais avançada luz síncrotron do mundo.
Por Marcelo Andriotti, G1 Campinas
Neste mês de julho, o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) recebeu pela primeira vez 100 estudantes, professores e pesquisadores de todo o país na Escola Brasileira de Síncrotron. O objetivo é realizar todos os anos duas semanas de cursos e palestras para formar novos usuários para o Sirius, o novo acelerador de partículas que está sendo construído em Campinas (SP) e que pode revolucionar pesquisas científicas mundiais com análises 10 mil vezes mais rápidas que as dos equipamentos mais modernos atualmente em atividade.
Assim como outros pesquisadores que descobriram na linha de luz UVX do LNLS nos últimos 30 anos inovações no tratamento do câncer, Parkinson e combate ao vírus da Zika (veja no final dessa reportagem algumas das pesquisas desenvolvidas no laboratório), além de outras áreas como agricultura e combustíveis, esses cientistas poderão avançar muito mais nas descobertas com a nova luz síncrotron que o Sirius vai oferecer.
Escolhidos em universidades e centros de pesquisa de todo o país, esses alunos e pesquisadores aprendem quais são as utilizações do equipamento e acompanham a aplicação da luz síncrotron nas pesquisas.
Também é realizado no Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM) um programa para estudantes que querem fazer estágio nos laboratórios nacionais. Isso está permitindo que uma nova geração de cientistas dê continuidade aos trabalhos iniciados pelos pioneiros do LNLS, alguns deles ainda em atividade no laboratório chefiando equipes, desenvolvendo novos projetos para o Sirius e dando treinamento.
Outro evento realizado anualmente para atrair a atenção de estudantes desde criança para a ciência é o Ciência Aberta, que neste mês atraiu mais de 4 mil pessoas. O campus do CNPEM é aberto para o público em geral, que visita as instalações do LNLS e são recebidos por pesquisadores que explicam como tudo funciona e quais são as suas pesquisas.
Nova geração
“Passava sempre em frente do CNPEM e um dia entrei no site para conhecer mais o trabalho feito lá. Então me inscrevi em um processo seletivo de estágio, que durou dois meses, e fui aprovado”, lembra. Citadini lembra que teve atenção total dos pesquisadores veteranos e aprendeu muitas coisas em diversas áreas.
Em 2010 começou a integrar o grupo de ímãs, o primeiro a ser formado para começar a desenvolver projetos para um novo acelerador. Atualmente trabalha no desenvolvimento e testes dos ímãs que serão usados no Sirius, considerados inovadores e muito mais baratos e eficientes que os produzidos atualmente no resto do mundo.
Renan Geraldes, um engenheiro físico de 31 anos, é apenas um ano mais velho que o LNLS. Também entrou no laboratório pelo programa de estágio. Desde a faculdade ele sabia que iria trabalhar com pesquisa, pois as oportunidades que via nas empresas não o atraíam.
O LNLS era para ele um grande atrativo, pois reúne diversas áreas de conhecimento. Começou a trabalhar na linha de luz e agora vive um momento único de participar do desenvolvimento do Sirius. Essa experiência no Brasil não deverá se repetir nas próximas décadas, quando o novo acelerador ainda estará em atividade plena. Ele trabalha no monocromador, outro equipamento do Sirius que atrai a atenção de cientistas de todo o mundo por ter batido o recorde mundial de estabilidade e faz a divisão do feixe de luz gerado no acelerador.
Versatilidade
A história do crescimento do LNLS em seus 30 anos e a continuidade do Brasil na linha de ponta mundial de luz síncrotron com o Sirius tem um fator fundamental. A agilidade e mobilidade na aplicação de investimentos, cobrança de resultados nas pesquisas e menos burocracia.
“Quando começamos o trabalho, as verbas para o laboratório vinham por meio da Funcamp, uma fundação da Unicamp, que permitia o uso dos recursos sem a burocracia da universidade. Era essencial ter essa agilidade para implantar o projeto, precisávamos ter as nossas regras”, diz o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, diretor-geral do CNPEM.
Posteriormente, em 1997, quando o LNLS começou a funcionar para a realização de pesquisas, era um instituto do CNPq. No ano seguinte, ele se transformou na primeira instituição científica brasileira a ser administrada por uma Organização Social, a partir da criação da Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron – ABTLuS. A associação ficou responsável pela gestão do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron e posteriormente mudou o nome para CNPEM.
“Trabalhar como OS (Organização Social) dá às instituições de pesquisa ganhos de eficiência e qualidade. Podemos não ter os melhores salários e nem a estabilidade dos cargos públicos, mas damos as melhores condições de trabalho aos pesquisadores”, diz Cerqueira Leite.
Ele diz que um estudo chegou a ser feito para o Ministério da Ciência e Tecnologia propondo esse sistema para outras instituições de pesquisa, mas não avançou. “Muitos institutos tem medo dessa mudança, apesar de ganharem mais agilidade e resultados”, diz o físico. Para ele, o principal motivo é a falta de estabilidade, que dá tranquilidade, mas também acomoda muitos profissionais.
Pesquisas
Milhares de pesquisas foram desenvolvidas no LNLS por instituições de todo o mundo. Veja algumas delas:
- Açafrão contra o câncer: um estudo que utiliza nanopartículas carregadas com curcumina, substância extraída do açafrão da terra, pode reduzir os efeitos colaterais no tratamento do câncer de próstata, como queda de cabelo e problemas nas unhas dos pacientes.A pesquisa conta com a participação também dos laboratórios de Biociências (LNBio) e de Nanotecnologia (LNNano).
- Antibiótico contra o Parkinson: estudos mostram que a doxiciclina, antibiótico muito conhecido, é capaz de proteger o cérebro do desenvolvimento das lesões do mal de Parkinson.
- Fósforo para salvar a agricultura: A elaboração de novos fertilizantes tem sido uma das linhas de pesquisa que mais têm utilizado as instalações do LNLS. Nesses estudos, tem-se dado ênfase ao fósforo para produção de fertilizantes fosfatados, por ele ser um macronutriente essencial para o ciclo de vida das plantas. Além disso, por se tratar de um elemento cujas reservas estão cada vez mais escassas.
- Nanoantibióticos contra bactérias: a proliferação de bactérias cada vez mais resistentes a antibióticos é classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em seu último relatório, como uma crise global. Uma pesquisa desenvolvida no LNLS reforça a ideia de que a nanotecnologia é uma aliada no desenvolvimento de medicamentos capazes de superar a ineficiência dos convencionais
- Mais petróleo: A linha de luz IMX de Tomografia por Raios X tem entre suas aplicações a análise de rochas para otimização da exploração de óleo. A linha de luz XRD1 de Difração de Raios X é capaz de obter dados de alta qualidade de diferentes tipos de materiais, como na análise de amostras de óleo e derivados para a indústria petroquímica.
- Coração pré-histórico: Uma pesquisa coordenada pelo Laboratório Nacional de Biociências (LNBIo), em parceria com 12 universidades e instituições brasileiras e estrangeiras, recriou o coração fóssil de um peixe que existiu entre 113 e 119 milhões de anos e foi encontrado na Chapada do Araripe, no Ceará, um dos sítios arqueológicos mais importantes do mundo. A pesquisa iniciada há dez anos foi publicada na revista britânica “ Elife” e pode abrir caminho para o esclarecimento da evolução cardíaca dos fósseis dos animais mais primitivos e auxiliar no futuro na cura de doenças cardíacas em humanos.
- Ouro antipoluição: Um catalisador que utiliza nanopartículas de ouro desenvolvido no LNLS pode atuar sobre até 95% dos poluentes emitidos por motores de veículos. Um artigo sobre a pesquisa iniciada por um cientista sul-africano e desenvolvida no Brasil foi publicada na revista Chemical Science, de julho. A vantagem dessa nova substância é sua capacidade de funcionar mesmo em temperatura ambiente, o que não ocorre nos catalisadores veiculares usados atualmente. Eles só funcionam em altas temperaturas, quando o motor está quente.
- Impressão digital do vírus zika: o mapeamento da “impressão digital” do vírus zika foi feito por 20 cientistas. Com ajuda da luz síncrotron, foi realizado um mapeamento da estrutura molecular do vírus, ponto inicial para o desenvolvimento de vacinas e medicamentos para o tratamento da doença.