Experience News, 6 de novembro de 2017
Ao que tudo indica, o programa de biocombustíveis Renovabio não será implantado até o final deste ano, como previsto. Desde agosto, está estacionado no Ministério da Casa Civil, onde passa por análises técnicas e enfrenta críticas do Ministério da Fazenda, Petrobrás e distribuidoras, que pedem ajustes ao projeto.
Lançado no final do ano passado pelo governo federal, o RenovaBio objetiva expandir o mercado de biocombustíveis no Brasil, incluindo metas de uso e negociações de créditos de descarbonização, os CBios, como acontece nos Estados Unidos. A ideia é estimular a demanda por combustíveis renováveis e estabilizar a indústria, por meio de fusões e aquisições, para consolidar o setor, no momento endividado, com muitas empresas em recuperação judicial.
Ao aquecer a economia, reduzir emissões de gases de efeito estufa e criar uma política de descarbonização do transporte, o programa pretende ajudar o Brasil a cumprir os compromissos que assumiu no Acordo de Paris, o COP-21. Esse conjunto de medidas deverá destravar os investimentos na capacidade produtiva para que o Brasil chegue a 2030 com 54 bilhões de litros de etanol, quase o dobro do que produz hoje. Junto à meta de outros biocombustíveis, como biodiesel, bioqueresene e biogás, o país terá 18% da sua matriz energética em fontes renováveis.
Produção
Enquanto o RenovaBio não sai do papel, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a safra de 2017/2018 da cana de açúcar será de 647,63 milhões de toneladas, inferior à safra de 2016/2017, que foi de 657,18 milhões. Aproveitando a queda de safra na Índia e a conquista de novos mercados na União Européia, a maior parte da produção nacional da cana será destinada à produção do açúcar, em detrimento do etanol. Com isso, a previsão é que a produção de etanol caia 4,9%, passando de 27,81 para 26,45 milhões de toneladas na safra 2017/2018.
A aprovação da RenovaBio poderá incrementar a produção de etanol de segunda geração (2G), que é obtido de resíduos, como bagaço, caule e folhas da cana, enquanto que o de primeira geração vem do caldo de cana. O desempenho de ambos é o mesmo, o que muda é a forma de produção, conforme explica Gonçalo A.G.Pereira, professor da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. Ao lado de dois alunos, Leandro Vieira dos Santos e Renan Augusto Siqueira Pirolla, ele patenteou uma tecnologia para aproveitar mais açúcares na produção de etanol de segunda geração, por meio de uma levedura geneticamente modificada. Um segundo projeto, realizado em 2015, durante a tese de doutorado de Leandro, com orientação de Gonçalo, resultou em uma nova levedura modificada ainda mais potente do que a primeira.
Etanol 2G
O prof.Gonçalo explica que o etanol 2G é produzido a partir dos polissacarídeos que compõem a parede celular vegetal, que consiste de três polímeros: celulose, hemicelulose e lignina. A desconstrução desses polissacarídeos da biomassa vegetal leva à liberação de diferentes açúcares que podem ser convertidos em etanol. “Um dos maiores gargalos tecnológicos do etanol 2G era a não utilização de um desses açúcares: a molécula de cinco carbonos xilose. A levedura Saccharomyces cerevisiae, tradicionalmente utilizada para produzir etanol, não é capaz de metabolizar esse açúcar que corresponde a 25-30% dos açúcares totais. E para a tecnologia do etanol 2G ser economicamente viável, foi essencial introduzir essa capacidade na levedura”, conta.
A inovação foi adotada com sucesso pela GranBio, primeira usina de produção de etanol de segunda geração montada no país e onde Gonçalo atuou como CSO (Chief Scientific Officer). A empresa foi criada em 2011 por Bernardo Gradin, que montou a primeira fábrica em 2014, em São Miguel dos Campos, em Alagoas. O negócio teve o apoio do BNDES Participações que entrou com 15% de participação e um aporte de US$190 milhões de financiamento para a unidade, que custou R$ 350 milhões.
A GranBio pretendia investir R$ 4 bilhões até 2020 e inaugurar uma fábrica por ano em diferentes estados. Mas, dificuldades tecnológicas e econômicas levaram à revisão de metas. Em sua última nota à imprensa, a empresa reafirmou a confiança no setor bioenergético e disse acreditar que em 2019, com a recuperação da economia, o etanol 2G terá a mesma competitividade do etanol de primeira geração.
Pesquisadores continuam trabalhando para isso. Leandro Vieira dos Santos atua como pesquisador responsável pelo desenvolvimento de linhagens de levedura mais eficientes, assim como Gonçalo A.G.Pereira, hoje na direção do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia de Bioetanol (CTBE), um dos quatro laboratórios que integram o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).