Descoberta, que combina materiais de baixo custo e abundantes, começa a ser incorporada a protótipo de reator solar para fotossíntese artificial
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) acabam de publicar um artigo no periódico cientítico Journal of Materials Chemistry A, em que apresentam os resultados de processos de combinação de germânio à nanopartículas de hematita para aprimorar a eficiência do uso da energia solar na quebra de moléculas de água para obtenção de hidrogênio.
O artigo, que teve a colaboração de pesquisadores das Universidades Federais de São Carlos e do ABC, apresenta o germânio como possível elemento ideal na combinação com hematita para uso em células fotoeletroquímicas.
Recorde
Os melhores resultados, obtidos por meio de experimentos com diversos métodos de combinação dos materiais, apontaram para uma capacidade de geração fotocorrente de 3,2 miliampéres por centímetro quadrado.
Esse resultado é quase o dobro do obtido em 2019, nos primeiros estudos com esse propósito no CNPEM e estabelece um novo recorde latinoamericano nesse parâmetro, que é o principal para determinar a eficiência energética em materiais manipulados visando a geração de hidrogênio de forma limpa e sustentável, sem uso de matérias-primas obtidas a partir do petróleo. Poucos grupos de pesquisa no mundo, entre eles Coreia, Suíça, Israel e Reino Unido, dominam o conhecimento de processos que permitem resultados nessa escala.
“Esse campo de pesquisa se inspira na natureza. O objetivo é imitar a fotossíntese realizada pelas plantas, que usa a luz solar para separar as moléculas de hidrogênio e oxigênio da água e criar processos que podem ser chamados de fotossíntese artificial. Há um esforço global para desenvolver soluções que tornem os processos cada vez mais eficientes e economicamente viáveis”, explica o pesquisador Edson Leite, do CNPEM.
Fotossíntese Artificial
O domínio da tecnologia de fotossíntese artificial para obtenção do hidrogênio tem enorme potencial de contribuição para soluções de graves problemas gerados pela matriz energética que ameaçam o futuro da vida no planeta.
Uma das formas de se produzir o hidrogênio é a partir da quebra de moléculas de água (H2O), com formação de moléculas de H2. Essa quebra é feita em um processo chamado de fotoeletrólise, que acontece de forma muito semelhante à produção de energia elétrica a partir da luz solar nas placas fotovoltaicas.
De forma simplificada, a luz solar que incide nos painéis solares, é absorvida pelos elétrons do material que constituem esses dispositivos. Os elétrons são então expelidos dos átomos a que estavam associados, e formam a corrente elétrica que pode ser utilizada, por exemplo, para o carregamento de uma bateria ou para o funcionamento de equipamentos elétricos.
De forma semelhante, nos dispositivos fotoeletroquímicos, elétrons são liberados do material pela luz solar incidente. Em meio aquoso, o “buraco” deixado para trás atrai elétrons pertencentes à molécula de água, ocasionando a quebra das ligações químicas entre os átomos de oxigênio e hidrogênio. Agora livres, os átomos de hidrogênio se recombinam em gás hidrogênio, que pode ser então coletado, armazenado e utilizado posteriormente na produção de energia.
“Esse gás ainda é particularmente interessante como fonte de energia porque sua combustão gera como produto (resíduo?) apenas vapor de água, diferentemente dos combustíveis fósseis. É uma forma de produção e estocagem simultânea de energia”, resume Leite.
No entanto, para que essa tecnologia se torne economicamente viável, diversos desafios de engenharia e pesquisa ainda precisam ser superados.
Desafios
Além dos inúmeros desafios relacionados ao aumento da eficiência na geração da energia e à diminuição do impacto ambiental da produção das placas solares, há ainda um problema a mais a ser contornado: como manter a produção de energia elétrica nos períodos de ausência de Sol?
A intermitência diária e sazonal, não apenas da produção de energia solar, como também eólica e outras fontes renováveis, exige que diferentes modalidades de produção sejam combinadas para garantir a oferta e distribuição adequada de energia elétrica.
Outro desafio é o armazenamento da energia produzida durante os dias ensolarados para a utilização à noite ou em dias de menor exposição solar. Esse armazenamento pode ser feito tanto em uma nova geração de baterias de alta capacidade como pela conversão eficiente dessa energia solar em combustíveis químicos que possam ser armazenados, e posteriormente utilizados para a produção de energia de acordo com a demanda, assim como feito pelas plantas através do processo de fotossíntese.
Esses dois desenvolvimentos estão no foco do programa de pesquisa em energia do Laboratório Nacional de Nanotecnologia do CNPEM/MCTI, que envolve a utilização das ferramentas da nanotecnologia para a resolução de problemas fundamentais que levam à baixa eficiência desses processos, ditos eletroquímicos, e assim torná-los economicamente mais competitivos.
Protótipo de Reator sob patente
Para o pesquisador Edson Leite, a eficiência aferida recentemente nos processos que usam a combinação de hematita e germânio já permitiu iniciar o desenvolvimento de um protótipo de reator solar, em fase de depósito de patente, com o objetivo de se obter hidrogênio de forma limpa e sustentável.
“Vamos trabalhar no material para buscar formas de ampliar ainda mais a eficiência energética, mas o conhecimento que foi acumulado nos últimos anos já nos incentiva a iniciar experimentos em maior escala, visando o desenvolvimento de dispositivos que explorem todo o potencial que essa combinação de materiais, abundantes e de baixo custo, podem oferecer”.
Sirius, um diferencial
O Sirius, fonte de luz síncrotron de última geração, que está em operação no campus do CNPEM, pode ser usado nas próximas etapas desse tipo de pesquisa. A infraestrutura foi projetada para oferecer recursos na fronteira da ciência para estudo de diversos tipos de materiais.
“Uma das formas mais rápidas de avançar no desenvolvimento desses materiais é combinar experimentos capazes de visualizar em tempo real, durante a operação desse dispositivo, a quebra da molécula de água e a produção do hidrogênio, como é possível nas fontes de luz sícrotron como o Sirius. A estação experimental Carnaúba, por exemplo, será essencial para a nossa compreensão fundamental dos materiais e dos processos,”, explica o pesquisador Flávio Leandro de Souza, do CNPEM.
Sobre o Sirius
Projetado e construído por brasileiros e financiado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o Sirius é uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. Este grande equipamento científico possui em seu núcleo um acelerador de elétrons de última geração, que gera um tipo de luz capaz de revelar a microestrutura de materiais orgânicos e inorgânicos. Essas análises são realizadas em estações de pesquisa, chamadas linhas de luz. O Sirius irá comportar diversas linhas de luz, otimizadas para experimentos diversos, e que funcionarão de forma independente entre si, permitindo que diversos grupos de pesquisadores trabalhem simultaneamente, em diferentes pesquisas nas mais diversas áreas, como saúde, energia, novos materiais, meio ambiente, dentre outras.
As diferentes técnicas experimentais disponíveis nas linhas de luz do Sirius permitirão observar aspectos microscópicos dos materiais, como os átomos e moléculas que os constituem, seus estados químicos e sua organização espacial, além de acompanhar a evolução no tempo de processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem em frações de segundo. Em uma linha de luz é possível acompanhar também como essas características microscópicas são alteradas quando o material é submetido a diversas condições, como temperaturas elevadas, tensão mecânica, pressão, campos elétricos ou magnéticos, ambientes corrosivos, entre outras. Essa capacidade é uma das principais vantagens das fontes de luz síncrotron, quando comparadas a outras técnicas experimentais de alta resolução.
As linhas de luz do Sirius são instrumentos científicos avançados, projetados para solucionar problemas em áreas estratégicas para o desenvolvimento do País. Inicialmente, um conjunto de 14 linhas de luz foi planejado para cobrir uma grande variedade de programas científicos. Ao todo, Sirius poderá abrigar até 38 linhas de luz.
Sobre o CNPEM
Ambiente sofisticado e efervescente de pesquisa e desenvolvimento, único no Brasil e presente em poucos centros científicos do mundo, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização privada sem fins lucrativos, sob a supervisão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O Centro opera quatro Laboratórios Nacionais e é o berço do projeto mais complexo da ciência brasileira – Sirius – uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. O CNPEM reúne equipes multitemáticas altamente especializadas, infraestruturas laboratoriais globalmente competitivas e abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores em parceria com o setor produtivo e formação de investigadores e estudantes. O Centro é um ambiente impulsionado pela pesquisa de soluções com impacto nas áreas de Saúde, Energia e Materiais Renováveis, Agroambiental, Tecnologias Quânticas. A partir de 2022, com o apoio do Ministério da Educação (MEC), o CNPEM expandiu suas atividades com a abertura da Ilum Escola de Ciência. O curso superior interdisciplinar em Ciência, Tecnologia e Inovação adota propostas inovadoras com o objetivo de oferecer formação de excelência, gratuita, em período integral e com imersão no ambiente de pesquisa do CNPEM.