Pesquisa FAPESP em setembro/2015
Com 12 edições realizadas em oito países estrangeiros desde 2011, os simpósios FAPESP Week procuram, entre outros objetivos, divulgar a pesquisa de nível internacional feita em instituições paulistas e criar novas conexões entre cientistas de São Paulo e do exterior. Pesquisadores que já participaram dos eventos afirmam que essa troca de experiência ajuda a semear colaborações. Isso aconteceu, por exemplo, numa sessão sobre câncer e doenças inflamatórias da FAPESP Week Califórnia, que ocorreu nos campi
da Universidade da Califórnia emDavis e Berkeley em novembro de 2014. A bióloga Silvia Rogatto, da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp), compartilhou seu trabalho em oncologia molecular com o bioquímico colombiano Luis Carvajal-Carmona, professor da Universidade da Califórnia, em Davis. No fim dos anos 2000, os dois já haviam se encontrado nas reuniões anuais no projeto Chibcha (sigla para Genetic Study of Common Hereditary Bowel Cancers in Hispania and the Americas), consórcio internacional que investigou as raízes genéticas do câncer colorretal. À época, Carvajal-Carmona trabalhava na Universidade de Oxford, no Reino Unido, e Silvia representava o A.C.Camargo Cancer Center, que contribuiu com amostras de mil casos brasileiros para o estudo. Mas acabaram perdendo contato.
No simpósio da Califórnia, ela comentou com Carmona sobre casos de câncer de testículo, tireoide e mama que está estudando, sabendo que o colega acabara de publicar um artigo na Nature Communications sobre o câncer de mama e alguns outros sobre câncer de tireoide. Foi o bastante para criar uma colaboração. “Nós fizemos o sequenciamento do exoma [fração do genoma que codifica os genes] e a análise dos dados de câncer de testículo de casos brasileiros em gêmeos e ele me ajudou na parte final das análises. Estamos escrevendo um artigo juntos”, diz a pesquisadora. “A presença do câncer de testículo em gêmeos aumenta a probabilidade de detecção do gene associado com a doença. A chance de estudar gêmeos idênticos abre a oportunidade de aprofundar o conhecim
ento sobre a origem genética desse tipo de câncer”, afirma.
A estada na Califórnia também foi proveitosa para Paulo Mazzafera, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE). Ele foi procurado em Davis por uma pesquisadora que acabara de fazer o doutorado naquela universidade e manifestou interesse em estagiar na Unicamp. De origem portuguesa, Ana Raquel dos Santos Figueiredo teve sua bolsa de pós-doutorado aprovada pela FAPESP recentemente e já iniciou estudos, no laboratório de Mazzafera, sobre a suberina, biopolímero presente na parede celular das plantas que, no caso da cana-de-açúcar, é um dos responsáveis pela recalcitrância de sua biomassa, que dificulta o uso do bagaço para produzir etanol.
Mazzafera também aproveitou a viagem à Califórnia para procurar Markus Pauly, que coordena um laboratório dedicado à pesquisa em paredes celulares de plantas na Universidade da Califórnia, em Berkeley. “Ele havia viajado para a Austrália no período do simpósio, mas consegui contatá-lo pelo Skype e estamos conversando sobre uma possível colaboração”, conta. Mazzafera enviou para o laboratório de Pauly quatro espécies de cana, sendo que duas acumulam mais sacarose e as outras duas, mais fibras e menos sacarose. “Dependendo dos resultados das análises que estão sendo feitas, poderemos começar uma parceria. O grupo de Pauly é muito bom em caracterizar compostos da parede celular de plantas”, explica o professor.
Afinidades
Os temas abordados nas edições da FAPESP Week são escolhidos de acordo com afinidades e interesses da comunidade científica de São Paulo e do país sede do evento, observa o físico Marcelo Knobel, professor da Unicamp e coordenador adjunto de colaborações em pesquisa da FAPESP, que participou da organização dos simpósios. No caso da FAPESP Week Pequim, que levou 10 pesquisadores brasileiros à capital chinesa em abril de 2014, os anfitriões optaram por concentrar as sessões em temas como ciências dos materiais, agrárias, ambientais e médicas.
Já na FAPESP Week Buenos Aires, que ocorreu em abril deste ano, o leque de temas abordados foi expressivo. Foram apresentados os avanços obtidos pela ciência paulista e argentina em áreas como astronomia, alimentos funcionais, energia, nanotecnologia, informação quântic
a, saúde e humanidades, entre outros. “Levamos a Buenos Aires um número significativo de pesquisadores do estado de São Paulo. Foi o maior evento entre as edições da FAPESP Week”, diz Knobel. Para Héctor Luis Saint Pierre, professor da Faculdade de História, Direito e Serviço Social de Franca, da Unesp, e especialista em defesa e relações internacionais, o encontro de Buenos Aires gerou uma oportunidade de articulação preciosa. No último dia do evento, o pesquisador, argentino radicado no Brasil há duas décadas, reuniu-se com colegas de várias universidades, como a de Buenos Aires, de La Plata, de Quilmes e de Lanús, além de pesquisadores vinculados ao Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet), entidade que coorganizou o simpósio. “Foram três reuniões em que pesquisadores se juntaram por amizade ou interesse temático”, diz Saint Pierre. “Todos manifestaram interesse em participar de redes de cooperação com o Brasil.” Dessas reuniões, houve um agrupamento em torno de dois tópicos. Um deles, liderado por pesquisadores da Universidade de Quilmes, estuda a situação das ilhas Malvinas e a ofensiva diplomática em torno de sua soberania. O segundo, ancorado em Lanús, analisa a importância estratégica da cooperação Sul-Sul. “São temas de política externa e de defesa que devem ser trabalhados em cooperação internacional”, afirma. Parte do grupo já se reuniu em Lima, Peru, em julho, num congresso promovido pela Associação Latino-americana de Ciência Política (Alacip). “Eu não pude ir, mas continuamos conversando virtualmente e pretendemos submeter projetos em conjunto”, diz Saint Pierre.
Os simpósios costumam ser uma oportunidade para firmar novos acordos de cooperação entre a FAPESP e instituições estrangeiras. Na FAPESP Week Londres, realizada na capital inglesa em setembro de 2013, foram assinados memorandos de entendimento para estabelecer cooperação entre pesquisadores de São Paulo e do Imperial College London. Também saíram acordos com as universidades de Cambridge e Manchester, que se somaram às parcerias já existentes com os sete Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK), o British Council e 13 universidades britânicas. Outro simpósio que inspirou cooperações foi a FAPESP Week Munique, em outubro de 2014. Foram celebrados acordos com o Ministério da Educação e Pesquisa da República Federativa da Alemanha, com a Universidade de Münster e com a Fraunhofer-Gesellschaft, maior organização para a pesquisa aplicada da Alemanha. Em 2015, foi assinado acordo com a Friedrich-Alexander-Universität Erlangen-Nürnberg (FAU). Segundo Irma de Melo-Reiners, diretora executiva do Centro Universitário da Baviera para América Latina (Baylat), coorganizador do simpósio, a FAPESP Week Mu
nique já começa a produzir colaborações. Ela cita um projeto aprovado numa chamada de propostas do Baylat pelos pesquisadores Thomas Hamacher, da Universidade Técnica de Munique, e Gilberto Jannuzzi, da Unicamp, sobre o fornecimento de energia em regiões remotas do Brasil. Hamacher e Jannuzzi participaram de uma sessão do simpósio sobre energias renováveis e sustentáveis. “Pretendemos enviar um de nossos estudantes para a Alemanha no próximo ano para estudar modelos de políticas para a disseminação de geração de eletricidade e a integração de energia renovável no sistema elétrico”, completa Jannuzzi.
Retomada
A organização dos simpósios costuma convidar para as sessões temáticas pesquisadores que mantiveram no passado alguma colaboração com as instituições anfitriãs. Há casos em que o encontro serviu para reacender a parceria. A FAPESP Week Carolina do Norte, realizada em novembro de 2013 nas cidades norte-americanas de Charlotte, Raleigh e Chapel Hill, marcou a retomada de uma parceria entre o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) e a Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), vinculados à Universidade de São Paulo (USP), e o Craniofacial Center, ligado à Escola de Odontologia da Universidade da Carolina do Norte (UNC), em Chapel Hill. “Trabalhamos de forma colaborativa desde os anos 1990, quando o professor Donald Warren era diretor do Craniofacial Center, mas a parceria perdeu ímpeto depois que ele se aposentou”, explica Inge Trindade, professora da FOB, que participou da FAPESP Week. “Já era nossa intenção retomá-la, mas o evento acelerou o processo.” Em Chapel Hill, Inge se encontrou com o brasileiro Luiz Pimenta, que fez mestrado na FOB e atualmente é diretor odontológico do Craniofacial Center. Das conversas com ele
e outros pesquisadores, foi definido um intercâmbio em estudos sobre reabilitação de pacientes com fissuras no palato e outras anomalias craniofaciais. “Essas fendas são fechadas cirurgicamente quando o paciente ainda é um bebê, mas ao longo do crescimento surgem deformidades e disfunções que prejudicam a respiração, a fala e o sono”, diz a professora Inge. O novo convênio ainda não foi assinado, mas o intercâmbio já foi reativado. Ivy Trindade-Suedam, professora da FOB, foi convidada a atuar como professora associada adjunta da Faculdade de Odontologia da UNC Chapel Hill e um de seus alunos, Thiago Freire Lima, bolsista de mestrado da FAPESP, fez um estágio sanduíche de três meses no Cranofacial Center, sob supervisão de Luiz Pimenta. Ambos receberam treinamento para o uso do software Mimics, que avalia tomografias das vias aéreas superiores. A tese de livre-docência da professora Ivy está baseada em estudos feitos com o software, disponibilizado pelo Craniofacial Center. Três alunos da Escola de Odontologia da UNC fizeram, neste ano, uma visita de uma semana ao Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, e estão previstas outras visitas anuais. Em breve, a aluna de doutorado do HRAC Letícia Dominguez Campos passará um período sanduíche na UNC, para estudo da morfologia da faringe e sua relação com o sono em pacientes com deformidades maxilo-mandibulares, utilizando simulações computacionais.
No caso do pesquisador Carlos Eduardo Ambrósio, professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, em Pirassununga, a participação na FAPESP Week Carolina do Norte ajudou a consolidar uma parceria com Jorge Piedrahita, diretor do Centro de Medicina Regenerativa da North Carolina State University, que já resultou na publicação de vários artigos científicos em colaboração. Os dois grupos queriam trabalhar juntos há algum tempo e tinham submetido um projeto conjunto em um edital da rede UGPN (sigla para University Global Partnership Network), dos Estados Unidos, que estava aprovado na época do simpósio, em 2013. “Mas minha participação na FAPESP Week foi importante para estreitar os contatos e, depois disso, pude utilizar instrumentos do acordo de cooperação celebrado entre a Fundação e a universidade em 2012”, diz.
As duas equipes trabalham com linhagens de células animais adultas em que se induz a pluripotência, que é a capacidade equivalente à das células-tronco embrionárias de se diferenciar em qualquer tecido. “Nosso foco é obter uma linhagem segura, sem o potencial de formar tumores, para ser usada em testes pré-clínicos e clínicos”, diz Ambrósio. Para induzir a pluripotência em fibroblastos de cachorros, os pesquisadores usam a técnica premiada com o Nobel de Medicina em 2012. O método consiste em inserir na célula adulta da pele certas proteínas – conhecidas como fatores de transcrição – capazes de reprogramar o genoma celular. Uma estudante de mestrado orientada por Ambrósio, Vanessa Cristina de Oliveira, esteve na Carolina do Norte, com bolsa estágio de pesquisa no exterior (Bepe) da FAPESP, para fazer uma pesquisa que descreveu uma nova fonte de células-tronco em modelos animais e foi publicada em fevereiro no Journal of Tissue Engineering and Regenerative Medicine. A pesquisadora Natália Nardelli Gonçalves também esteve nos Estados Unidos realizando estudos com células-tronco de pluripotência induzida em cães para o seu doutorado. “Nesse estudo, produzimos a primeira linhagem brasileira destas células em cães”, diz Ambrósio.