Na prática em dezembro de 2017
Apesar das dificuldades que existem em uma carreira científica, a paixão pela ciência e a vontade de encontrar respostas incentivam as escolhas. “Não é preciso saber tudo para se fazer contribuições originais”, diz físico
Pergunte para qualquer um na rua de onde vieram as maiores mudanças dos últimos anos e a resposta provavelmente será “da tecnologia”. Por trás dos avanços está a ciência em suas várias formas, da pesquisa de bancada à computação.
Ao mesmo tempo que a demanda por profissionais da família STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática, em inglês) aumenta, é preciso encarar também outra realidade: esta não é uma decisão profissional das mais fáceis, especialmente no Brasil.
A carreira científica no país – que está em 21º lugar entre os que mais produzem artigos científicos, de acordo com o Nature Index – inclui empecilhos que vão de cortes de custo por parte de governos à burocracia para importar material científico.
Do lado individual, é um caminho de longo prazo que exige anos de esforço e investimento em mestrados, doutorados e outras especializações antes que o conhecimento possa ser de fato aplicado em algo palpável para a sociedade.
Quem decide por essa carreira costuma dizer que é uma escolha natural e que a afinidade pelas ciências – que pode ser aproveitada em todo tipo de mercado, de startups do Vale do Silício à academia ou grandes bancos – costuma aparecer cedo.
Mas afinal, como jovens pesam os prós e contras de escolher uma carreira científica? Como são suas rotinas? Como esperam aplicar este conhecimento?
O NaPrática.org pediu que quatro Líderes Estudar – uma física, um médico, um físico e um engenheiro – falassem sobre o tema.
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Bárbara Cruvinel
[Bárbara Cruvinel com seu diploma de Yale / Foto: acervo pessoal]
Quando Bárbara Cruvinel ainda morava em Santos, participava de diversas olimpíadas científicas. Os temas variavam das exatas, como matemática e química, até história e linguística. Representou o país em dois torneios internacionais de física e ganhou uma medalha em um deles, aos 17 anos.
Em maio de 2017, ela se formou em Física pela Yale University com uma bagagem que inclui pesquisas no CERN, o maior centro de física de partículas do mundo.
Hoje é pesquisadora do laboratório de Física do Massachussetts Institute of Technology (MIT) e lida com outra empreitada famosa: a colaboração LIGO, que ganhou o prêmio Nobel de 2017 ao detectar ondas gravitacionais pela primeira vez.
“No dia do anúncio, nos reunimos às 5h30 para assisti-lo ao vivo”, lembra. “As celebrações só terminaram depois das onze da noite.”
No futuro, Bárbara pretende fazer um doutorado (Ph.D) em Física e se tornar pesquisadora e professora universitária. “Gosto de ter um trabalho em que eu aprendo coisas novas todos os dias, sem exceção.”
Como é sua rotina no laboratório de física do MIT?
Em um dia comum, vou ao laboratório, leio um pouco, ajudo na construção de sistemas de controle, monto circuitos eletrônicos, discuto ideias com outros pesquisadores e professores, ajudo no manuseio de uma câmara à vácuo, monto sistemas ópticos ou coleto e analiso dados.
Nenhum dia é igual ao anterior, pois a cada dia estamos tentando solucionar ou montar uma parte diferente do nosso experimento [que tenta produzir estados exóticos de luz para diminuir o ruído nas detecções de ondas gravitacionais].
Porém, uma coisa eu posso garantir: em um dia comum, algo vai dar errado. Via de regra, a gente encara muito mais fracassos do que sucesso. O nosso trabalho é basicamente solucionar esses problemas para que um dia a gente consiga atingir nossos objetivos científicos.
Já um dia incomum é um dia em que algo dá certo, quando você pode falar que conseguiu um resultado importante ou desvendou um mistério, mesmo que pequeno, no qual você vinha trabalhando há dias, semanas ou até mesmo anos.
Em um dia super incomum, seu laboratório ganha um prêmio Nobel ou anuncia uma detecção que muda o curso da astrofísica, que são coisas que eu tive a sorte de presenciar nos últimos meses – mas que definitivamente quase nunca ocorrem.
Como tomou sua decisão de seguir uma carreira científica?
Decidi que queria ser pesquisadora aos 15 anos de idade. Até então, queria ser engenheira porque tinha facilidade com física e matemática.
Quando eu participei do Torneio Internacional de Jovens Físicos (IYPT), percebi que eu gostava muito mais de entender como o mundo funcionava do que de aplicar o jeito como as coisas funcionam para construir outros dispositivos.
Não teve jeito: eu sabia naquele momento que eu tinha que seguir a carreira acadêmica, porque meu trabalho então seria estudar e descobrir mais sobre como o universo funciona.
Como se preparou para sua carreira no longo prazo?
Logo após meu primeiro ano em Yale, fui ao CERN fazer pesquisa em física de partículas com uma professora. Isso me deu uma experiência razoável com programação de computadores.
Após meu segundo ano, comecei a trabalhar em um laboratório de física atômica, molecular e óptica, onde eu aprendi a construir circuitos e a montar sistemas ópticos. Começar desde cedo foi essencial, porque eu desenvolvi habilidades que eram transferíveis de uma área de física para outra e me permitiram descobrir mais cedo o que eu gostava e o que não curtia em pesquisa.
Isso acabou me levando ao meu emprego atual no MIT, onde eu posso combinar um pouco do que eu aprendi em cada experiência.
Como eu queria ter essas experiências, acho que foi essencial eu ter estudado em uma universidade de ponta nos EUA como Yale, pois ela abriu oportunidades para mim desde cedo.
E acho que outras experiências que a universidade me proporcionou, desde participar de grupos voltados para mulheres em física até trabalhar como mentoras de grupos menos representados nas ciências, foram essenciais para que eu me prepara-se para outros aspectos da carreira científica.
Afinal de contas, trabalhar com ciências não é só ir ao laboratório todo dia e resolver problemas de física, mas também interagir com pessoas diferentes para solucionar problemas e ajudar a formar a próxima geração de cientistas que vai levar o trabalho para frente.
O que te atrai à bancada de pesquisas?
Eu gosto muito de entender como o universo funciona, além de poder aprender com pessoas mais experientes que eu e ter a oportunidade de ajudar alunos mais novos.
Física experimental me proporciona tudo isso, pois meu trabalho é basicamente estudar o que eu não sei, aprender tudo que eu puder com pesquisadores mais velhos, botar a mão na massa para resolver problemas e auxiliar a geração seguinte.
Qual é seu objetivo de carreira hoje?
Eu gostaria de fazer meu Ph.D. em física nos próximos anos e seguir uma carreira acadêmica para ser professora e pesquisadora universitária no futuro. Porém, não descarto usar meu conhecimento científico após meu Ph.D. para desenvolvimento e análise de políticas públicas.
Apesar de ser comum pensar em carreiras científicas como lineares, existem muitos caminhos diferentes que podem ser seguidos.
Quais são os principais pontos para um jovem que pensa em fazer o mesmo que você?
Ter interesse por pesquisa e achar um ambiente em que você se sinta confortável para discutir suas ideias e aprender são os pontos mais importantes.
Meu conselho principal seria: procure oportunidades para se engajar onde você se sinta bem e coloque a mão na massa o mais cedo possível.
Quanto espaço há para a flexibilidade em seu projeto de carreira científica?
Bastante. Muitos dos meus professores em Yale trocaram de área de pesquisa pelo menos uma vez antes de chegarem onde estão. Eu mesma, como aluna de graduação, fiz pesquisa em física de partículas, depois atômica, molecular e óptica até chegar agora em ondas gravitacionais.
Acho que o mais importante é desenvolver habilidades pelo caminho que você possa aplicar em outros campos. Muitos amigos que estudaram comigo foram fazer programas de Ph.D. em outras áreas, como matemática aplicada, engenharia de materiais e biologia quantitativa – eu já vi gente utilizando métodos usados para agrupar galáxias em astronomia no estudo redes de neurônios.
Ou seja, as oportunidades são infinitas e o que importa não é realmente o título que você ganhou na faculdade, mas sim o que você aprende e que você pode usar para outras áreas do seu interesse depois.
Há algo que te surpreendeu profissionalmente?
Antes da faculdade, eu nunca tinha pensado muito sobre como o fato de eu ser mulher afetaria minha carreira.
Quando eu comecei a cursar Física, o problema ficou claro e exacerbado.
Uma pesquisa feita em Yale mesmo, por exemplo, indica que dois currículos idênticos, um com um nome feminino e outro com um nome masculino, mandado para mais de uma centena de pesquisadores (incluindo mulheres) resultam na mulher ser considerada menos competente e receber uma oferta de salário 13% menor.
O preconceito inconsciente nos afeta no dia a dia de formas diferentes, como ser oferecida um projeto menos quantitativo do que o que foi oferecido para alunos do sexo masculino, ouvir piadinhas infames que alienam certos grupos de estudantes, ficar um pouco isolada em grupos de estudos, entre outros.
Com sorte, isso mudou muito ao longo da minha graduação e eu tive ótimas mentoras em Yale e no MIT que realmente fizeram a diferença na minha vida. Ficar mais próxima de mulheres na minha turma e de aliados também ajudou a me manter persistente.
Quem são suas referências em seu campo?
Acho difícil apontar porque pesquisa em física tem cada vez mais virado uma atividade em que milhares de pessoas investem seu tempo no mesmo problema. O CERN publica artigos científicos com mais de 3000 autores; o LIGO tem milhares de cientistas envolvidos.
De qualquer maneira, acho que duas das pessoas que mais me inspiraram até hoje tanto de maneira pessoal quanto pela pesquisa delas foram as professoras Sarah Demers e Nergis Mavalvala, com quem fiz minha primeira iniciação cientifica e trabalho hoje.
Qual é seu sonho grande?
Poder um dia dizer que eu fiz uma contribuição científica significativa – o que parece algo amplo, mas na verdade é mais difícil de se alcançar do que parece, pois geralmente requer décadas de trabalho, estudo e dedicação fora do normal, ideias originais e os recursos certos.
Fora isso, gostaria de poder dizer que meus esforços também fizeram a Física um campo mais justo socialmente, onde pessoas cujos grupos sociais hoje não são bem representados nas ciências se sintam confortáveis e representadas para que nós tenhamos a capacidade máxima de cérebros trabalhando em questões científicas importantes, sem que elas sejam afastadas de pesquisa por falta de ambiente.
Mateus Taveira
[Mateus no laboratório / Foto: acervo pessoal]
Médico formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mateus quis conhecer outros contextos de saúde e estagiou na Harvard Medical School ainda na graduação.
Lá, conheceu sua atual chefe e mentora, Gerburg Wulf, médica alemã e professora na instituição americana.
Atualmente, Mateus é pesquisador de pós-doutorado (post-doctoral research fellow) em Harvard e atua no hospital Beth Israel Deaconess Medical Center, onde estuda o metabolismo de tumores e pesquisa a combinação de drogas anticâncer e terapias que ajudam o sistema imunológico.
“Sempre fui curioso e acabei me envolvendo com pesquisa pois era a melhor maneira de responder perguntas que eu tinha – ou pelo menos de apontar o caminho certo”, resume. “A ciência ainda é fundamentalmente sobre encontrar o que é verdadeiro.
Como é sua rotina como research fellow?
A parte comum é ir a palestras, revisar seus resultados e organizar como apresentá-los de forma coerente, ler os últimos artigos na sua área, responder e-mails, participar de reuniões, checar os resultados do dia anterior com sua equipe, programar os próximos dias com base nesses resultados, etc.
A parte mais específica, no meu caso, é passar algumas horas do meu dia numa salinha estéril cuidando da minha colônia de camundongos e realizando os experimentos em animais de fato.
Passo mais algumas horas na bancada colocando a mão na massa como um cientista de cinema e o resto do tempo conversando com meus colaboradores e discutindo nossas ideias.
Essa é a parte menos estruturada do dia, mas também a mais importante, onde você estabelece parcerias e projetos conjuntos, porque ciência não se faz sozinho.
O que é um dia comum?
É importante lembrar que ciência é muito mais suor que inspiração. E o aspecto técnico de fazer um experimento bem feito pode exigir algumas peculiaridades: se um experimento necessita de medidas contínuas durante 24h, o pesquisador vai organizar sua rotina ao redor do experimento – vai enxergando onde vai encaixar uma reunião, um outro experimento menor, um almoço, etc.
Como tomou sua decisão de seguir uma carreira científica?
Não acredito que parei em algum momento e deliberei sobre essa decisão. Na verdade, ainda hoje eu estou buscando um equilíbrio entre fazer pesquisa e prover cuidado médico pra pacientes.
O que aconteceu é que, durante meu treinamento como médico, ouvi muitas soluções fáceis pra problemas complexos. Percebi que ia ter que correr atrás das respostas eu mesmo – e a ciência proporciona essa oportunidade de investigar, testar, dialogar.
Como se preparou para sua carreira no longo prazo?
Eu sempre me preparei pra ser muito bom no que eu faço e sempre que vi uma oportunidade boa se abrindo, corri atrás. Mas não dá pra planejar muito a vida (ou sua carreira). As oportunidades mudam, as circunstâncias mudam, as pessoas mudam.
O que é importante é estar sempre fazendo o melhor para que, no momento que algo apareça, dê pra correr atrás.
O que te atrai à bancada de pesquisas?
Tem sempre algo novo acontecendo e eu tenho muita liberdade sobre o que eu vou fazer, estuda ou que que questões quero perseguir. Ter algo que esta sempre mudando e liberdade para focar sua energia não tem preço.
Qual é seu objetivo de carreira hoje?
Publicar pelo menos um achado científico relevante verdadeiro. Publicar porque se você descobre e não compartilha, não descobriu. Relevante porque tem tanto ruído hoje em dia que, se não for importante, ninguém vai notar. E verdadeiro porque é o único jeito de deixar um legado – meias-verdades científicas, cedo ou tarde, são deixadas de lado.
[Mateus com sua mentora, Gerburg Wulf / Foto: acervo pessoal]
Há algo que te surpreendeu profissionalmente?
Não tem nenhum projeto relevante que dê para fazer sozinho: Tudo é trabalho em equipe.
Mesmos as tarefas mais individuais da pesquisa só vão ter relevância quando juntadas ao trabalho de outras pessoas.
Quais são os principais pontos para um jovem que pensa em fazer o mesmo que você?
- Não ter medo de fazer algo diferente
- Procurar bons mentores e/ou mestres
- Para fazer os estágios que fiz durante a faculdade e conhecer as pessoas que me abriram portas depois, eu bati muita perna e conversei com muita gente. Não tem como querer inovar sem correr atrás porque nada vai cair no seu colo
Seguir carreira em ciência não uma opção fácil no Brasil. O que te motiva?
Acredito que tive varias oportunidades que muitas pessoas não tiveram e preciso de alguma forma retribuir isso à sociedade, tentar fazer com que as pessoas ao meu redor tenham ainda mais oportunidades que eu.
Acho que é isso que motiva qualquer pesquisador que volta ao Brasil. Nos EUA, eles têm bastante gente boa e que podem mais ou menos me substituir. Meu impacto no Brasil é diferente.
Qual é seu sonho grande?
Que a educação que tive e o acesso à saúde que eu tenho não sejam mais privilégios no Brasil, mas sim a norma básica.
Leia também: Pós-graduação: a chance de estudar exatamente o que te interessa
Illan Feiman Halpern
[Illan Feiman Halpern / Foto: acervo pessoal]
Illan participou de sua primeira olimpíada científica aos 11 anos, em Resende (RJ), quando ganhou uma medalha de bronze em uma competição de matemática.
A experiência fez com que engatasse uma série de conquistas do tipo, incluindo em olimpíadas de informática, astronomia e física dentro e fora do Brasil – ele ficou em terceiro lugar na olimpíada internacional de física em 2009 –, e que o impulsionaram a se mudar para São Paulo para concluir o ensino médio.
Em 14 de março de 2010 – “no dia do pi”, brinca –, ele foi aceito pelo Massachussetts Institute of Technology, onde se formou quatro anos depois em Física com um minor em teatro.
Atualmente, é doutorando em Física na University of California, Berkeley e é orientado por uma de suas referências no campo, o professor Raphael Bousso.
“Minha área de pesquisa é em gravitação clássica e quântica. Nossa pesquisa explora dualidades holográficas e utiliza técnicas e conceitos da informação quântica para entender melhor a natureza do espaço-tempo”, resume ele, que pretende se tornar professor universitário.
“É gratificante poder ser pago para pensar em questões sobre nosso universo nas quais provavelmente pensaria de qualquer forma.”
Como é sua rotina?
Na maioria dos semestres, sou assistente de ensino para aulas da graduação. Então dou aulas e ajudo na elaboração, aplicação e correção de lições de casa e provas. Na maior parte do tempo estou no meu escritório ou na área de interação, que fica logo à frente.
Ali discuto pesquisa com outros doutorandos, post-doutorandos e professores. Há também, uma ou duas vezes por semana, seminários dados por pesquisadores que vem de todo os EUA (e também outros países) para apresentar suas pesquisas.
Além de mim, o grupo de pesquisa do professor Bousso tem 5 outros doutorandos e dois pós-doutorandos. Com um grupo grande assim, ele não participa diretamente de todos os projetos. Porém, nós todos nos reunimos uma vez por semana para um almoço e para atualizarmos uns aos outros a respeito de nossos avanços e discutir artigos relevantes recentemente publicados.
Como tomou sua decisão de seguir uma carreira científica?
Sempre gostei de estudar e aprender, então a carreira cientifica me pareceu natural. Desde pequeno, sempre tive uma curiosidade acerca do mundo que buscava saciar através de aulas e leituras, mas sabia que em certo momento minhas perguntas atingiriam a fronteira do conhecimento humano e eu precisaria, portanto, buscar minhas próprias respostas.
Já fui ao MIT esperando fazer um doutorado posteriormente, só não tinha certeza ainda em qual campo.
Como se preparou para sua carreira no longo prazo?
É importante amar o que se faz. Então nunca me preocupei muito com o longo prazo e simplesmente optei por cursos na universidade movido pelo meu interesse.
Também tinha bastante vontade de experimentar pesquisa e comecei a fazê-la na área de cosmologia teórica com o Professor Alan Guth, ainda em meu primeiro ano no MIT. A experiência com pesquisa adquirida durante a graduação ajudou-me a ser aceito para na graduate school[pós-graduação].
O que te atrai à bancada de pesquisas?
Há bastante liberdade para escolher problemas interessantes. Posso trabalhar tanto independentemente como em grupo e tenho o privilégio de ver de perto e participar na construção de conhecimento.
É gratificante poder ser pago para pensar em questões sobre nosso universo nas quais provavelmente pensaria de qualquer forma.
Qual é seu objetivo de carreira hoje?
Quero concluir meu doutorado e ingressar em um bom pós-doutorado para conseguir ser professor universitário, fazer pesquisa, dar aulas e orientar alunos.
[À direita, participando de um painel / Foto: acervo pessoal]
Quais são os principais pontos para um jovem que pensa em fazer o mesmo que você?
A carreira acadêmica não é fácil: há competição por vagas em todos as etapas e ela provavelmente vai exigir viagens e mudanças ao longo do caminho.
O salário é normalmente menor do que de colegas com o mesmo nível educacional trabalhando em empresas e estabilidade só é atingida tardiamente.
Portanto, recomendo que alguém que queira seguir essa carreira reflita bastante e compreenda bem suas razões para quere-lo.
Quanto espaço há para a flexibilidade em seu projeto de carreira científica?
Não é incomum mudar o foco ou transacionar para uma outra área. O cuidado que se deve tomar nesses casos, é estar consciente da curva de aprendizado e que isso pode reduzir o ritmo de publicação por um tempo.
Portanto, dependendo do momento na carreira, pode ser desaconselhável largar completamente uma área na qual se é produtivo.
Seguir carreira em ciência não uma opção fácil no Brasil. O que te motiva?
Não seria honesto dizer que não tenho, ocasionalmente, minhas dúvidas se estou seguindo o caminho correto. O que me dá confiança e me motiva a seguir em frente é que quando eu paro para pensar em alternativas, não consigo pensar em nada mais que preferiria estar fazendo.
Há algo que te surpreendeu profissionalmente?
Consumava ter a impressão, como aluno, que os professores sabiam de tudo, ou pelo menos de tudo que já havia sido descoberto.
Achava que teria primeiro que atingir esse nível de conhecimento acerca de todos os avanços no meu campo de pesquisa para depois poder contribuir. Isso não é verdade.
Não é preciso saber tudo para se fazer contribuições originais e professores também estão sempre aprendendo, tanto conteúdos novos como antigos.
Qual é seu sonho grande?
Quando fui entrevistado para a bolsa da Fundação Estudar, respondi que era o prêmio Nobel. Como hoje faço pesquisa em física teórica numa área que aparenta estar a muitas décadas de ter confirmação experimental – o que é exigido para o Nobel –, preciso escolher outro sonho grande.
O Breakthrough Prize in Fundamental Physics, cujo prêmio é até maior que o do Nobel, parece-me uma boa alternativa.
Leia também: Plano de carreira: 7 passos para elaborar o seu e começar 2018 menos confuso
Cauam Ferreira Cardoso
[Cauam Ferreira Cardoso / Foto: Reprodução/LinkedIn]
Doutorando em Desenvolvimento Econômico Internacional no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Cauam divide seu tempo entre sua pesquisa e trabalhos como consultor em projetos brasileiros e internacionais e instrutor na instituição – que ele considera as três facetas da academia.
A trajetória até o MIT, uma das melhores universidades do mundo e onde chegou em 2012, não foi uma linha reta.
Entre se formar em Engenharia Civil na Universidade Federal de Santa Catarina e seu mestrado em Economia Política na University of Sidney, Cauam trabalhou em cinco países, como Angola e Camboja, e em organizações como FAO-ONU e Banco Mundial.
Nos EUA, ele pesquisa a interface entre mudanças tecnológicas e desenvolvimento econômico em países emergentes, assim como a implementação eficaz de políticas e projetos de desenvolvimento. “Ciência é a base de tudo que faço”, resume.
Nos últimos tempos, além das aulas que ministra – como Introduction to International Development, um curso introdutório –, Cauam se dedica a um projeto brasileiro de inovação e a uma parceria internacional entre MIT, governo americano e a SEWA, uma associação indiana de mulheres autônomas, que foca no combate à pobreza no país.
“Pesquisar é analisar e interpretar as informações e produzir um conhecimento que, no final, vai servir pessoas reais”, empolga-se.
Como é sua rotina no MIT, onde você é research assistant?
No MIT, você tem um total formal de horas que combina com um professor ou um grupo de pesquisa. Será o número de horas por semana que você dedica às atividades daquele projeto.
Divido meu tempo entre ser research assistant, teaching assistant [instrutor] e meus estudos. Tento aproximar meu trabalho e a pesquisa pessoal. Se forem muito diferentes, você pode ficar sobrecarregado.
Conseguir posições de research assistant nem sempre é fácil e depende muito do aluno, já que é raro que um professor te procure especificamente. Em minha experiência, você começa indo na aula do professor com quem quer trabalhar, estabelece um relacionamento e, a partir dali, fala que, se ele tiver um projeto, você adoraria participar.
Você tem muito contato com os professores e aprende muito – e não necessariamente o que você aprenderia em sala, mas realmente aprender com um produto na prática. É uma oportunidade de aprendizado diferente, muito mais aplicada. É um bom complemento.
O que é um dia comum? E um dia incomum?
Posso começar numa reunião sobre inovação no Brasil, seguir para uma aula de teoria de políticas públicas e terminar analisando dados de uma entrevista que fiz numa comunidade remota na Índia. É um dia completamente normal!
Assim, você é obrigado a desenvolver uma flexibilidade muito grande – de se entregar, de se concentrar. Isso que é o legal da pesquisa: a cada projeto, você dá seu coração.
Eu também saio muito para o campo. Para quem trabalha com disciplinas aplicadas, isso é muito importante. Caso contrário, há o risco de ficar só na biblioteca e perder o bonde. O preço é que sua pesquisa fica menos relevante e o impacto não é mesmo.
Como tomou sua decisão de seguir uma carreira científica?
A grande intensidade que há no campo é marcante e chega um momento em que eu estou só apagando incêndios e que preciso parar um pouco para pensar.
Para mim, a academia sempre representou isso: uma oportunidade para refletir sobre as experiências e aprender mais, porque a prática te faz questionar outras coisas.
No nível em que estou, há também a questão da curiosidade: você não está satisfeito com as respostas que estão disponíveis e sente que quer entender melhor. O doutorado é perfeito para experimentar, rever seus conceitos e se preparar para dar uma contribuição bem mais qualificada.
O que te atrai à bancada de pesquisas – no seu caso, à biblioteca?
Sempre foram minhas raízes em Irajá, no Rio de Janeiro, que têm a ver com meu compromisso social: ter a oportunidade de sair de onde eu saí e poder contribuir para mudar aquela realidade. Nos momentos que estou mais cansado, é o que me leva.
E quando você fala com uma pessoa em campo, você não esquece – o que ela faz, as esperanças que ela tem. Isso é muito inspirador e, através da pesquisa, uso essas histórias para criar um país diferente. Antes de lembrar de qualquer coisa que li num livro, vou me lembrar das pessoas com quem falei.
Qual é seu objetivo de carreira hoje?
No curto e médio prazo, pretendo continuar na academia, tanto como pesquisador quanto lecionando e dando consultorias. Também sempre tive vontade de servir meu país a partir do governo.
Quais são os principais pontos para um jovem que pensa em fazer o mesmo que você?
Primeiro, desenvolva uma carreira fora da academia antes de fazer um mestrado ou doutorado. No meu programa do MIT, uma das coisas que mais conta é experiência profissional antes de aplicar.
Isso porque o que eles querem é que você faça perguntas interessantes. E é difícil fazer perguntas interessantes se você não fez, na prática, aquilo que quer estudar!
A segunda coisa é pensar a longo prazo. Aqui fora, especialmente no doutorado, te pedem um monte de documentos diferentes para analisar sua performance de diversos ângulos – sua história de vida, suas notas, suas experiências profissionais.
Para ser competitivo, demora um tempo. Eu construi minha carreira por anos até ser competitivo suficiente para entrar no MIT. Não se desencoraje se você não passar para um mestrado depois de sair da graduação – isso acontece!
Pensar no longo prazo te ajuda a colocar qualquer falha ou impedimento em perspectiva e não perder a motivação.
Terceiro, realmente aprenda inglês! A quantidade de brasileiro que não fala bem é grande ainda. Eu aprendi tarde e foi sempre uma desvantagem.
Falar línguas vai te abrir um horizonte que é inimaginável e comunicação será seu arroz com feijão. Se você não investir na proficiência, vai ficar muito difícil.
Seguir carreira em ciência não uma opção fácil no Brasil. O que te motiva?
Eu busco as oportunidades mais interessantes, então meu desafio vai ser encontrar a oportunidade.
E hoje em dia o mercado brasileiro está um pouco mais flexível. Eu posso dar aulas no Brasil, ser pesquisador em uma universidade no exterior, dar consultoria para a ONU.
E como construo minha carreira sempre com esse foco internacional e de maneira múltipla, o contexto específico de um setor vai ser menos impactante e posso continuar progredindo sem estar necessariamente impedido por uma mudança de contexto.
Há algo que você descobriu e gostaria de compartilhar?
Para quem está envolvido com comprometimento social, a saúde mental é um campo muito importante. Às vezes, como indivíduo, você tem um poder limitado para mudar uma situação – eu sou doutorando e não presidente do Brasil!
No MIT e em outras universidades desse nível, é comum ver esse impacto, que te leva a trabalhar muito. Você não dorme e pensa: “Vou fazer só mais essa coisa, analisar só mais esse dado”. Nós nos cobramos muito, mas a cobrança em excesso pode criar um efeito contrário.
Então sempre falo para meus alunos: durmam! Tenham o hábito de se exercitar! Seu comprometimento precisa ser combinado com cuidado social.
Não é saudável – nem pragmático! – pensar que a carreira sempre vai vir primeiro.
Quem são suas referências em seu campo?
Talvez essa seja a pergunta mais difícil de todas! Judith Tendler, professora do MIT que faleceu há pouco, é alguém a quem devo muito profissionalmente. Ela estudou o Brasil, falava muito bem o português e tinha adoração pela prática.
Além do lado acadêmico, há José Graziano, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) que saiu do meio acadêmico e foi para a prática, e Sergio Viera de Mello, que fez pós-doutorado na Universidade Paris-Sorbonne e foi para a ONU.
É o tipo de carreira em que eu me vejo: eles tiveram uma contribuição acadêmica muito significativa e colocaram a mão na massa.
Qual é seu sonho grande?
Onde cheguei na minha carreira é um meio para um fim maior, que é contribuir para um país melhor e com mais oportunidades.
Quero produzir conhecimento, implementar políticas públicas, apoiar o governo e a iniciativa privada e estabelecer um ambiente em que relações mais empáticas sejam possíveis.
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