Terra Magazine, em 24/09/2011
Alfredo Suppia
O Homem do Futuro, Escrito e dirigido por Cláudio Torres. Globofilmes, Brasil, 2011, 106 minutos. Produção de Tatiana Quintella e Cláudio Torres. Com Wagner Moura, Alinne Moraes, Gabriel Braga Nunes, Maria Luisa Mendonça, Fernando Ceylão e Jean-Pierre Noher.
O Homem do Futuro (2011), de Cláudio Torres, é uma comédia romântica fantasiada de ficção científica que explora os quiproquós habituais em torno do tema da viagem do tempo – ou, mais precisamente, do paradoxo temporal.
Despretensioso e divertido, o filme de Torres na verdade não “recicla” nada da FC, da comédia romântica ou mesmo do filme juvenil. Tampouco traz algo de realmente novo para qualquer um desses gêneros. Mas havemos de destacar a felicidade de sua “combinatória”.
O Homem do Futuro gravita em torno de uma variedade de citações e fórmulas narrativas muito bem aceitas pelo público jovem, ou por aqueles espectadores que buscam nada mais que poucas horas divertidas na sala escura. Nesse sentido, o filme de Torres cumpre sua função com competência. Boa parte de sua sedução vem do apelo nostálgico que faz a um imaginário cinéfilo próprio dos anos 1980. Sim, O Homem do Futuro lembra-nos com ternura dos melhores filmes de John Hughes – o diretor de Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, 1986) e outras pérolas do cinema juvenil norte-americano -, sem falar do cinema de Robert Zemeckis. De Volta para o Futuro (Back to the Future, 1985) é o “núcleo atômico” de O Homem do Futuro, que, na prática, adapta muito bem o filme de Zemeckis para o contexto brasileiro. E isso não é pouco.
Não se trata aqui de esvaziar a originalidade do filme de Torres. Ao contrário, filmes como O Homem do Futuro são absolutamente necessários para a criação de uma “massa crítica” audiovisual que favoreça vôos mais altos em termos de cinema de ficção científica. O filme de Torres também traz embutido em seu DNA dos anos 1980 uma outra produção brasileira, um filme gaúcho de orçamento modesto dirigido por Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo: Barbosa (1988). Tanto Barbosa quanto O Homem do Futuro são sobre a hubris de homens geniais insatisfeitos com a História/história/estória.
No filme de Furtado, o viajante do tempo busca “corrigir” a história, revertendo a derrota do Brasil para o Uruguai na Copa do Mundo de 1950. No filme de Torres, o viajante do tempo (Wagner Moura como João/Zero) tenta mudar sua própria história, e, no trajeto de sua missão, descobre-se a si mesmo. Multiplicam-se suas personalidades conforme as realidades alternativas de sobrepõem. Sim, retornar ao passado e alterá-lo significa abraçar um novo futuro, não necessariamente melhor que o presente. O belo conto “Um Som de Trovão” (“A Sound of Thunder”, 1952), de Ray Bradbury, bem como sua adaptação audiovisual (A Sound of Thunder, 2005), dirigida por Peter Hyams, e filmes como Efeito Borboleta (The Butterfly Effect, 2004, de Bress e J. Mackye Gruber), já debateram sobre isso à exaustão, mas o fascínio do paradoxo temporal e das histórias alternativas parece sempre reemergir.
Em O Homem do Futuro, o “panaca” dos tempos de universidade também é um gênio rancoroso, um hedonista milionário e, finalmente, um Édipo no paraíso. Se o roteiro e a construção dos personagens aproximam Barbosa de O Homem do Futuro, seus respectivos desfechos, efeitos especiais e, obviamente, orçamentos de produção, afastam ambos os filmes. Embora aventuras sobre viagem no tempo a rigor demandem muito pouco do departamento de efeitos especiais – vide La Jetée (1962), de Chris Marker, Em Algum Lugar do Passado (Somewhere in Time, dir. Jeannot Szwarc, 1980), de ou o próprio Barbosa -, O Homem do Futuro expõe um acabamento visual que nos leva a constatar, de uma vez por todas, que absolutamente nada afasta o cinema brasileiro de produções mais freqüentes no gênero fantástico ou de ficção científica. A pirotecnia de O Homem do Futuro não impressiona, mas é competente e parcimoniosa – o interesse do filme não está no funcionamento da máquina do tempo, nem no(s) Wagner(s) Moura(s) evanescentes, mas no antes e depois de cada pequeno espetáculo desses.
Mais que efeitos, O Homem do Futuro explora com habilidade suas locações. Um espaço imaginário é construído a partir de sequências rodadas no Rio de Janeiro, no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) em Campinas-SP (https://www.lnls.br/site/home.aspx), e no novo Teatro Municipal de Paulínia-SP, entre outros espaços. Retoques digitais dão um “empurrãozinho” à costura desse território ficcional. Quem conhece esses espaços pode identificá-los, mas isso não interessa. O filme de Torres aplica com desenvoltura descobertas muito simples e práticas que remontam aos primórdios da história do cinema e ao tempo das primeiras experiências de montagem conduzidas por Lev Kulechov na ex-URSS. Parece corriqueiro mas não é.
O cinema brasileiro nem sempre foi tão desenvolto nesse tipo de manobra audiovisual. Em muitos filmes nacionais, a locação traz o peso de seu lastro, de sua concretude e de seu endereço. Em O Homem do Futuro, as locações são leves, esvoaçantes, sem qualquer constrangimento. O uso do cenário do Laboratório de Luz Síncrotron é desenvolto, impertinente, quase infantil – e por isso mesmo, tão acertado. No início dos anos 2000, eu visitei o laboratório para tentar usá-lo como locação numa adaptação de um conto de Arthur C. Clarke, quando o escritor ainda era vivo. Infelizmente não consegui viabilizar a produção do curta – tenho o roteiro na gaveta até hoje -, mas fico feliz que Torres tenha descoberto e explorado o potencial fabular do local. De certa maneira, senti-me gratificado.
Torres parece inclinado a avançar no filão dos filmes fantásticos ou de FC, haja visto seus trabalhos anteriores – Redentor (2004) e a Mulher Invisível (2009), entre outros títulos. Isso é muito bem-vindo.
Mudando de assunto, o lamentável é que empresas privadas de grande capital recorram a leis de incentivo para lucrar com a indústria do audiovisual, mas esta já é outra estória – e talvez precisássemos viajar no tempo para mudar alguns detalhes do presente audiovisual brasileiro. De toda forma, O Homem do Futuro entrega bem o seu “pacote”: uma comédia romântica divertida, com boas atuações, boa direção e montagem, generosa com o legado cinéfilo do filme de gênero dos anos 1980. Num sentido – e isto não é exatamente uma crítica negativa -, O Homem do Futuro é um filme “atrás” de seu tempo. Isso mesmo, “atrás”, e não à frente. Um filme dos anos 1980 ou, talvez mais precisamente, um filme “temporão”, com DNA dos anos 1980 nos anos 2010, algo como um emulador de Atari. Agora está feito. Esperamos que filmes brasileiros de FC tão divertidos quanto esse, e muitos outros ainda, mais ousados, se materializem por aí.
Alfredo Suppia é autor do estudo A Metrópole Replicante: Construindo o Diálogo entre Metropolis e Blade Runner (2011) e é o editor da revista acadêmica Zanzalá (https://www.ufjf.br/lefcav/revista-zanzala).