Fenômeno é entrave para a produtividade agrícola e reflorestamento, especialmente na região Nordeste do Brasil
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de diversas instituições de ensino e pesquisa, passaram dois dias definindo uma metodologia científica para um trabalho pioneiro que visa elucidar questões fundamentais sobre um fenômeno ainda incompreendido nos solos da região dos Tabuleiros Costeiros do Brasil, denominado “coesão”.
Formados a partir de sedimentos, os solos coesos são caracterizados por um endurecimento extremo, especialmente no estado seco. Esse fenômeno, de difícil manejo, ocorre de forma natural em uma área que se estende por mais de 100 mil quilômetros quadrados, desde o estado do Rio de Janeiro até o Amapá. A camada coesa em geral ocorre entre 30 e 70 centímetros abaixo da superfície, e interfere no crescimento das raízes, absorção de água e de nutrientes. Especialmente no Nordeste do Brasil, o fenômeno tem criado entraves para o uso, manejo e conservação do solo, com grande impacto na produtividade agrícola.
A “1ª Oficina CNPEM-Embrapa de Solos Coesos”, idealizada com a estratégia de integrar diversas competências das duas instituições para enfrentar um grande problema estratégico para a agricultura e meio ambiente, é uma iniciativa inédita no âmbito do CNPEM, centro que abriga o Sirius. Uma das únicas três fontes de luz síncrotron de última geração em operação no mundo, o Sirius é um recurso na fronteira da ciência, que pode fazer a diferença na investigação de mecanismos microscópicos relacionados com a coesão dos solos.
O Sirius, bem como as demais infraestruturas do CNPEM, é uma instalação aberta à comunidade científica e empresarial. Seguindo um modelo já consolidado internacionalmente, os pesquisadores interessados em utilizar as linhas de luz do Sirius apresentam propostas de pesquisa, que são avaliadas por pares num ciclo semestral. As propostas mais bem qualificadas cientificamente em cada ciclo, independente do tema, são agendadas para experimentos.
Novo modelo: Orientado por missão
A iniciativa dessa força-tarefa, que busca avançar no conhecimento fundamental e obter respostas inovadoras para o manejo de solos coesos, se insere em uma novo modelo de acesso às instalações do Sirius, com alocação de diversas estações experimentais e equipes de pesquisa interdisciplinares capazes de abordar desafios ou missões de diferentes perspectivas.
Ao eleger como missão um desafio relevante na área de ciência de solo, envolvendo grandes especialistas em ciência de solo do País para explorar diversas abordagens e hipóteses, com as mais avançadas capacidades analíticas disponíveis, o CNPEM busca envolver a comunidade científica em um novo modelo, ainda mais colaborativo, de uso das tecnologias de luz síncrotron do Sirius, com o objetivo de acelerar o desenvolvimento de soluções para grandes desafios estratégicos do Brasil.
“Foi muito interessante observar a evolução das ideias deste grupo de especialistas de diversas subdisciplinas da ciência do solo, agronomia, física, ciência dos materiais, química e outras áreas à medida que o workshop avançava. As discussões levaram a um plano unificado de investigação envolvendo contribuições de todos, desde a amostragem em solos coesos até a coleta e interpretação de dados”, explica o pesquisador do CNPEM Dean Hesterberg, responsável pela organização do evento.
A proposta atraiu a colaboração de pesquisadores de diversas instituições de ensino e pesquisa de várias regiões do Brasil, como:
- Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC)
- Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
- Universidade Federal do Paraná (UFPR)
- Universidade Federal do Ceará (UFCE)
- Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)
- Universidade de São Paulo (USP-ESALQ)
O trabalho
O encontro permitiu a elaboração de um plano de trabalho que prevê testes de campo e coleta de amostras, que serão trazidas ao CNPEM para análises nas linhas de luz do Sirius. Os debates permitiram entender o potencial aproveitamento dos recursos de pelo menos cinco estações experimentais do Sirius, as linhas: CARNAÚBA, IMBUIA, PAINEIRA, CATERETÊ e MOGNO. As amostras serão analisadas por microtomografia, nanotomografia e cristalografia de alta resolução, entre outras técnicas experimentais com luz síncrotron.
Os experimentos deverão ser realizados até julho e, dentro de aproximadamente seis meses, o grupo deverá se reunir novamente para discussão dos resultados e definição dos próximos passos.
“A Ciência é feita de incertezas, por isso estamos testando um novo modelo de fazer ciência, visando resolver grandes problemas do País. Este workshop foi só o começo, pois estamos na fase de perguntar os porquês da ocorrência desses solos coesos. Só depois disso investigaremos possibilidades de como resolver, e em seguida devemos endereçar outras frentes práticas, como a sustentabilidade financeira de cada uma das soluções encontradas”, destacou o diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, Harry Westfahl Jr.
Para José Coelho de Araújo Filho, pesquisador da Unidade de Execução de Pesquisa e Desenvolvimento de Recife da Embrapa Solos, “a multidisciplinaridade desta iniciativa fez com que entendêssemos melhor como lidar com a causa do problema, dividindo as diversas responsabilidades e estratégias para que chegarmos a conclusões sobre as causas do problema. Essa visão conjunta propiciou a gente ter uma melhor análise do problema”.
“Esperamos que essa primeira iniciativa, com foco no aproveitamento dos recursos de ponta do CNPEM, com um intenso trabalho em grupo de especialistas de diversas áreas direcionados à uma missão estratégica, acelere a produção de resultados e a oferta de soluções para grandes problemas nas mais diversas áreas do conhecimento. Queremos demonstrar o quanto o Sirius é um recurso acessível, aberto e útil para viabilizar soluções de problemas reais da sociedade brasileira. As grandes respostas são construídas coletivamente, por isso é fundamental ter como parceiro uma organização como a Embrapa, capaz de formular as melhores perguntas e respostas nesse grande desafio”, resume o diretor-geral do CNPEM, Antonio José Roque da Silva.
Sobre o CNPEM
Ambiente sofisticado e efervescente de pesquisa e desenvolvimento, único no Brasil e presente em poucos centros científicos do mundo, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização privada sem fins lucrativos, sob a supervisão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O Centro opera quatro Laboratórios Nacionais e é o berço do projeto mais complexo da ciência brasileira – Sirius – uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. O CNPEM reúne equipes multitemáticas altamente especializadas, infraestruturas laboratoriais globalmente competitivas e abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores em parceria com o setor produtivo e formação de investigadores e estudantes. O Centro é um ambiente impulsionado pela pesquisa de soluções com impacto nas áreas de Saúde, Energia e Materiais Renováveis, Agroambiental, Tecnologias Quânticas. Por meio da plataforma CNPEM 360 é possível explorar, de forma virtual e imersiva, ambientes de todos os laboratórios instalados em Campinas (SP) e também obter informações sobre trabalhos realizados e recursos disponibilizados para a comunidade científica e empresas. A partir de 2022, com o apoio do Ministério da Educação (MEC), o CNPEM expandiu suas atividades com a abertura da Ilum Escola de Ciência. O curso superior interdisciplinar em Ciência, Tecnologia e Inovação adota propostas inovadoras com o objetivo de oferecer formação de excelência, gratuita, em período integral e com imersão no ambiente de pesquisa do CNPEM.