Folha de S.Paulo em 14/05/2016
Neste sábado, um conjunto de bactérias fará um sinistro passeio de balão. Elas subirão de São Carlos (SP) até a borda da atmosfera, a mais de 30 km de altitude. O objetivo é testar os limites para a vida num ambiente que beira o vácuo espacial.
“Acima dos 30 km, a pressão é baixa, praticamente a mesma da superfície de Marte, tendo também baixíssima disponibilidade de água e nutrientes, além de forte incidência de radiação solar”, descreve o astrobiólogo
Douglas Galante, pesquisador do LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron) e líder científico da missão Garatéa I, ao lado de Fábio Rodrigues, do Instituto de Química da USP.
“Esse é um dos ambientes mais hostis para a vida na Terra, e pouco se conhece ainda sobre a resposta de micro-organismos a essas condições”, completa.
O nome dado à sonda vem do tupi-guarani e significa algo como “busca vidas” –trata-se de um esforço para investigar quais são as possibilidades para a vida fora da Terra e para ajudar a entender como ela atua para moldar o ambiente do nosso planeta.
Para isso, Galante cita exemplos como o do astrônomo americano Carl Sagan, que chegou a propor a ideia de que as nuvens de Vênus pudessem ser ocupadas por micróbios, embora sua superfície seja inabitável.
O astrobiólogo do LNLS também aponta o fato de que micro-organismos têm um papel importante e ainda não totalmente compreendido em fenômenos atmosféricos terrestres, como a formação de nuvens. Espera-se que os estudos possam jogar luz sobre questões como essa.
O experimento foi concebido como o precursor de uma missão espacial, em que amostras semelhantes de micróbios e moléculas ligadas à vida serão expostas ao ambiente na órbita da Terra, totalmente fora da atmosfera. E, quem sabe, num lançamento futuro, até em órbita da Lua, longe do campo magnético que protege nosso planeta de radiação cósmica perigosa.
TRABALHO EM GRUPO
Galante lidera o aspecto científico da iniciativa, mas há também um forte componente tecnológico sob a orientação do engenheiro Lucas Fonseca, que ganhou notoriedade por ter participado da missão Rosetta, responsável pelo pouso do módulo Philae na superfície de um cometa.
Empresário do setor aeroespacial com a startup Airvantis, ele agora fez parceria com o grupo Zenith, da Escola de Engenharia da USP de São Carlos, para desenvolver a plataforma que voará no balão e, mais tarde, se tudo correr bem, no espaço.
O esforço só decolou com uma boa dose de investimento pessoal. “Quem paga é um assunto sensível”, brinca Fonseca. “A Escola de Engenharia de São Carlos pagou parte, minha empresa pagou parte e os próprios alunos ratearam algumas coisas.”
A plataforma –que já antecipa e testa a tecnologia que mais tarde será empregada no futuro satélite, da classe dos cubesats, assim chamados porque são estruturados a partir de cubos-padrão de 10 cm de lado– é como uma caixa encaixada na gôndola projetada para o balão.
Ao atingir uma altitude próxima a 30 km, quando a maior parte da camada de ozônio já ficou para trás, uma tampa se abre e expõe as bactérias e um conjunto de biomoléculas aos rigores do ambiente externo, onde tomarão um belo banho de radiação ultravioleta.
O balão continuará a subir até a pressão fazer com que estoure. A tampa será fechada para evitar contaminação e a gôndola inicia sua descida, suavizada por paraquedas.
O material será então recuperado e a equipe de Galante poderá avaliar os resultados do experimento, enquanto Fonseca e o grupo Zenith avaliam o desempenho da plataforma tecnológica, com vistas ao futuro satélite.
“Pretendemos lançar três balões no total, com experimentos distintos, e o cubesat será um experimento avançado com relação a esse.”
Isso, é claro, se o grupo conseguir o apoio financeiro e logístico necessário para realizar o futuro lançamento espacial.