Folha de S.Paulo em 24/10/2021
A pandemia do novo coronavírus é processo biológico e social da maior gravidade, trazendo até hoje muita preocupação. Pela sua natureza, gerou muito debate científico, apesar de figuras de relevo terem negado a ciência e negligenciado a busca pela vacina.
É admirável como se desenvolveram imunizantes em tempo recorde, reafirmando que a ciência é de absoluta importância no século do conhecimento. E, tratando do apoio federal ao setor, lembro comparação frequente que fazem mentes do governo: de um lado, Israel e sua escassez de recursos naturais ante “aquilo que é”. De outro, o Brasil, tendo tanto e pouco sendo. Jogo de palavras interessante: se tanto temos, por que não somos tanto?
É preciso lembrar que a ciência requer apoio de verdade para a sociedade contar com a excelência de seus processos e a economia se beneficiar do que surge nos laboratórios. Mas, cortando tanto do setor, não será possível ao nosso país ser muita coisa.
Dada a última redução de suplementação orçamentária, mais de R$ 600 milhões, o CNPq —Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão fundamental que completou 70 anos— tem dificuldade de tocar projetos como a Chamada Universal de pesquisas, o programa Ciência na Escola e verbas para os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Manobras do governo federal junto ao Fundo Nacional do setor também põem em xeque a crença de que dá para fazer ciência no país.
Tive a honra de servir como ministro da Ciência e Tecnologia. Minha equipe e eu, entre outras iniciativas, pudemos “ligar na tomada” o acelerador de partículas Sirius. Seu nome é o da estrela mais brilhante do céu, assim como é brilhante e fundamental para o Brasil este equipamento operando hoje com cinco estações.
Lançamos o SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas), que permite internet banda larga a todo o país e já poderia ser plenamente operacional, considerando que o programa Internet para Todos, hoje Wi-Fi Brasil, teve início há três anos. Outro exemplo: demos suporte para pesquisas no enfrentamento ao zika vírus. E demos sequência à regulamentação do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovações, que potencializa parcerias de universidades com o setor privado.
Essas foram construções coletivas, de militantes da causa da ciência e de agentes públicos de várias gestões. O Sirius, que nasceu após longa “gravidez”, opera hoje por mérito de muitos.