Canaltech, em 13/11/2013
Poucos sabem, mas o Brasil é um dos poucos países do mundo – o único da América Latina – que possuem um acelerador sincrotron para fins científicos. Funcionando desde 1997, nosso acelerador, localizado no Laboratório Nacional de Luz (LNLS) em Campinas – SP, foi o único acelerador desse tipo no hemisfério sul por vários anos.
Um acelerador sincrotron é um acelerador de partículas, muito parecido em sua forma com o do LHC/CERN, na Suíça, onde foi recentemente comprovada a existência do bóson de Higgs. É composto por vários sistemas complexos, incluindo uma grande tubulação mantida em baixíssimas pressões (um vácuo tão bom quanto o que existe no espaço), onde transitam, em uma trajetória circular, partículas carregadas. No LHC as partículas usadas são prótons (ou núcleos de chumbo, para alguns experimentos), enquanto que, na maioria dos aceleradores sincrotron, como o brasileiro, são elétrons. As diferenças não param por aí. Como elétrons têm uma massa muito menor que a dos prótons (cerca de 2000 vezes menor), é mais fácil desviá-los, por isso as curvas dos aceleradores podem ser mais fechadas, e o diâmetro do círculo pode ser menor. O LHC tem 27 quilômetros de circunferência, enquanto o acelerador do LNLS (chamado de UVX) tem cerca de cem metros. Além disso, os objetivos dos aceleradores também são outros. Enquanto no CERN a intenção é gerar choques em partículas de altíssimas energias, no sincrotron o objetivo é o de produzir radiação eletromagnética, a chamada luz sincrotron.
Todas as vezes que os elétrons – viajando próximos à velocidade da luz nas linhas de vácuo do UVX – fazem uma curva, forçados por um potente campo magnético gerado por um eletroímã, eles perdem um pouco de sua energia, emitindo-a como luz. Essa luz emitida pelo acelerador é então direcionada, focalizada e utilizada para vários fins, em especial para estudar como a natureza funciona em uma escala atômica e molecular. Essa luz tem algumas propriedades muito especiais, que a fazem ideal para esse tipo de estudo: sua potência é muito alta, tipicamente milhões a bilhões de vezes mais brilhante que qualquer lâmpada ou outra fonte mais simples; seu espectro de energia é muito amplo, indo do infravermelho (radiação térmica), visível, ultravioleta até os raios-X; além disso, a luz se parece muito com a de um laser em alguns aspectos, com vantagens, como a possibilidade de escolhermos exatamente qual frequência de luz queremos usar.
Laboratório Nacional de Luz Síncrotron – Campinas – SP (Foto: Wikimedia Commons)
Talvez um dos estudos que mais impulsionou o desenvolvimento das técnicas sincrotron foi o de cristalografia de biomoléculas. Se você já viu uma imagem ou um desenho de uma molécula de DNA, a famosa estrutura de fita dupla que guarda e transmite a informação genética em nossas células, deveria saber que essa estrutura só foi descoberta nos anos 50 graças a uma técnica chamada de difração de raios-X, em que a luz nessa faixa de energia (raio-X também é luz, com a simples diferença que seu comprimento de onda é muito menor que o da luz visível – o que é o mesmo que dizer que sua frequência ou sua energia são maiores) atravessa uma amostra de um cristal feito de sua molécula de interesse e é espalhada, como a luz do Sol se espalhando nas nuvens. Esse processo de espalhamento depende da estrutura da molécula nos cristais, e isso permite que façamos a reconstrução tridimensional das moléculas. Nos anos 50 ainda não tínhamos aceleradores sincrotron, por isso o estudo do DNA foi feito com tubos de raio-X, como os de hospitais.
Hoje em dia, nos aceleradores, somos capazes de desvendar a estrutura de moléculas ainda mais complexas e maiores, contribuindo em muito para o desenvolvimento de novos medicamentos e para o entendimento do funcionamento de várias doenças. Além da biologia, a radiação sincrotron é muito usada para entendermos melhor como materiais avançados funcionam, como os supercondutores, fazendo medidas átomo a átomo. Ou ainda para reconstruirmos computacionalmente, por tomografia de raios-X, fósseis dos primeiros animais de nosso planeta. Vale lembrar que o LNLS é um dos laboratórios mais avançados do país, com instalações que foram inclusive usadas como cenários para filmes de ficção, como o Homem do Futuro.
O Brasil está dando o próximo passo no desenvolvimento dessas máquinas, com a construção de seu novo acelerador, o Sirius. O acelerador ganhou o nome da estrela mais brilhante do céu – nosso novo acelerador será um dos mais avançados do mundo, e uma das mais potentes fontes de luz sincrotron do planeta, capaz de fazer estudos científicos que hoje apenas podemos imaginar. Para conseguir esses feitos, o novo acelerador terá que ser ainda maior e mais complexo que o atual. Iremos passar dos 100m para mais de 500m de circunferência, e iremos quase que triplicar a energia dos elétrons, podendo aumentar a potência da luz emitida em quase um milhão de vezes. Além disso, iremos ganhar muito em resolução espacial. O acelerador atual tem um feixe de luz com cerca de 1mm de diâmetro, enquanto, com o Sirius, poderemos chegar a feixes tão pequenos quanto 10nm! Isso é 100.000 vezes menor que o atual, e 100 vezes menor que a célula de uma bactéria.
Ter um feixe de radiação tão pequeno permite estudar em detalhes impressionantes a constituição dos materiais, realmente como um microscópio de uma potência gigantesca, medindo os átomos de que são feitos os materiais à nossa volta, de bactérias patogênicas aos supercondutores que serão usados nos computadores do futuro.
Esse acelerador está sendo construído nesse exato momento em Campinas, a cerca de 100km de São Paulo, dentro do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, um conjunto de 4 grandes laboratórios nacionais que são, em grande parte, abertos a alunos e pesquisadores de todo o país, e mesmo do exterior. O objetivo é que o novo acelerador comece a funcionar em 4 anos – e ele já está promovendo um trabalho intenso dos pesquisadores, engenheiros e técnicos do país, não apenas para fazer uma máquina tão boa ou melhor que qualquer outra existente no mundo, mas também para contribuir com o desenvolvimento da ciência e da indústria brasileira no processo.
Douglas Galante é colunista do Canaltech, pesquisador de Astrobiologia do Instituto de Astronomia da USP, doutor em Astronomia e bacharel no curso interdisciplinar de Ciências Moleculares da USP.