Folha de S.Paulo, em 08/02/2014
Brasileira cria projeto para jovens carentes se aproximarem da ciência e é convidada para falar em evento de inovação na Califórnia
A porta do laboratório se abre e um grupo de crianças corre para ocupar o lugar. Logo começam as observações no microscópio, a captura de fotos e a anotação dos resultados no computador. Depois de ver a estrutura de vários corpos –de sementes de maçã a gosma de lesma–, os pequenos discutem os achados entre si e com a professora.
A cena ocorreu na semana passada na periferia de Campinas (SP). Mas a pesquisadora Ana Carolina Zeri, 42, responsável pelo laboratório, esforça-se para que seja mais comum em todo o país.
Coordenadora do programa de ensino e difusão do LNBio (Laboratório Nacional de Biociências), importante polo de produção científica, em Campinas, Ana foi parar na ciência por acaso. Estudou em escola pública e escolheu física no vestibular porque acreditava que seria mais fácil ser aprovada no curso em uma universidade pública.
Acabou se apaixonando pela área e ganhou bolsas para estudar no exterior.
Para dar a mesma oportunidade a crianças e jovens da periferia, criou um projeto para ensinar biologia, química, física e outras disciplinas de um jeito mais atraente. O objetivo é despertar a criatividade dos jovens de áreas carentes para a ciência.
Ana mantém o projeto paralelamente a seu trabalho de pesquisa em ressonância magnética.
“Tiro algumas horas por semana com o maior prazer. É muito gratificante quando vejo o progresso que essas crianças já fizeram”, diz.
Graças a doações, a pesquisadora conseguiu montar um laboratório com câmeras, computadores e outros materiais na ONG Associação Anhumas Quero-Quero.
Devido ao espaço pequeno, os jovens fazem um rodízio de atividades no laboratório. Enquanto um grupo “caça” potenciais amostras para serem observadas, outros operam o microscópio e há ainda alguns que ficam com a missão de escrever e relatar as descobertas.
A estudante Thais Miguel, 14, participa das atividades desde o início do projeto na ONG e diz que isso a ajudou na escola. “Acho que agora está mais fácil entender as aulas normais'”, diz.
O grupo já tem certa visibilidade no Brasil e no exterior. Parte das doações foi feita pela fundação americana Science House Foundation, que financia programas educativos em várias partes do mundo.
O caráter inclusivo da iniciativa chamou a atenção do Google, e a brasileira foi uma das selecionadas para falar no evento Solve for X, que reúne, nesta semana, na Califórnia, pessoas com projetos inovadores na área de educação e tecnologia para debater inovações e soluções para problemas globais.
Ana quer aumentar o projeto para outros lugares do país e, quem sabe, do mundo, engajando cientistas dispostos a doar algumas horas de seu tempo para mudar a realidade de crianças carentes.
No futuro, a ideia é dar atenção especial às meninas. “É importante que elas tenham um referencial porque a educação vem com o exemplo. Antes, elas achavam que cientistas eram todos homens. Agora, já sabem que também é possível seguir essa carreira”, diz Ana.
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Repercussão: Jornal da Ciência, Total Med