Renenergy Observatory, em 19/07/2016
Imagine um avião sustentável: com biocombustível feito a partir da cana de açúcar, carpete reciclável e menos ruído. Essa é a proposta que a Boeing e a Embraer apresentaram no dia 7 de julho no Rio de Janeiro. As empresas firmaram parceria no programa EcoDemonstrator: um programa estratégico da Boeing para investir em tecnologias que reduzam a emissão de gás carbônico, o uso de combustível e até o barulho dos aviões.
O programa foi criado pela Boeing em 2011 e desde então já testou mais de 50 tecnologias em três modelos diferentes de aeronaves (Next Generation B737-800, B787 Dreamliner e um B757).
Em 2012, quinze novas tecnologias foram testadas num avião da American Airlines (Next Generation B737-800) como, por exemplo, a célula de combustível de hidrogênio regenerativo e o biocombustível misturado.
Em 2014, foi a vez de testar vinte e cinco tecnologias pra deixar os voos mais silenciosos e mais eficientes em termos de utilização do combustível. Nesse sentido foi testado pela primeira vez o “green diesel”: o avião B787 Dreamliner voou com uma mistura de 15% de “green diesel” e 85% de combustível fóssil. O “green diesel” é um tipo de biocombustível obtido a partir de uma mistura de sebo e vários tipos de óleo, inclusive o de cozinha, reciclado.
Em 2015, a Boeing investiu ainda mais na redução das emissões de gás carbônico. Junto com a Nasa, o ecoDemonstrator utilizou pela primeira vez o “green diesel” produzido nos Estados Unidos (uma mistura com 5% de “green diesel” e 95% de combustível de petróleo para jatos). A Boeing afirmou que tem trabalhado para aprovar o uso do “green diesel” na aviação comercial, o que tornaria o biocombustível mais acessível para as companhias aéreas e estimularia ainda mais o seu uso.
Uma das principais inovações do EcoDemonstrator esse ano é o teste de desempenho do biocombustível produzido a partir da cana de açúcar. Estudos feitos pelas equipes da Boeing e da Embraer apontam que o bioquerosene de aviação pode emitir de 50% a 80% menos carbono em seu ciclo de vida do que o querosene de origem fóssil. Essa é a primeira vez que a Embraer participa e promete contribuir bastante com as pesquisas que vem desenvolvendo desde o ano passado na área de biocombustíveis.
A empresa brasileira foi fundada em 1969 e é líder na fabricação de jatos comerciais de até 130 assentos. Por email, a assessoria de imprensa da Embraer esclareceu como vem sendo desenvolvido o trabalho no Centro Conjunto de Pesquisas em Biocombustíveis Sustentáveis para a Aviação:
“O Centro Conjunto de Pesquisas em Biocombustíveis Sustentáveis para a Aviação, aberto ano passado no Parque Tecnológico de São José dos Campos em parceria com a Boeing foi criado com o objetivo de desenvolver e amadurecer conhecimento e tecnologias visando possibilitar o estabelecimento de uma cadeia voltada ao tema no Brasil”
De acordo com a Embraer, os testes com biocombustíveis não são feitos lá, e sim, no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em Campinas (SP). Durante sete meses, os pesquisadores vão avaliar o potencial técnico-econômico das biomassas, as tecnologias de conversão e o processo de produção de biocombustíveis para aviação através de uma ferramenta digital conhecida como “Biorrefinaria Virtual de Cana de Açúcar”:
“Na simulação, dados econômicos, sociais e ambientais foram utilizados para identificar os impactos técnicos e de sustentabilidade das potenciais alternativas hoje já maduras (e disponíveis no Brasil) para produção de biocombustíveis para aviação” – explicou a assessoria de imprensa da Embraer.
Fora do laboratório, o biocombustível produzido a partir da cana de açúcar vai ser testado na aeronave Embraer E170 que faz parte do projeto EcoDemonstrator deste ano. Os ensaios estão programados para acontecer entre agosto e setembro deste ano.
Meta internacional de redução de emissão de CO2
O projeto faz parte da meta firmada pelos países membros da Organização da Aviação Civil Internacional de estabilizar as emissões de gás carbônico até 2020 e reduzi-las em 50% até 2050. Atualmente, as emissões da aviação vêm crescendo de 2 a 3% ao ano.
A meta foi firmada em 2013 e desde então a indústria da aviação têm se esforçado para desenvolver combustíveis alternativos mais sustentáveis. Em dezembro de 2014, a Boeing completou o primeiro voo com o chamado “green diesel” e atualmente existem pelo menos cinco tipos de combustíveis diferentes que liberam menos gás carbônico no ar (querosene sintético com aromáticos; querosene com parafina sintética; ácidos graxos e ésteres hidroprocessados; isoparafinas sintéticas e açúcar fermentado hidroprocessados; álcool para jatinhos com querosene parafínico sintético). Esses métodos foram aprovados internacionalmente, possibilitando a conversão de uma ampla gama de recursos renováveis de biomassa em combustível sustentável para a aviação.
De acordo com a ICAO, mais de 2.200 voos comerciais estão operando desde 2011 com combustíveis alternativos e existem dois aeroportos que abastecem os aviões com esses tipos de combustível: um em Oslo e outro em Los Angeles.
A expectativa do setor é que no fim deste ano, mais de 5.500 voos já estejam utilizando combustível alternativo e o ecoDemonstrator pode ajudar o setor a atingir essa meta à medida que os testes avançarem e confirmarem a eficiência do combustível que vem da cana de açúcar.
Desafios do biocombustível
De acordo com a equipe da Embraer, a adoção de combustíveis sustentáveis na aviação requer um trabalho conjunto com vários setores:
“Para se ter ideia, levando em conta apenas a questão tecnológica, os biocombustíveis precisam ser “drop in”, ou seja, que possam ser transportados e misturados ao produto fóssil na estrutura existente, dutos, tanques e bombas sem nenhum problema de compatibilidade, nem modificação na engenharia das aeronaves já em operação. Podemos citar outros, como o investimento em pesquisa para matérias-primas não tradicionais em bioenergia, organizar um plano estratégico para produção e distribuição dos biocombustíveis, estabelecer políticas regulatórias alinhadas às exigências e certificações de sustentabilidade internacionais”.
Todas essas mudanças na cadeia da indústria de aviação podem levar um tempo pra acontecer, mas o primeiro passo já foi dado. O biocombustível feito a partir da cana de açúcar saiu do laboratório e vai ser testado no ecoDemonstrator este ano. A aeronave da Embraer vai utilizar uma mistura com 10% de bioquerosene e 90% de querosone de origem fóssil (é a máxima mistura autorizada pelos padrões internacionais). 10% de combustível limpo pode até parecer pouco, mas se cada avião no futuro operar assim, a indústria da aviação pode ser mais uma a atuar de forma decisiva no combate ao aquecimento global. A equipe da Embraer está confiante:
“É importante ressaltar que a indústria está engajada no sentido de contribuir para o desenvolvimento de um combustível aeronáutico sustentável nos próximos 20 a 40 anos, por isso, já realiza melhorias na eficiência de seus produtos, principalmente quando o foco é a redução de emissões. E estamos confiantes que o biocombustível será uma solução para a indústria aeronáutica no longo prazo”.