Artigo publicado por pesquisadores do CNPEM utilizou linha de luz Cateretê para analisar processo de formação de corona em nanopartículas de sílica
Um artigo publicado por pesquisadores do CNPEM foi capa da revista científica Nano Letters e explora como a técnica de espectroscopia de correlação de fótons de raios X (XPCS) pode distinguir a formação de corona de proteínas da agregação de nanopartículas em meios biológicos complexos.
O trabalho inovador, realizado no Sirius, amplia a capacidade de análise em nanomedicina e destaca o potencial do XPCS para caracterizar interações de nanopartículas em ambientes biológicos em tempo real, fornecendo um recurso valioso para a pesquisa em nanobiotecnologia e o desenvolvimento de novos materiais biomédicos.
As aplicações inovadoras das nanopartículas na biomedicina
Nanopartículas são estruturas minúsculas, com dimensões geralmente entre 1 e 100 nanômetros. Devido ao seu tamanho, elas podem interagir com células, proteínas e moléculas de forma altamente precisa, o que permite a entrega direcionada de medicamentos e agentes terapêuticos. Isso possibilita, por exemplo, que tratamentos de câncer sejam mais eficazes, ao liberar medicamentos diretamente nas células tumorais, minimizando efeitos colaterais em tecidos saudáveis.
Além disso, as nanopartículas podem ser projetadas para responder a estímulos específicos, como pH, temperatura ou sinais biológicos, permitindo uma liberação controlada de medicamentos apenas quando necessário.
Na área de diagnóstico, as nanopartículas oferecem novas maneiras de detectar doenças precocemente. Elas podem ser unidas a biomarcadores específicos que se ligam a alvos moleculares, facilitando a identificação de células cancerígenas ou a presença de vírus e bactérias, por exemplo.
A interação entre nanopartículas e proteínas em sistemas biológicos
Essas aplicações, no entanto, estão condicionadas a um comportamento previsível dessas nanopartículas em sistemas biológicos complexos. Em alguns casos, ao entrar em contato com fluidos biológicos, como sangue, um revestimento de proteínas pode ser formado em torno de nanopartículas, um fenômeno conhecido na biomedicina pelo termo em inglês “protein corona“.
Isso acontece porque as nanopartículas atraem proteínas presentes no ambiente biológico, formando uma “corona” ou “coroa” ao redor de sua superfície. A formação dessa corona de proteínas influencia fortemente como as nanopartículas interagem com células e tecidos do organismo, o que pode afetar sua eficácia e segurança em aplicações médicas, como em terapias com drogas, diagnósticos e desenvolvimento de vacinas.
Por estes motivos estudar a formação e as características da protein corona é crucial para o desenvolvimento de nanopartículas que sejam seguras e eficazes para uso biomédico.
Limitações das técnicas ópticas para analisar estas amostras
As técnicas ópticas, como a espectroscopia de correlação de fluorescência (FCS) e o espalhamento de luz dinâmico (DLS), enfrentam limitações consideráveis ao analisar nanopartículas em ambientes biológicos complexos. Uma das principais restrições é a necessidade de amostras diluídas e transparentes, o que dificulta a análise de nanopartículas em meios altamente concentrados, como sangue ou fluidos corporais. Em meios complexos, as partículas e biomoléculas podem interferir na propagação da luz, causando espalhamento e absorção excessiva, o que prejudica a precisão das medidas de tamanho e concentração de nanopartículas.
Além disso, as técnicas ópticas dependem de propriedades específicas das nanopartículas o que limita sua aplicação a partículas que apresentem essas características específicas. Por exemplo, no caso do FCS, é necessário que as nanopartículas apresentem fluorescência para serem detectadas, restringindo o uso da técnica a materiais fluorescentes. Essa é uma das limitações que tornam as técnicas ópticas menos adequadas para caracterizar nanopartículas em condições realistas e em tempo real, como em amostras de fluidos biológicos não processadas.
XPCS: uma poderosa técnica para análise de nanopartículas em meios complexos
A técnica de espectroscopia de correlação de fótons de raios X (XPCS) surge como uma boa alternativa ao oferecer vantagens significativas para a análise de nanopartículas em ambientes biológicos complexos, superando muitas das limitações das técnicas ópticas. Uma de suas principais vantagens é a capacidade de analisar amostras altamente concentradas e complexas, como sangue e outros fluidos corporais, sem necessidade de diluição ou transparência.
O uso de raios X coerentes permite a análise direta das partículas em suas condições nativas, minimizando interferências que surgem com métodos baseados em luz visível. Recentemente, essa capacidade foi explorada em um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde pesquisadoras utilizaram o XPCS na linha de luz Cateretê para investigar os mecanismos biofísicos do processo de agregação de proteínas príon, cujos resultados foram publicados na revista Science Advances.
Além disso, o XPCS não exige que as nanopartículas tenham características fluorescentes ou propriedades ópticas específicas, o que amplia seu escopo de aplicação a uma variedade de materiais e tamanhos de nanopartículas. A técnica possibilita a observação de dinâmicas de partículas, como movimento browniano, formação de agregados e mudanças estruturais, em tempo real e com alta precisão. Isso é particularmente útil para distinguir fenômenos críticos, como a formação de corona de proteínas em torno das nanopartículas e a agregação em meios complexos, oferecendo insights valiosos para o desenvolvimento de nanomateriais biomédicos.
As capacidades do XPCS no Sirius
No estudo publicado na revista Nano Letters, os pesquisadores utilizaram a linha de luz Cateretê para realizar medidas de XPCS com nanopartículas de sílica (SiO₂) expostas a diferentes ambientes biológicos, desde soluções simples até meios complexos contendo proteínas como albumina de soro bovino (BSA) e soro fetal bovino (FBS).
Essa técnica permitiu observar como as nanopartículas se comportavam em cada ambiente, incluindo o monitoramento de movimentos brownianos, formação de agregados e alterações estruturais. As medidas foram realizadas em amostras com diferentes tamanhos de nanopartículas, funcionalizadas e não funcionalizadas com polietilenoglicol (PEG), analisando como o tamanho e a funcionalização influenciam suas interações no ambiente biológico.
Nanopartículas não funcionalizadas são aquelas que não possuem nenhuma modificação ou revestimento adicional em sua superfície. Elas estão em sua forma “pura”, sem a adição de grupos químicos, moléculas ou polímeros específicos que possam alterar suas propriedades ou aumentar sua compatibilidade em determinados ambientes.
A funcionalização de nanopartículas, por outro lado, envolve a adição de grupos moleculares, como o polietilenoglicol (PEG), para conferir maior estabilidade, biocompatibilidade ou para direcioná-las a um alvo específico dentro de sistemas biológicos. Nanopartículas não funcionalizadas geralmente interagem mais diretamente com seu ambiente, o que pode levar a fenômenos como a formação de corona de proteínas ou agregação, especialmente em meios biológicos complexos.
Os resultados das medidas realizadas no Sirius mostraram que as nanopartículas não funcionalizadas tendem a formar uma corona de proteínas ao interagir com o meio contendo BSA e, em ambientes mais complexos como FBS, acabam agregando (diagrama [f] da figura anterior). Em contraste, as nanopartículas funcionalizadas com PEG mantiveram sua estabilidade, sem formar corona de proteínas ou agregados, devido à camada de hidratação ao redor das partículas, que impede a adesão de proteínas (diagrama [g] da figura anterior).
“Essa distinção entre corona de proteínas e agregação, viabilizada pelo uso do XPCS, é um avanço significativo para a caracterização das nanopartículas em condições biológicas realistas, reforçando o potencial dessa técnica para melhorar a compreensão de interações fundamentais da nanomedicina.”, comenta Mateus Cardoso, chefe da Divisão de Matéria Mole e Biológica e um dos autores do artigo.
A pesquisa realizada no Sirius abre caminhos para uma compreensão mais profunda das interações entre nanopartículas e biomoléculas em ambientes complexos, demonstrando o potencial do XPCS para se tornar uma poderosa ferramenta de análise neste campo e promovendo o desenvolvimento de nanomateriais avançados, com maior eficácia, para uso em terapias médicas.
Saiba mais sobre a linha de luz Cateretê
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) abriga um ambiente científico de fronteira, multiusuário e multidisciplinar, com ações em diferentes frentes do Sistema Nacional de CT&I. Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CNPEM é impulsionado por pesquisas que impactam as áreas de saúde, energia, materiais renováveis e sustentabilidade. Responsável pelo Sirius, maior equipamento científico já construído no País. O CNPEM hoje desenvolve o projeto Orion, complexo laboratorial para pesquisas avançadas em patógenos. Equipes altamente especializadas em ciência e engenharia, infraestruturas sofisticadas abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores com o setor produtivo e formação de pesquisadores e estudantes compõem os pilares da atuação deste centro único no País, capaz de atuar como ponte entre conhecimento e inovação. O CNPEM é responsável pela operação dos Laboratórios Nacionais de Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Nanotecnologia (LNNano) e Biorrenováveis (LNBR), e também pela Ilum Escola de Ciência, curso de bacharelado em Ciência e Tecnologia, com apoio do Ministério da Educação (MEC).