Valor Econômico, em 27/01/2012
A mais importante universidade do país procura estabelecer rumos que a levem ao pleno reconhecimento internacional.
Do antigo edifício de oito andares só restou o esqueleto. Ladeada por duas estruturas mais baixas, em formato de L, com três andares cada uma, a fachada da torre central terá preservado o estilo original, da década de 1950. Já a parte interna, completamente demolida, receberá acabamento mais moderno. Assim que a revitalização for concluída, daqui a alguns meses, reitor, vice-reitores, pró-reitores e conselho universitário voltarão a ocupar o prédio que há muitos anos deixou de ser a sede da administração.
“Uma universidade do porte da USP, nos cenários nacional e internacional, tem por obrigação, como fazem suas congêneres, bem receber os que a procuram, devendo o edifício dos órgãos centrais possibilitar acolhimento à altura da universidade.” Assim foi resumido o objetivo da obra, em edição de dezembro do boletim “Destaques”, publicação semanal da reitoria.
As obras de melhoria no campus principal, dos sete que constituem a maior e mais importante universidade da América Latina, não se limitam ao edifício da antiga reitoria, defronte à praça do Relógio, marco mais visível na gigantesca Cidade Universitária. Há mais obras em andamento. Mas a principal reforma, prevista e necessária, poderá, se bem-sucedida, dar nova vida à USP. Não apenas ao que é visível, como a polêmica falta de segurança, motivo pelo qual a instituição é tão citada no noticiário policial quanto as teses de seus pesquisadores nas revistas científicas.
A sustentação dos alicerces da única universidade brasileira que aparece com algum destaque nos rankings de avaliação internacionais volta-se, agora, para a necessidade de a riqueza do conhecimento ali gerado seguir os passos do crescimento econômico do país, inserindo-a no ambiente globalizado, transformando-a, enfim, numa universidade de classe mundial. Em outras nações emergentes, como a China, há grandes saltos nessa direção.
Com base em dados enviados pelas faculdades que compõem a instituição, os dirigentes da Universidade de São Paulo reuniram-se no dia 24 de novembro para esboçar o chamado Plano de Desenvolvimento Institucional – 2012-2017, uma orientação de estratégias para que a USP, segundo publicação interna, “contribua para o avanço da ciência, da tecnologia e da cultura para a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento socioeconômico e sustentável do país”.
O texto preliminar fixa metas de expansão do investimento, aumento no número de vagas na graduação e de bolsas para pós-graduados, aqui e no exterior, e a abertura das portas para pesquisadores estrangeiros. Para ser aprovado, o plano depende, agora, da anuência do conselho universitário.
A maior universidade pública do país já está em rota de ascensão, segundo o reitor João Grandino Rodas. Ele aponta iniciativas como a criação de um campus em Santos, que permitirá expandir competência na área de tecnologia num momento em que o país estabelece importantes metas para o pré-sal
Internamente, porém, nem todos acreditam que a instituição está pronta para voos mais altos. Para alguns, apesar de ter completado 78 anos na quarta-feira, a universidade parece ainda imatura, porque mal consegue resolver as próprias questões internas.
Não é de hoje que se ouvem críticas ao formato de gestão, incluindo o processo de eleição da reitoria. Além disso, a instituição parece, às vezes, acuada, fechada em si mesma, por um lado, e, por outro, fragmentada, como se cada uma de suas 42 unidades de ensino e pesquisa fosse desconectada da universidade.
Classe mundial
O reconhecimento da USP nos rankings mundiais aparece com frequência nos meios acadêmicos. A Universidade de São Paulo passou para o grupo das 200 maiores na última classificação da publicação britânica “Times Higher Education”, uma das mais respeitadas. Ocupa o 178º lugar nessa lista, que coloca as americanas no topo.
A maioria dos professores, pesquisadores e até dirigentes da instituição reconhecem a necessidade de a maior universidade brasileira avançar na conquista de posições melhores. Caso contrário, corre o risco de ficar fora da cooperação científica internacional, que avança à medida que o conhecimento se torna cada vez mais globalizado.
Para o ex-ministro da Educação e professor licenciado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Fernando Haddad, para se internacionalizar, a USP precisa antes se nacionalizar. “Entendo que a USP é uma potência acadêmica regional e já figura nos rankings internacionais dentre as melhores. Mas penso que poderia se abrir mais para estudantes de todo o Brasil, da América Latina. A USP tem que se nacionalizar para se internacionalizar mais. Há caminhos para isso. Teriam que ser estudadas maneiras de fazer isso; pode ser que tenha que mexer até no processo seletivo, que, vamos dizer assim, ainda é muito fechado”, completa Haddad.
A presença cada vez maior de autores chineses nas publicações científicas chama a atenção de Fernando Galembeck, que já foi da USP e hoje leciona na Unicamp, em Campinas, além de dirigir o laboratório de nanotecnologia do Centro de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM).
Entre as metas traçadas no plano preliminar da USP para os próximos cinco anos está a ampliação de 30% no número de alunos que fazem intercâmbio anualmente na graduação, pós-graduação e pós-doutorado. A universidade começa também a oferecer cursos ministrados em línguas estrangeiras, segundo o vice-reitor, Hélio Nogueira da Cruz, responsável pela organização do plano e pela comissão de avaliação da USP.
Para Nogueira da Cruz, a USP está numa posição melhor que o 178ºlugar definido na classificação da “Times Higher Education”. Ele questiona os critérios da publicação, que deixaram de fora, por exemplo, a Universidade do Chile – “formadora de quase todos os presidentes da República do país”. E acha estranho o Brasil, com um PIB dos maiores do mundo, ” estar atrás de economias muito menores e ainda aparecer na lista com uma única universidade”. Na verdade, a seu ver, isso não importa: “A USP se vê com o papel de destaque com que sempre se viu”.
Para o pró-reitor da área de pesquisa, Marco Antonio Zago, “a USP só perdeu o pensamento que estava aqui com as prisões de professores durante o regime
Há quem diga, porém, que a USP perdeu, mesmo depois das intervenções militares, deixando de ser a mesma referência do passado. Para um dos pesquisadores, a despeito das altas notas que várias unidades recebem na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que avalia os cursos de pós-graduação, a USP “perdeu a força institucional, num declínio relativo se comparado a outras universidades brasileiras que começaram a se destacar”.
Risco da inovação
Existe na USP uma corrente de acadêmicos que se queixam da falta de interesse das empresas em contratar profissionais com alto conhecimento científico. “O Brasil tem poucas empresas como Embraer, Embrapa e Petrobras, empenhadas em investir pesado no risco que o esforço de inovação requer. A iniciativa privada teria que colocar cientistas em seus quadros, como fazem os EUA e também a China e a Índia”, destaca o imunologista Jorge Kalil, professor titular da Medicina da USP, diretor do Instituto Butantan, e um entusiasta da criação de estímulos à inovação. Com mestrado e doutorado em biologia humana pela Universidade de Paris, Kalil tem mais de 350 artigos indexados internacionalmente.
Galembeck, da Unicamp, sente falta de diretrizes claras de programas de desenvolvimento tecnológico no país. “Muitos estudantes fazem pesquisa e dedicam esforços a um avanço que dificilmente terá alguma expressão econômica ou será desfrutado pela sociedade. Acabam não fazendo parte de nenhum círculo de descoberta ou de geração de riqueza. Ficamos todos como num jardim zoológico: achamos interessante e ponto.”
“A cooperação científica está cada vez mais internacionalizada,” diz o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Glauco Arbix. Professor da Sociologia da USP, Arbix acumulou estudos de pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e na Universidade Columbia, nos EUA. Quando assumiu a Finep, ele estranhou ter de passar boa parte do tempo peregrinando em busca de empresas interessadas nos recursos de financiamento da agência de fomento para investimentos em inovação.
Voo solo
A direção da Faculdade de Medicina faz os próprios planos para o futuro. Elegeu 2012, ano de seu centenário, para “dar um salto qualitativo”, como diz o titular de anestesiologia do departamento de cirurgia do Hospital das Clínicas e vice-diretor da Faculdade de Medicina da USP, José Otávio Auler. Entre as principais ideias está a criação de um fundo de apoio a jovens talentos com recursos doados pela iniciativa privada. A verba seria usada para incentivar a pesquisa no Brasil e no exterior. “Queremos colocar mais alunos no exterior e atrair os que estão em outros países”, diz Auler, que dirige o departamento de cirurgia. “Muitos cérebros brasileiros que deixaram o país para cursar doutorado e pós-doutorado acabam ficando no exterior porque não temos estrutura para acomodá-los aqui.” Segundo ele, a faculdade já está em busca de parcerias. Trata-se, como diz, de seguir modelos fartamente usados nas universidades americanas.
Não há, no entanto, consenso na universidade em torno de um modelo para recebimento de recursos da iniciativa privada. O governo paulista destina às suas três universidades públicas 9,57% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), líquidos. A USP recebe o equivalente a 5,0295%, o que lhe garante um orçamento de R$ 3,5 bilhões. Segundo Zago, cerca de R$ 1,6 bilhão do orçamento anual vão para a pesquisa.
“Somos um órgão público, sujeito à legislação pública. Por isso, às vezes é mais conveniente que uma empresa faça doações para um fundo de apoio, como já acontece na Escola Politécnica”, afirma o vice-reitor Nogueira da Cruz. Ele aponta como exemplo a biblioteca Guita e José Mindlin, que abrigará o acervo que pertenceu ao empresário. A ideia de criar fundos com doações de ex-alunos também entra com frequência nas discussões internas.
Em geral, contudo, não se ouvem queixas relativas à falta de dinheiro para atividades de pesquisa. Principalmente as escolas mais voltadas à pesquisa técnica e científica costumam conseguir recursos para o desenvolvimento de projetos nas agências de fomento, como a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp), ligada ao Estado, ou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Fragmentação
A origem de algumas faculdades pode ser um dos motivos que as faz parecer desconectadas da universidade. Medicina, Politécnica, Direito e Veterinária são mais antigas que a própria USP. Assim como a Faculdade de Direito, que permaneceu no antigo convento do Largo de São Francisco, onde foi fundada, a Medicina também está fora do campus. Funciona no imponente conjunto arquitetônico da avenida Dr. Arnaldo, inaugurado em 1931. Essa fragmentação não se revela, porém, apenas nas unidades instaladas fora do campus. Fundada em 1893, a Escola Politécnica ocupa o maior espaço dentro da Cidade Universitária, com 9 prédios e 17 cursos de graduação.
A Poli nasceu na antiga chácara do Solar do Marquês, no bairro do Bom Retiro. Já no discurso de inauguração, o então presidente de São Paulo, Bernardino de Campos, enfatizou a relação da nova escola com o futuro do país. O fundador, Antonio Francisco de Paula Souza, aproveitou para jogar farpas ao Império: “Uma instituição tão necessária para o desenvolvimento do país não podia medrar naquele regime de ficções e de enfezada centralização.”
Foi concepção de um de seus professores, Francisco de Paula Ramos de Azevedo, o projeto do prédio que a instituição ocupou, mais tarde, próximo à Estação da Luz. São Paulo havia se destacado pela tradição dos cursos jurídicos, voltados à formação dos administradores públicos. Mas os politécnicos associavam o desenvolvimento do país ao crescimento industrial. Inspirado em modelo europeu, o método de ensino da Poli buscou unir teoria à prática, com a instalação imediata de oficinas de carpintaria, serralheria e laboratório de resistência dos materiais.
Sem vizinhos
A existência de muitas “USPs” dentro da mesma universidade é também apontada como consequência do modelo de construção do seu campus principal. A sensação de vazio que a Cidade Universitária transmite a qualquer hora remete a duas impressões: ou haveria muitos alunos, excessivamente dedicados aos estudos e permanentemente dentro das salas de aula, ou, ao contrário, estariam todos de férias o ano inteiro.
Para a urbanista Raquel Rolnik, a Cidade Universitária foi estruturada para a locomoção em carro. “Trata-se de um espaço antitransporte coletivo e antipedestre, com prédios isolados, onde os ocupantes parecem não ter vizinhança.” Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, ela chegou a sugerir um plano diretor participativo dentro da USP, que interligasse as unidades harmoniosamente.
Raquel também defende o processo de eleição direta, e reage com pessimismo quando questionada sobre o papel da universidade. “Qual será o futuro da USP? Olha, eu, que sou soldado raso, não sei como está esse debate. Gostaria de ter uma universidade que tratasse de questões sobre o território em que ela se encontra, ou seja, São Paulo Capital, São Paulo Estado, Brasil e América do Sul.”
Critica-se a fragmentação, mas elogiam-se as condições de trabalho que a USP proporciona a professores e pesquisadores. Ninguém nega que o simples nome USP abre portas. “Eu não teria conseguido acesso a documentos importantes e material de qualidade se não fosse para uma tese da USP”, afirma Iná Rosa da Silva, arquiteta que acaba de concluir, com financiamento da Fapesp, uma tese de pós-doutorado sobre o município de Franco da Rocha.
“Em nenhum outro lugar tive as condições de trabalho, de pesquisa, que tenho na USP”, resume o professor Luiz Roncari, titular de literatura brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Para ele, o maior problema da instituição talvez seja o “gigantismo”. Roncari também lamenta que a USP não se relacione mais com a América Latina. “Temos os olhos muito voltados para outros continentes porque somos resultado de uma criação europeia, de professores franceses que vieram na década de 1930.”
O engenheiro Mauro Zilbovicius fala a favor dos alunos da graduação. Com mestrado e doutorado em engenharia de produção na USP, onde também leciona, Zilbovicius alerta para a cautela que a universidade precisa ter para não se concentrar excessivamente nas áreas de pesquisa. “A graduação contribui com uma quantidade enorme de talentos. São os profissionais de que o mercado de trabalho precisa.”
Eleição
O formato do processo eleitoral aparece como uma das causas da falta de sintonia interna na universidade. O professor Renato Janine Ribeiro, titular de ética e filosofia política engrossa a forte corrente que defende eleição direta, seguindo modelo das universidades federais brasileiras. O sistema vigente na USP, a seu ver, fragiliza a representatividade. Para ele, o formato de escolha da reitoria “favorece quem está no poder, burocratiza, limita as discussões aos temas definidos pelo reitor e transforma USP numa instituição fechada. O mundo mudou, mas a discussão no conselho universitário ainda é burocrática”. Ele fala com o conhecimento de quem já fez parte desse conselho, apresentado pela universidade como instância máxima de decisão. O professor desistiu de candidatar-se à reeleição por entender que “uma das melhores universidades do mundo carece de apoio interno”.
Motivo de greves na instituição, o processo de escolha do reitor quase não mudou nos últimos 78 anos. Foi sempre indireto e submetido à decisão final do governador. Hoje, a eleição ocorre a cada quatro anos, em dois turnos. Representantes das três classes (professores, funcionários e alunos) elegem três nomes, apresentados, então, ao governador. Muitos professores confessam não ter interesse sequer em participar da escolha de quem os representará na eleição. Poucos argumentam que o controle do governo estadual faz sentido num instituição sustentada com dinheiro do contribuinte.
Na última eleição, em 2009, o jurista João Grandino Rodas ficou em segundo lugar em número de votos, mas foi o escolhido pelo governador José Serra. As correntes de oposição apontam interesses políticos, embora a nomeação tenha sido publicada em 13 de novembro, 13 dias depois de Serra ter perdido a eleição para Dilma Rousseff.
A interferência do Poder Executivo acaba, de qualquer maneira, se transformando em motivo principal para manifestações das diversas correntes, dentro da USP, que fazem oposição a Rodas e ao PSDB, partido que governa São Paulo. Entre os professores, uma das principais organizações de oposição à reitoria vem da Associação dos Docentes da USP (Adusp). Entre os estudantes, publicações como a “USP livre! Fora Rodas!” são canais de protesto constante.
Para o vice-reitor Nogueira da Cruz, é possível que o formato de eleição da reitoria seja modificado, “talvez daqui a uns dois ou três anos”. Em sua opinião, “é preciso analisar as várias linhas de propostas, que vão do voto direto de todos à participação dos que estão mais envolvidos com a universidade”.
A USP não é aqui
A movimentação diária no longo túnel que liga a saída da estação Clínicas do metrô ao complexo hospitalar que leva o mesmo nome dá a dimensão do vínculo da comunidade com esse centro de tratamento. Uma multidão percorre o trajeto como pode – alguns, a passos lentos; outros, apoiados em muletas ou em cadeira de rodas.
Apesar de respeitado, o Hospital das Clínicas parece, aos olhos de quem passa por ali e mesmo entre funcionários, uma entidade à parte. “Aqui não é da USP, não; é das Clínicas”, disse, certa manhã o atendente da farmácia popular, na saída do metrô. Numa guarita sobre a qual está a placa em que se lê “Instituto Central do Hospital das Clínicas da FMUSP”, a funcionária confirma: “Aqui é tudo do HC”. Mas o recepcionista da radiologia, finalmente, demonstra conhecer o vínculo: “Tudo que é prédio aqui é da USP”.
Colado à faculdade de medicina, no bairro Cerqueira César, o enorme conjunto de edifícios conhecido como HC é conduzido pela FMUSP há 68 anos. Inaugurado em 1944, o complexo atrai gente de longe. É para lá que Elaine Duarte da Silva viajou na véspera do Ano Novo com o filho.
No banco de cimento, na entrada do prédio da ortopedia, Mateus Gabriel dormia no colo da mãe. Os dois haviam saído de casa por volta de 2 horas. Passava das 11 quando ela fez as contas: restavam mais umas 7 horas de espera. Mateus, que nasceu com o pé esquerdo torto, já havia sido bem atendido, como das outras vezes. Mas, como de rotina, faltava aguardar as consultas de todos os demais pacientes de Capivari, interior de São Paulo, que, como eles, viajam até a Capital na ambulância da cidade. Aos 24 anos, Elaine deixou o emprego para cuidar do filho no distante HC porque o tratamento na sua cidade não surtiu efeito. Mateus nasceu há três anos. Passou dois à espera de vaga no Hospital das Clínicas. Sua mãe lamenta apenas não morar mais perto.
Vice-diretor da Faculdade de Medicina da USP, José Otávio Auler toma fôlego para informar os números. Com 18 mil funcionários, o HC atende, em um ano, 250 mil emergências, faz 1,5 milhão de atendimentos ambulatoriais, 40 mil cirurgias, 8,6 milhões de exames laboratoriais, 1,6 milhão de diagnósticos por imagem e 600 transplantes. Foi realizado ali o primeiro transplante de rim da América Latina, em 1965, e ali também nasceu, em 1991, o primeiro bebê de proveta num hospital público.
USP ou Poli?
“Você quer saber o que eu acho da USP ou da Poli?”, pergunta Rodrigo França Gastim. No terceiro ano de graduação em engenharia de produção, ele tem ideias diferentes sobre as duas instituições. Diz que na Poli “nenhuma greve pega”, ao contrário do que “acontece na FFLCH” – a “Fefeleche”. Rodrigo prestou vestibular na Unicamp, FGV e USP. Passou nas três. A ambição profissional o levou a estudar arduamente para conseguir uma transferência da engenharia civil, onde conseguiu inicialmente uma vaga, para o curso de produção. “Quero ser o presidente de uma grande empresa”, diz. O MIT é sua referência de universidade internacional. “É o modelo que a Poli quer seguir”, observa o professor Mauro Zilbovicius.
Na mesma classe de Rodrigo, Letícia Cestari desistiu de estudar na conceituada Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, onde morava com a família, porque tinha a ideia fixa de entrar na USP. Em setembro, ela viajará para Paris, onde vai cursar outros dois anos de engenharia, para em seguida concluir mais seis meses na USP. Trata-se do chamado curso “sanduiche”, opção que a direção da USP pretende estimular, por considerar que é um dos caminhos para a internacionalização.
Ambos com 20 anos de idade, Letícia e Rodrigo fazem parte do seleto grupo de estudantes da USP que conseguem vaga na instituição graças a uma boa formação de ensino básico, horas de muito estudo e dedicação, e fôlego financeiro para estudar em período integral. Os dois são a favor da presença da Polícia Militar no campus. O convênio para a PM cuidar da segurança na Cidade Universitária foi o estopim de recente manifestação de alunos, que culminou com a ocupação da reitoria.
O episódio trouxe novamente à tona discussões como elitismo e preconceito. É comum ouvir na universidade conversas em que se fala de preconceitos contra alunos que escolhem os cursos menos disputados.
Dos 89 mil alunos matriculados até o ano passado, 24% saíram da escola pública. No texto do Plano de Desenvolvimento Institucional, está previsto um aumento de 5% nessa participação, até 2017. Para o mesmo período, haveria um aumento de 10% no número de bolsas-auxílio e vagas em moradia e creches. Os números são compatíveis com a projeção de ampliação de vagas, também calculada em 10%.
Em 2010, a USP destinou 3,1% para investimentos. Pretende-se chegar a 5% em 2017. “Fazemos projeções modestas, contando apenas com o aumento da arrecadação tributária, que deve vir com o crescimento econômico do Estado”, diz Nogueira da Cruz, também titular da Faculdade de Economia (FEA).
A despeito da falta de sintonia interna, ninguém duvida que a maior universidade do país continuará a formar profissionais de primeira linha, graças à qualidade da pesquisa e do ensino. Entre os mais de 10 mil jovens que passaram no exame da Fuvest e que vão se matricular na USP nas próximas semanas, muitos provavelmente se destacarão, em alguns anos, em suas carreiras profissionais. Resta, no entanto, saber de que forma esse gigante enfrentará o desafio de tornar-se mais competitivo na produção de conhecimento mundial.
A poeira que se vê no canteiro de obras no prédio da antiga reitoria confirma que falta pouco para o comando da instituição mudar de casa. Está escrito no cartaz afixado no tapume que a reforma, iniciada em 22 de agosto, levará 390 dias. Nem sempre, no entanto, consegue-se no planejamento estratégico de uma instituição como a USP a precisão de prazos que se estabelece em obras civis. De todo modo, ações nesse sentido são urgentes. Como diz o professor Jorge Kalil, se não acompanhar os modelos desenvolvidos por países como EUA, China e Índia, o conhecimento científico no Brasil corre o risco de virar pó”.