Canal Bioenergia, em 27/03/2015
Em todo o País, a mecanização da colheita da cana-de-açúcar, antes realizada manualmente e via queima, agora já é realidade. O intenso tráfego de máquinas sobre o canavial e a compactação seguem como desafio para muitos produtores rurais. Antenado às demandas do setor sucroenergético, o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) está desenvolvendo um projeto pioneiro de mecanização do manejo de cana com baixo impacto. O custo global para o estudo e aprimoramento da tecnologia, mais conhecida como Estrutura de Tráfego Controlado (ETC) e destinada ao plantio, fertilização e colheita, está orçado em R$ 16 milhões, liberados pelo Fundo Tecnológico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES Funtec) para serem investidos até 2015. Três protótipos com diferentes configurações já foram construídos, e, no momento, o projeto está em fase de testes e aprimoramentos em campo. A expectativa é que o produto final, que será produzido, comercializado e custeado pela fabricante de máquinas agrícolas Jacto, chegue ao mercado entre 2018 e 2019. Antes disso, é possível que a empresa lance produtos menores, sem todos os recursos.
Tudo começou cerca de cinco anos atrás, quando pesquisas coordenadas pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) apontavam os principais gargalos do setor para a produção de etanol, em especial o de segunda geração. Na época, já se vislumbrava o aumento significativo na produção de cana para os anos seguintes, com a constatação do que hoje é fato: a crescente mecanização do processo, dados o salto de produção e a falta de mão de obra suficiente para o método manual, sem falar na introdução das legislações restritivas à colheita de cana queimada e do zoneamento agroecológico. A ideia, então, passou a ser reduzir e controlar o tráfego de máquinas agrícolas para eliminar a necessidade das operações de preparo da terra e, com isso, viabilizar o plantio direto, técnica mais vantajosa em termos de redução de custos de mecanização, conservação do solo e ganhos progressivos de produtividade.
O coordenador da Divisão de Produção de Biomassa do CTBE e do projeto Mecanização de Baixo Impacto (MBI), Oscar Braunbeck, explica que o funcionamento da ETC trabalha com um novo conceito de maquinário que permite a produção de máquinas grandes, com bitolas largas e redução drástica de porcentagem de solo compactado pelos equipamentos. Para se ter uma ideia, colhedoras convencionais de cana, com bitolas de 1,5 metro, pisoteiam cerca de 60% da superfície do solo, restando apenas 40% em boas condições para colheita. “O projeto ETC tem bitola maior, que pode variar de seis a nove metros, e reduz a área pisoteada para 13%, deixando quase 90% para o desenvolvimento exclusivo da planta. Concentrar o tráfego das rodas dos equipamentos em linhas estreitas é algo bom para planta e solo, porque mantém estrutura e nutrientes em melhores condições, mas para a máquina também. Ao passar sempre por trilhas de solo bem compactado, adensado, melhora a eficiência dos pneus e esteiras, reduzindo o consumo de combustível e o desgaste dos equipamentos”, esclarece o professor.
Redução das perdas
Outro destaque fica por conta da redução das perdas de cana colhida: de 10% para 5%, em média. Segundo Braunbeck, diferentemente do processo convencional, a ETC corta a cana na sua base e só depois puxa e alimenta o maquinário com a planta, prática que evita também danos às soqueiras. “É que além do pisoteio, as máquinas arrancam as soqueiras ao puxá-las de canaviais muito tombados e emaranhados. As soqueiras cheias de terra se tornam um contaminante do material que segue para a indústria, criando falhas no solo de onde foi arrancada, prejudicando a produtividade da próxima safra”, pontua.
Ainda conforme o coordenador, um aspecto importante do projeto é a possibilidade de se ter máquinas que colham uma área maior de cana na mesma passada. As convencionais colhem linhas de cana de 1,5 m, enquanto a ETC permitirá algo entre 6 e 9 metros, com várias frentes de colheita trabalhando ao mesmo tempo. “É possível chegar até 12 metros em áreas muito plenas. Simulações do CTBE mostram que de 1,5 m para 6 metros o custo de colheita cai pela metade, porque o investimento em maquinário é menor – são necessários um motor para colher seis linhas ao invés de uma, as mesmas quatro rodas etc. Esta é uma tendência que já ocorre em outras culturas, como grãos, onde se conseguiu reduzir custos ao ampliar o tamanho de colhedoras e plantadoras. Sem contar que hoje se consome aproximadamente 1 litro de diesel por tonelada de cana colhida. A proposta da ETC é gastar cerca de 0,6 litro por tonelada. Além disso, ela possui um sistema próprio de colheita da palha junto com o colmo da planta, visto que esse material tem ganhado destaque na produção de eletricidade e etanol 2G”, ressalta o pesquisador.
Mercado
“Somos pioneiros no desenvolvimento deste conceito de maquinário para a cultura de cana- de-açúcar. É importante ressaltar que a cana demanda muito tráfego de máquinas sobre o campo. Uma iniciativa semelhante já atingiu a escala comercial na cultura de grãos, em Israel. A ETC evita danos ao solo e melhora a produtividade da cana e longevidade dos canaviais”, afirma o coordenador da MBI. Oscar Braunbeck enfatiza que, se comparada às máquinas hoje utilizadas, a ETC ganha em desempenho no que diz respeito à sua capacidade operacional, contribuindo para uma redução de custos de colheita na ordem de 50%. Ela é capaz de colher três mil toneladas por dia, enquanto as convencionais fazem 700 toneladas diariamente. Além disso, a tecnologia oferecerá maior versatilidade em terrenos não muito favoráveis à mecanização, já que vai operar entre 20% e 25% de declividade – máquinas atuais não funcionam bem em áreas de maior declive, restringindo-se aos 16% de limite de declividade.
“Não é trivial quebrar um paradigma de mecanização que existe há inúmeras décadas. Vantagens na conservação de solo, menor custo de produção e potencial de automação são os três fatores que mais devem contribuir para essa mudança de paradigma em cana. É um processo que pode levar uns 10 anos para ocorrer”, analisa Braunbeck. Ele adianta que o custo de produção e o preço final da versão comercial da ETC serão definidos pela Jacto após finalização da etapa de desenvolvimento da tecnologia e testes com protótipos. “A empresa buscará desenvolver um produto competitivo. Entretanto, mesmo que a ETC custe um pouco mais que as colhedoras atuais, os diversos benefícios advindos do seu uso pagam rapidamente o investimento adicional”, destaca.
Operação e manutenção
Os acionamentos da estrutura são hidráulicos e controlados digitalmente, isto é, um computador realiza todos os comandos. O professor Oscar Braunbeck acredita que a ETC é mais fácil de ser operada, já que é automatizada. “O operador não terá a incumbência de controlar manualmente todas as operações de colheita, mas necessitará de uma visão bastante detalhada das operações que a máquina executa e das sinalizações do painel, para interpretar e poder tomar providências. Futuramente, a operação ocorrerá de forma autônoma, com uma central recebendo dados e instruindo o monitor em tempo real”, pontua. Ele observa que a máquina vai ter maior complexidade eletrônica e hidráulica, razão pela qual parâmetros monitorados das operações do processo de colheita, como pressão, temperatura e velocidade de rotação, deverão ser realizados à distância, por equipe especializada, permitindo um diagnóstico específico para a programação de manutenções preventivas.
Líria Costa Rezende-Canal-Jornal da Bioenergia