Por G1 Globo em 10/02/2022
Universidades e centros de pesquisa alavancam inovação na metrópole, mas perda de complexidade nas importações e desindustrialização nacional preocupam, apontam economistas.
Por Arthur Menicucci e Bárbara Brambila, g1 Campinas e Região
Vista aérea da Unicamp, em Campinas (SP) — Foto: Rafael Smaira/g1
Impulsionada por universidades, centros de pesquisas e um superlaboratório que é o único acelerador de partículas do Brasil, Campinas (SP) dobrou, em uma década, o número de empregos ligados à economia criativa no setor de tecnologia. O crescimento, proporcionalmente maior que o registrado no país e no estado, revela a característica pioneira da cidade no fomento à inovação, mas contrasta com o atual cenário perda de espaço da indústria nacional no mundo.
É o que mostra uma análise inédita produzida pelo Observatório PUC-Campinas a pedido do g1 Campinas para marcar os 10 anos do portal de notícias, celebrados nesta quinta-feira (10). Os economistas analisaram dados de emprego, renda, importação e exportação da Região Metropolitana de Campinas.
Economista da PUC-Campinas e do observatório, Eliane Navarro Rosandiski explica que a economia criativa tem como princípio agregar valor aos serviços e produtos a partir do conhecimento e da inovação. É um formato que busca a geração de emprego e renda pelo capital intelectual dos indivíduos.
Comumente associada às produções artísticas e culturais, a economia criativa é desenvolvida em vários setores econômicos e engloba quase a totalidade do segmento da tecnologia, justamente pelo caráter inovador de produção.
Em 2011, os setores de informática e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), que reúnem as empresas de tecnologia, geravam 8.671 empregos ligados à economia criativa em Campinas. Dez anos depois, o número de postos subiu para 18.115, alta de 108,9%.
No mesmo intervalo, o estado de SP viveu crescimento de 28,4% (de 178.436 vagas para 229.196) e o país cresceu 39,4%, no setor ( 408.275 ocupações para 569.287).
“Campinas é uma cidade prestadora de serviços. Dentro da Região Metropolitana de Campinas, é ela que dá esse potencial até mesmo pela existência das universidades. Faz com que ela se diferencie muito, se destaque na oferta desses serviço de tecnologia”, afirma a economista.
“Por isso que muitas empresas adotam, estrategicamente, a região metropolitana. Você tem a proximidade com o aeroporto, essa ideia da logística que é importante, e o serviço diferenciado, de ponta, que é a questão da tecnologia, do TI, P&D”.
O setor insistiu em crescer mesmo diante da pandemia de Covid-19. Em 2020, dos 14 segmentos estudados pela economista no âmbito da economia criativa, somente cinco geraram mais postos de trabalho que o ano anterior na Região Metropolitana de Campinas (RMC). A gastronomia, ramo que mais emprega, viu a quantidade de ocupações cair ao patamar parecido com o do início da década.
Já em 2021, a economista aponta que a o setor de tecnologia da informação continuou puxando a economia como um todo, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) mas há uma recuperação das atividades criativas ligadas ao turismo e entretenimento.
“A vantagem desses serviços é que eles geram muita mão-de-obra. Ele aglutina uma cadeia mais espessa, então você pode exercer um serviço diferenciado de turismo, um serviço cultural e, além da construção dessa identidade cultural, (…) você agrega outros segmentos, como valorizar a gastronomia, o artesanato”.
‘Ecossistema’ da tecnologia
O crescimento no setor de tecnologia é percebido também nos números estaduais e nacionais, mas, para a economista da PUC-Campinas, o diferencial da metrópole do interior e da RMC são as universidades que formam mão de obra qualificada.
“É onde você gera o conhecimento. Essa proximidade com a universidade dá esse diferencial estratégico, ela oferece esse vetor de desenvolvimento. Você tem um crescimento [geral] da importância dessas atividades, mas Campinas surfou melhor nessa oportunidade”, afirma a professora.
Além da Unicamp e da PUC, Campinas concentra centros de pesquisa em tecnologia e inovação, como o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que abriga o acelerador de partículas Sirius, e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD).
Sirius: maior estrutura científica do país, instalada em Campinas — Foto: CNPEM/Sirius/Divulgação
Diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNSL), que faz parte do CNPEM e é responsável pela operação do Sírius, Harry Westfahl Jr exemplifica como o superlaboratório criou uma cadeia própria de alta tecnologia na metrópole.
“Campinas foi colocada em um mapa não só de uma capacidade tecnológica, mas onde pessoas viriam do mundo todo para utilizar um aparelho científico de última geração. E de fato, isso só não está acontecendo neste momento por causa das restrições de viagem [em razão da pandemia], mas já tem muita gente no mundo querendo vir para Campinas para utilizar o síncrotron, porque só tem três deste no mundo”.
“Isso gera uma movimentação de colaborações e inserção de pessoas do mundo todo aqui na cidade que é gigante. Não só isso, as empresas de toda a região participaram de vários aspectos da construção [do Sirius], adquiriram tecnologia, e essa tecnologia extravasa para outras áreas” .
Já a Unicamp utiliza o conceito de “empresas-filhas” para mensurar o emprego e renda gerada a partir de alunos, ex-alunos, professores ou empresas agregadas na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica (Incamp).
O levantamento mais recente da Agência de Inovação da universidade, a Inova, apontou crescimento de 17% na geração de emprego das empresas-filhas em um ano, além de um faturamento acumulado de R$ 16 bilhões. Para a diretora-executiva da Inova e professora da Unicamp, Ana Frattini, o crescimento foi impulsionado pelas empresas de tecnologia.
“São centenas de casos que a gente vai contar de desenvolvimento que aconteceu com empresas da região, onde elas entraram com a tecnologia, aprenderam a tecnologia, e nos ensinaram também. Mais do que um síncrotron, foi criado todo um ecossistema em Campinas”, afirma o diretor do LNSL, sobre o efeito do Sírius para a economia da cidade.
Estação de pesquisa Manacá, primeira a ficar pronta no Sirius — Foto: CNPEM/Divulgação
Efeito multiplicador da economia criativa
A diferenciação dos produtos a partir do conhecimento agregado pelos profissionais especializados, característica fundamental da economia criativa, garante a valorização do preço dos serviços e maior renda aos trabalhadores.
Segundo a professora da PUC-Campinas, esse fator impacta toda a cadeia, pois gera renda e aumenta o consumo. Além disso, as empresas que atuam com economia criativa também criam empregos indiretamente ligados ao setor. “Para cada profissão criativa, estima-se que gera três vezes mais de emprego no setor”.
“Por ser algo que o trabalhador consegue também vender seu conhecimento, consegue ter vantagem. Você forma um trabalhador capacitado e ele vai para mercado de trabalho exercer a capacidade criativa dele e ser remunerado para tal. E isso vai gerar um efeito positivo no sentido de melhorar a dinâmica local”.
De acordo com o Observatório PUC-Campinas, o salário médio das ocupações criativas ligadas à tecnologia (que inclui biotecnologia, P&D e tecnologia da informação) é de R$ 10.162, maior valor entre todos os setores criativos de Campinas (veja tabela abaixo).
Salário médio das ocupações criativas em Campinas
Setor | Valor |
Consumo (arquitetura, design, moda e publicidade) | R$ 6.735 |
Cultura (artes cênicas, expressões culturais, música e patrimônio) | R$ 4.425 |
Mídias (audiovisual e editorial) | R$ 4.895 |
Tecnologia (biotecnologia, P&D e TIC) | R$ 10.168 |
Média geral das ocupações criativas | R$ 8.438 |
“O fato de você ter um segmento que puxa um pouco essa economia faz com que o padrão de remuneração seja elevado. Esse padrão de remuneração elevado desses setores, quando mais presentes eles forem, mais vão gerando demanda para outros setores. Isso está na chave do desenvolvimento”, apontou.
“Não dá para todo mundo pertencer à economia criativa, mas dá para todos se beneficiarem direta ou indiretamente dela. Os trabalhadores envolvidos nesse segmento eles acabam sendo demandantes de outros serviços que não necessariamente estão relacionados diretamente com a economia criativa, mas são beneficiados por ela”, completou Eliane.
Como a desindustrialização afeta Campinas?
Segundo análise do economista e professor Paulo Ricardo da Silva Oliveira, do Observatório PUC-Campinas, a RMC teve queda considerável, nesta década, na exportação de alta complexidade, que são bens que demandam elevada capacidade técnica para produção – categoria que abrange os produtos ligados à tecnologia e inovação.
“A balança comercial da RMC é industrial. Ela tem uma participação reduzida de agricultura e serviços. (…) A perda de complexidade das exportações tem a ver com a ausência de uma política industrial clara. É dramático para nossa região, que é industrial e de serviços ligados à indústria”.
Em 2021, os produtos que mais foram exportados na região são medicamentos, considerados de média alta complexidade, veículos automotores, também de média alta, e máquinas de construção civil – esse de alta complexidade.
A região também exporta, por exemplo resíduos da produção de catalisadores de veículos, considerado de média baixa complexidade por estar presente em vários locais do mundo. Algodão não processável, figo, abacaxi, goiaba, manga e borracha natural são exemplos de baixa complexidade.
Nos mesmos 10 anos, as importações de produtos complexos também caiu, mas de forma menos impactante, o que desequilibra a balança comercial na região metropolitana. Os principais produtos importados foram defensivos agrícolas e chips, ambos de média alta complexidade.
“Isto significa que a crise econômica, com marco em 2014, piora a posição de competitividade dos produtos da RMC frente as economias globais, ao mesmo tempo em que mantém a sua dependências da importação de insumos relativamente complexos”, afirma.
Segundo o professor, a ausência de uma política macroeconômica industrial clara no país faz com que a produção nacional perca espaço no mundo, o que impacta diretamente a RMC.
“Perder espaço significa que nós, em relação ao mundo, estamos ficando com uma estrutura industrial menos complexa, ou seja, menos ligada a oportunidades de desenvolvimento, e o efeito para a economia nacional é que ela fica defasada”, completa Oliveira.
O professor pondera que 67,3% da estrutura produtiva na RMC se deve ao setor de serviços, e outros 31,7% da indústria, mas acrescenta que muitas empresas prestadoras de serviço para indústria, como transportes e assessoria jurídica e contábil, são indiretamente afetados pelo processo.
Eliane Rosandiski completa que, no caso de Campinas, isso pode significar a perda do potencial gerado com a tecnologia e inovação.
“É uma lógica de continuar sendo dependente de uma tecnologia externa, que foi muitas vezes o que o país fez. (…) É isso que tem que ser revertido. Não existe, até este momento, nenhum olhar de que isso está mudando. Ao contrário, acho que acelerou o processo de reprimarização. E aí, uma cidade como Campinas perde todo o potencial dela”.
“Se você quer que a economia caminhe para frente, no sentido de ser transformadora, gere mais inovação, você tem que valorizar o conhecimento. Tem que fazer do conhecimento a mola propulsora da economia. O diferencial é que você vai trazer inovação, vai trazer diferenciação, vai ter uma economia com capacidade de gerar valor e distribuir”, conclui a professora.