Por G1 Campinas e região em 20/07/2021
De acordo com cientistas, entendimento de um dos mecanismos de replicação do Sars-Cov-2 dentro das células abre caminho na busca por estratégias antivirais contra doença. Trabalho de pesquisadores da USP de São Carlos é o primeiro publicado com dados coletados no equipamento instalado em Campinas (SP).
Cientistas descobriram, com ajuda do Sirius, superlaboratório de luz síncrotron de 4ª geração, detalhes inéditos do processo de reprodução do Sars-Cov-2, vírus causador da Covid-19. Tal entendimento abre caminho na busca por fármacos que possam inibir esse mecanismo de replicação dentro das células. O trabalho realizado por pesquisadores da USP de São Carlos (SP) foi publicado em edição especial do Journal of Molecular Biology, e é o primeiro artigo com dados coletados no acelerador de partículas instalado em Campinas (SP).
Coordenador do grupo que realizou as primeiras coletas de imagem no Sirius, o professor Glaucius Oliva explica que quando o Sars-Cov-2 entra na célula, ele assume o controle para tentar se replicar, mas o processo depende de várias etapas, e é em uma delas que os cientistas querem agir em busca de estratégias antivirais.
“Ele (Sars-Cov-2) não faz um vírus pronto para infectar outras células, ele faz suas proteínas em um único bloco, que chamamos de poliproteina. Uma parte desse bloco é a protease, e a função dela é transformar essa poliproteina em suas partes que, ao se juntarem, podem reproduzir muitas cópias do genoma viral e das proteínas do envelope e assim gerar novos vírus, que são capazes de infectar outras células. O objetivo é parar este processo logo no início da ação da protease e assim impedir a produção de novos vírus nas células infectadas”, diz.
Modelo final da protease MPro do vírus SARS-CoV-2 ligada a um peptídeo — Foto: CNPEM/Divulgação
Com os estudos desenvolvidos na linha Manacá, primeira a ficar disponível para pesquisadores externos no Sirius, a equipe do Instituto de Física da USP passou a compreender processos do metabolismo dessa protease do coronavírus até então desconhecidos.
Os cientistas descobriram que para que a protease Mpro (também denominada de 3CLPro) alcance a sua forma madura ela precisa se ligar temporariamente a outras cópias dela mesma, com o mesmo estado de maturação ou mais maduras.
“Usamos a Manacá para caracterizar, de forma inédita, múltiplas formas que a protease M-pro adquire ao longo do seu processo de auto maturação. Além disso, identificamos como pequenos fragmentos químicos se ligam em pontos específicos de uma dessas novas formas da enzima de SARS-CoV-2, que possui menos de 1% da atividade da forma madura”, explica o pesquisador Andre Godoy, da USP de São Carlos.
Busca por antiviral
O trabalho do grupo da USP no Sirius teve início em setembro de 2020, assim que a linha Manacá, ainda em fase de comissionamento, foi aberta a pesquisadores externos para que pudesse oferecer à comunidade científica recursos para estudos que pudessem contribuir no combate à pandemia.
Na ocasião, a equipe fez análise de 200 cristais de proteínas do vírus na busca por uma “chave” que pudesse desativar o coronavírus. Além do estudo publicado, o grupo tem outros dados coletados no Sirius e trabalha na busca por moléculas que possam atuar como inibidoras das proteases mais importantes na replicação do vírus da Covid-19.
“Cada proteína dessas nos conta uma história. Cada proteína do vírus passa por uma série de processos internos que tem uma certa atividade. Nem todas são bem descritas. Nosso esforço maior é encontrar uma molécula que iniba as duas proteases. Tanto a PLpro quanto a Mpro. Temos planos para uma molécula que possa inibir ambas, o que inédito”, avisa Godoy.
Pesquisadores da USP de São Carlos durante período de coleta de dados no Sirius, em setembro de 2020 — Foto: Arquivo pessoal
Primeira imagem
Maior investimento da ciência brasileira, o Sirius realizou em julho de 2020 os primeiros experimentos ao obter imagens em 3D de estruturas de uma proteína imprescindível para o ciclo de vida do novo coronavírus.
A análise de uma proteína já conhecida serviu para validar e habilitar o funcionamento do acelerador, concebido para analisar diferentes materiais em escalas de átomos e moléculas.
Imagem em 3D de proteína do novo coronavírus obtida no Sirius, superlaboratório instalado em Campinas (SP) — Foto: Sirius/CNPEM/Divulgação
A primeira linha de pesquisa a ficar ativa e que fez as imagens da estrutura da proteína é chamada de Manacá, dedicada a técnicas de Cristalografia de Proteínas por Raios X. Na prática, é a estação que pode ajudar cientistas a encontrar ou melhorar um fármaco capaz de inibir ou agir frente ao novo coronavírus.
Estação de pesquisa Manacá, primeira a ficar pronta e operacional no Sirius, em Campinas (SP) — Foto: CNPEM/Divulgação
O circo e a mexerica…
Para ser ter uma ideia do que os cientistas que trabalham no Sirius tentam “enxergar” e entender com a ajuda do superlaboratório, basta ver a comparação feita pela pesquisadora do CNPEM, Daniela Trivella.
“Se uma célula humana fosse do tamanho de um circo, o vírus seria o equivalente a uma mexerica.”
Com as linhas de pesquisa, os cientistas esperam ver e distinguir a interação do vírus em tanto espaço. E com a potência do equipamento será possível enxergar, inclusive, até os pequenos “gominhos da fruta”, estruturas menores que as proteínas do Sars-Cov-2, por exemplo.
Sirius: maior estrutura científica do país, instalada em Campinas (SP). — Foto: CNPEM/Sirius/Divulgação
O que é o Sirius?
Principal projeto científico do governo federal, o Sirius é um laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, que atua como uma espécie de “raio X superpotente” que analisa diversos tipos de materiais em escalas de átomos e moléculas.
Além do Sirius, há apenas outro laboratório de 4ª geração de luz síncrotron operando no mundo: o MAX-IV, na Suécia.
Para observar as estruturas, os cientistas aceleram os elétrons quase na velocidade da luz, fazendo com que percorram o túnel de 500 metros de comprimento 600 mil vezes por segundo. Depois, os elétrons são desviados para uma das estações de pesquisa, ou linhas de luz, para realizar os experimentos.
Esse desvio é realizado com a ajuda de imãs superpotentes, e eles são responsáveis por gerar a luz síncrotron. Apesar de extremamente brilhante, ela é invisível a olho nu. Segundo os cientistas, o feixe é 30 vezes mais fino que o diâmetro de um fio de cabelo.