24/11/2009 – O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO – Uma luz no fim do túnel, ou melhor, produzida dentro de um anel tubular de quase 100 metros de perímetro e 30 de diâmetro, atrai pesquisadores do Brasil e do exterior para o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas. A luz síncrotron, gerada a partir da aceleração de elétrons no anel, permite examinar a estrutura dos átomos de matéria tão diversa como proteínas, ossos e metais. Essas pesquisas têm aplicações em áreas que vão da engenharia à fabricação de remédios.
Síncrotron vem da expressão inglesa “synchronous electron accelerator”. Ao contrário da luz convencional, que ao incidir em uma estrutura minúscula como o átomo não tem efeito, a radiação síncrotron, de espectro amplo, permite ver detalhes da matéria, com uma resolução fina. Quanto mais curta a onda, mais ela penetra na estrutura atômica, revelando informações que nem sempre são vistas no microscópio eletrônico.
Inicialmente criados para a colisão entre partículas, os aceleradores circulares de elétrons começaram a ser usados para a geração da luz síncrotron a partir dos anos 80. Segundo o diretor do LNLS, Antônio José Roque da Silva, a importância de laboratórios como o de Campinas está relacionada à busca por um “controle” da matéria que contribua para a obtenção de materiais cada vez mais eficientes.
Clube seleto
“Um país que queira fazer uma investigação em nível atômico, ser ator mundial no desenvolvimento tecnológico, precisa ter um laboratório como esse”, afirma. “É um projeto singular, que coloca o país num clube seleto. Foi o primeiro do Hemisfério Sul – agora a Austrália tem um – e na América Latina ainda é único. No mundo todo, há cerca de 60 laboratórios desse tipo.”
Veja como funciona:
O LNLS começou a operar em 1997, mas sua construção demorou mais de dez anos. Cerca de 85% de toda a estrutura de geração da luz síncrotron foi desenvolvida aqui mesmo no Brasil, na época em que a inflação batia recordes diários e quase não havia importação de produtos.
Localizado em uma área de 380 mil metros quadrados no distrito de Barão Geraldo, o complexo é administrado pela Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron por meio de um contrato de gestão com o Ministério da Ciência e Tecnologia. Ele também abriga os Centros de Biologia Molecular Estrutural (CeBiME), de Nanociência e Nanotecnologia Cesar Lattes (C2Nano) e de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE).
O laboratório tem 15 linhas de luz, que podem ser utilizadas por qualquer pesquisador que submeta propostas aos comitês científicos associados às diversas áreas. “Pela dimensão e pelo custo de operação do LNLS, só faz sentido que ele exista se for multiusuário e nacional”, afirma o diretor. “Não dá para cada universidade construir um.”
A seleção dos cientistas baseia-se em dois critérios: mérito da proposta e a necessidade de a pesquisa ser realizada no laboratório. “O tempo de utilização depende do tipo de experimento. Se o pesquisador for de fora de São Paulo, recebe auxílio para vir e ficar em alojamento”, explica Silva.
Doença de chagas
Físicos, engenheiros, biólogos e outros cientistas que frequentam o laboratório querem investigar como se ordenam e estruturam os átomos dentro da matéria. Mário Murakami, pesquisador do CeBiME, é um deles. Está tocando uma pesquisa sobre as proteínas secretadas pelos parasitas que causam a doença de Chagas e a leishmaniose.
Para analisar sob a luz síncrotron o processo bioquímico das proteínas e elementos que não são possíveis de enxergar com alta resolução em microscópios eletrônicos, Murakami desenvolve amostras de cristais de proteínas no próprio CeBiME. O processo é delicado e feito num laboratório com temperatura controlada.
Os cristais nem sempre “vingam” – há 10% de chance de sucesso. “Pode levar de um dia a dois anos para formar um cristal. É um processo empírico”, diz Murakami. O pesquisador pretende “determinar as estruturas tridimensionais dessas proteínas secretadas”. Entender como eles funcionam é o primeiro passo para desenvolver fármacos para o tratamento dessas doenças.