Redação Bonde com Agência Fapesp, em 04/10/2014
Um estudo publicado na revista Nature Communications revelou que a bactéria Salmonella enterica é capaz de produzir uma proteína muito semelhante à alfa-2-macroglobulina humana, que desempenha um papel-chave em nosso sistema imunológico.
A hipótese levantada pelos pesquisadores do Instituto de Biologia Estrutural (IBS) de Grenoble, na França, é de que também nas bactérias as macroglobulinas poderiam fazer parte de um sistema de defesa rudimentar. Se a teoria for confirmada por estudos futuros, essas proteínas podem se tornar alvos para o desenvolvimento de novos antibióticos.
“O mais fascinante é que as macroglobulinas são proteínas imensas, formadas por quase 1.700 resíduos de aminoácidos. Para a bactéria sintetizar uma molécula tão grande é porque ela deve ter um papel muito importante”, afirmou a brasileira Andréa Dessen, pesquisadora do IBS e coordenadora, no Laboratório Nacional de Biociência (LNBio), em Campinas, de um projeto apoiado pela FAPESP por meio do programa São Paulo Excellence Chairs (SPEC).
No organismo humano, a missão da alfa-2-macroglobulina é detectar e neutralizar proteases secretadas por microrganismos invasores, disse a pesquisadora. As proteases são enzimas que quebram as ligações entre os aminoácidos das proteínas.
“A macroglobulina impede, dessa forma, que as proteases dos invasores destruam os tecidos do organismo, o que permitiria a infecção de tecidos mais profundos”, explicou.
Além disso, a alfa-2-macroglobulina também se liga a proteases que participam do processo de coagulação sanguínea, evitando que proteínas importantes sejam destruídas indevidamente.
Em estudos anteriores, nos quais o genoma de diversas espécies de bactérias foi sequenciado, pesquisadores alemães já haviam observado a presença do gene da macroglobulina. No IBS, o grupo liderado por Dessen já havia feito a caracterização bioquímica da proteína produzida pelas espécies Escherichia coli e Pseudomonas aeruginosa.
“Agora, de maneira inédita, estudamos a estrutura tridimensional da macroglobulina secretada pela Salmonella enterica por uma técnica conhecida como cristalografia de raios X, que permite visualizar detalhes em nível atômico. E pudemos confirmar que, de fato, ela é muito parecida com a macroglobulina humana”, contou Dessen.
De acordo com a pesquisadora, a descoberta reforça a hipótese de que a alfa-2-macroglobulina tem o papel de proteger a bactéria das proteases secretadas por outras bactérias ou pelo organismo do hospedeiro que ela tenta infectar.
“Em um modelo de camundongo, pesquisadores canadenses mostraram que cepas da bactéria Pseudomonas aeruginosa que não produzem macroglobulina têm menor capacidade de causar doença, ou seja, são menos virulentas. A proteína parece dar uma vantagem à bactéria na hora de colonizar o hospedeiro, mas ainda não sabemos exatamente por quê”, disse.
Desdobramentos
Em um braço da pesquisa que está sendo conduzido no LNBio, com apoio da FAPESP e orientação de Dessen, a pós-doutoranda francesa Samira Zouhir investiga a estrutura da macroglobulina sintetizada por bactérias da espécie Pseudomonas aeruginosa – causadora de diversos casos de infecção hospitalar.
“Se conseguirmos desvendar a estrutura tridimensional da proteína, isso nos dará pistas sobre sua função no processo infeccioso”, disse Dessen.
Quando o papel das macroglobulinas estiver bem compreendido em diferentes espécies de bactérias, acrescentou, essas proteínas poderão se tornar alvo para o desenvolvimento de novos antibióticos.
“Também há pesquisas interessantes em modelo de camundongo mostrando que a aplicação de alfa-globulina humana pode oferecer proteção contra a sepse. Há várias possibilidades de tratamento a serem exploradas”, avaliou a pesquisadora.