Jornal Cana em 21/02/2017
Ampliar a produção de energia elétrica a partir da palha da cana-de-açúcar recolhida durante a colheita sem queima. Este é o foco do projeto Sugarcane Renewable Electricity (Sucre), em desenvolvimento desde 2015 com financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente e gerido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
O projeto é gerido por pesquisadores do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), e tem atualmente a participação de quatro unidades produtoras paulistas: Zilor – Unidade Quatá, localizada em Quatá; Alta Mogiana, em São Joaquim da Barra; Pedra Agroindustrial, em Serrana; e Raízen – Barra, em Barra Bonita.
Em entrevista ao JornalCana, Manoel Regis, pesquisador do CTBE e coordenador do projeto Sucre, revela detalhes sobre como as unidades produtoras participantes, e o setor sucroenergético, podem ganhar com o ‘aprendizado’ feito até agora.
Regis comenta, também, sobre a nova fase do projeto, que terá a participação de mais unidades sucroenergéticas.
JornalCana – O projeto Sucre tem investimentos de US$ 67,5 milhões em um período de cinco anos com a meta de identificar e solucionar problemas que dificultam a geração de eletricidade pelas usinas de forma plena e sistemática. Dados do setor sucroenergético revelam produção de 20,2 terawatts/hora (TWh) por ano pelas usinas, mas esse montante pode ser ampliado em sete vezes, segundo estimativas. A projeção é excelente, mas em sua opinião o que falta para as usinas avançarem na geração de eletricidade?
Manoel Regis – Faltam metodologia e procedimentos.
Como assim?
Manoel Regis – Apesar de 20 anos de trabalho árduo das usinas em definir tecnologia viável para o recolhimento da palha da cana, os resultados são humildes, abaixo do esperado. Não conheço usinas que usam mais do que 10% de palha disponível na mistura com bagaço nas caldeiras.
Regis: foco na ampliação do uso da pala (Foto: Divulgação)
Como está hoje a produção de eletricidade pelas usinas, no sistema chamado cogeração?
Manoel Regis – Hoje a produção é de 20 terawatts/hora (TWh), algo em torno de 4% do consumo de energia do país. Parece baixo, mas em 2005 essa energia das usinas de biomassa era 18 vezes menor. Em 2010, estava na faixa de 9 TWh, menos da metade. Projeções de instituições ligadas ao setor sucroenergético indicam para 115 terawatts/hora em 2020. São projeções possíveis.
O Brasil segue com a economia em turbulência, com queda no consumo de energia. Há clima para os grupos sucroenergéticos investirem nessa ampliação?
Manoel Regis – Sim. O País assumiu alguns compromissos na Cop 21 [Conferência das Partes sobre Mudança do Clima em Paris, em 2015], confirmados na Cop 22 [em novembro, em Marrakech, no Marrocos]. E para atingi-los há estimativa do setor de que em 2025 a geração deve chegar a 55 TWh, ou 2,7 vezes acima da oferta de hoje. Em 2030, a meta é chegar a 76 TWh. É um desafio. Será preciso palha.
Como incentivar as empresas do setor?
Manoel Regis – Para aumentar o recolhimento da palha serão necessários instrumentos para estimular a cogeração. Um deles é o preço [atualmente pago pela compra da eletricidade feita da biomassa da cana]. O segundo dos instrumentos integra as políticas públicas. Há problemas no marco regulatório atual e existem alternativas de venda de energia não exploradas pelas usinas.
Por favor, faça um relato do trabalho desenvolvido até o momento com as quatro unidades produtoras participantes
Manoel Regis – As quatro já cogeram e vendem excedente de eletricidade no mercado. E estão receptivas em aumentar a quantidade de oferta de eletricidade para o mercado. A ideia dos pesquisadores no Sucre é entender bem o que ocorre com elas, porque não aumentam o uso da palha. A linha de base do projeto é entender como ela estão hoje e o perfil da rota de recolhimento de palha, custos, e a qualidade da palha.
Como está essa rota?
Manoel Regis – Há rotas em avaliação. A primeira é sobre o enfardamento: faz-se a colheita da palha no solo, espera-se entre sete a 10 dias pela secagem, depois são feitos o enleiramento (processo que consiste em amontoar ou empilhar o material derrubado, em leiras ou camadas contínuas, espaçada uma das outras) e o enfardamento. Uma vez enfardada a palha é carregada e levada para a usina. Lá, é processada, misturada ao bagaço e vai para as caldeiras.
Comente mais, por favor
Manoel Regis – A segunda rota foca a cana integral. Há limpeza parcial, no qual se reduz a rotação dos extratores primários das colhedoras, para diminuir a palha. Para não ter impactos negativos, é feita separação em limpeza a seco na indústria, com teor de impurezas vegetais, que vai com 10 a 12%. A meta, com a limpeza seca, é chegar a 7% de impurezas.
Como estão os resultados?
Manoel Regis – Nesse sistema a eficiência é baixa, o que tem dificultado sua implantação. Mas principal problema da cana integral é que quando teor de impurezas é maior que o tradicional, a intensidade de carga diminui e aumenta o custo do transporte e precisará de mais investimento em caminhões e transbordos.
Essa rota está em fase de trabalho?
Manoel Regis – Sim, conseguimos teste parcial na Alta Mogiana e pela primeira vez na Barra, que tem sistema moderno de limpeza a seco.
A luta é reduzir as impurezas?
Manoel Regis – No enfardamento, o problema mais crítico é o teor de impureza elevado. As impurezas minerais (terra) estão na faixa de 10% e, em ensaios, há mais de 20%, ou 200 quilos de terra por tonelada de palha. É preciso melhorar isso no campo, na enleiradora, enfardadora e mesmo na colhedora, para reduzir impurezas. E melhorar sistema de limpeza nas usinas.
Explique sobre a segunda fase do Sucre
Manoel Regis – A segunda fase no Sucre baseia-se nas informações das quatro unidades participantes. Será preparado um conjunto de simulações e informações e iremos procurar mais sete novas participantes. Já estamos procurando, identificando, fazendo acordos com colaborações.
Há um limite de usinas participantes dessa segunda fase?
Manoel Regis – [A fase] está limitada a sete, talvez nove unidades produtoras, Escolhe-se entre as que têm características como a Ferrari, de Pirassununga, que tem sistema de recepção e processamento de fardo muito bom. Foi feito teste preliminar em 2016, ainda sem resultados prontos, e sistema aparente funciona bem, que não tem nível de poeira elevado na trituração de fardos. Esse é um exemplo de usina no segundo grupo.
Que outra usina já tem acordo para participar da segunda fase?
Manoel Regis – Outra que já possui acordo assinado é a Santa Isabel, em sua unidade de Mendnoça, na qual foram iniciados testes com limpeza a seco em concepção diferente: dois tambores rotativos, com ar soprado longitudamentee, com avanço muito bom.
Há outra usina?
Manoel Regis – Já identificamos outras usinas que jogam palha na moenda, ao invés de tritura-la. Lavar a palha remove impurezas minerais. E jogar na moenda sem triturar, economiza no triturador e no alto consumo de energia do triturador. Mas está em avaliação saber qual o limite de palha pode ser feito sem afetar a extração da moenda.
Quando as informações do Sucre deverão ser divulgadas?
Manoel Regis – Esperamos fazer um workshop em outubro próximo.
Saiba mais sobre o projeto Sucre
Na primeira etapa, iniciada em 2015, o Sucre mapeia quatro usinas parceiras, que utilizam palha na geração de eletricidade, para desenvolver as soluções que ampliem a geração de energia, como estudo de viabilidade para o investimento de coleta e processamento da palha de cana.
Na segunda fase do projeto será feita a análise de viabilidade técnico-econômica em mais sete usinas selecionadas.
Para realizar as avaliações necessárias, o Sucre atua em quatro frentes de trabalho: remoção (definir quanto de palha pode ser retirada do solo sem comprometer a qualidade e a produtividade de cana-de-açúcar), recolhimento (identificar os processos de coleta e transporte da palha à indústria), indústria (avaliação do efeito da palha e da mistura de bagaço e palha nos diferentes tipos de processamento, como no sistema de limpeza a seco, no peneiramento e trituração, além do uso nas caldeiras das usinas) e integração (etapa em que serão feitas avaliações econômicas e ambientais de diferentes rotas de recolhimento de palha, além da produção de manuais e guias de boas práticas).