Rede Brasil Atual, 8 de setembro de 2017
Estudo do Inesc conclui que peça orçamentária é “de arrepiar”, reduzindo verbas para políticas sociais, educação, ciência e tecnologia. Mas refinanciamento da dívida pública tem previsão crescente
Projeto Sirius, em Campinas, deveria colocar país na ponta da ciência, mas está ameaçado
São Paulo – Estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) avalia que a proposta orçamentária encaminhada pelo governo de Michel Temer ao Congresso Nacional é “de arrepiar”. De acordo com a instituição, as expectativas do governo evidenciam uma nação “em que se perde a perspectiva de futuro, ao reduzir muito o orçamento para investimentos em tecnologia, e ignora vidas no presente, ao reduzir o orçamento para as políticas sociais”.
As quedas dos orçamentos dos ministérios das Cidades, da Integração Nacional e de Ciência e Tecnologia são de assustadores 86%, 72% e 27%, respectivamente. “Além de diminuir drasticamente os investimentos, o Estado irá contribuir com muito pouco para a inovação nesse país”, avalia o Inesc. O orçamento previsto para o CNPq se reduziu em 33,2%.
Para o cientista político Roberto Amaral, ministro de Ciência e Tecnologia no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tais números mostram “um crime deliberado contra o futuro do país”.
“Não há desenvolvimento em qualquer nível sem investimentos maciços em ciência e tecnologia. Quando o governo ataca esse ponto, ele está sabendo qual é o resultado”, diz. “Darci Ribeiro dizia que a crise da educação não é uma crise, é um projeto. Há um projeto de destruir a escola pública brasileira e os investimentos em ciência e tecnologia.” As verbas de Ciência e Tecnologia caem de R$ 15,6 bilhões para R$ 11,3 bilhões.
Amaral chama atenção para o fato de que projetos estratégicos da ciência brasileira podem ser inviabilizados: o acelerador de partículas Sirius e o Reator Multipropósito, destinado à pesquisa e fabricação de radiofármacos, “responsável pela produção de fármacos fundamentais da medicina brasileira”. O projeto Sirius, em Campinas (SP), deveria “elevar o patamar da ciência brasileira no mundo” em relação a síncrotrons (acelerador de partículas), segundo o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
Matheus Magalhães, assessor político do Inesc, destaca que, embora haja reduções orçamentárias “fortíssimas” no planejamento de 2018 em alguns órgãos, áreas e ações como os vinculados a políticas sociais, educação, ciência e tecnologia, no contexto geral há uma elevação de 3,5%, e não redução orçamentária, como se poderia esperar. O Orçamento global subiu de R$ 3,415 trilhões de 2017 para R$ 3,535 bilhões na proposta orçamentária para 2018 (Ploa 2018).
Mais significativo é observar quais as áreas e órgãos que são aquinhoados com aumento de verbas. A Câmara dos Deputados, por exemplo, é beneficiada com uma elevação de 15%, de R$ 5,9 bilhões para R$ 6,8 bilhões. O Ministério das Minas e Energia terá aumento de quase 69,8%, de R$ 4,035 bilhões para R$ 6,85 bilhões. E o montante relativo ao refinanciamento da dívida, à qual eram destinados, em 2017, R$ 925 bilhões, sobe para R$ 1,106 trilhão. O aumento para o Superior Tribunal de Justiça é de 7,2%, e para a Justiça Eleitoral, 11,1%.
“O governo está em crise fiscal, se endividando mais, mas os recursos voltados à área financeira estão garantidos. A impressão é de que são reduções selecionadas”, diz Magalhães. “Não quero dizer que o Judiciário ou o Ministério de Minas e Energia não sejam importantes. Mas estamos na iminência de privatizações de empresas públicas nessa área, enquanto outros órgãos têm reduções drásticas. É no mínimo suspeito que, na maioria dos órgãos, haja redução e uma elevação significativa de quase 70% em Minas e Energia, na expectativa das privatizações”, aponta.
“Destruição do país”
Os dados mostram “um projeto de destruição do país”, diz Roberto Amaral. Mais do que setores, áreas ou órgãos, essa destruição é sistêmica e global. Ele menciona como sintomáticos, entre outros projetos, a privatização da Eletrobras e o próprio destino que parece ser dado à educação, ciência e tecnologia demonstrados pelo projeto orçamentário.
Segundo ele, há um memorando da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ao Ministério das Minas e Energia segundo o qual existe a possibilidade de aumento de 16,7% no preço do quilowatt com a privatização da Eletrobras, o que abalaria grande parte do parque industrial brasileiro. “Não se recupera em pouco tempo um parque industrial e não há parque industrial se não tem base tecnológica. Sem produção tecnológica, não tem indústria. Não há nem Forças Armadas se não tem ciência e tecnologia.”
As “políticas” do governo para educação ficam explícitas no acordo firmado entre o governo federal e o estado do Rio de Janeiro, observa. “O governo recomenda mais demissões e o fim das universidades do Rio de Janeiro. Que país é esse?”
Ele lembra que a Coréia do Sul e a União Europeia expandem investimentos em ciência e tecnologia. A China aumentou em 26% seus investimentos, para não falar dos Estados Unidos. “Somos o único país do mundo que reduz investimento em educação, ciência e tecnologia”, lamenta o ex-ministro.