Os cientistas investigaram propriedades magnéticas de camadas sobrepostas de platina, cobalto e gadolínio
Uma pesquisa conduzida na linha de luz Sabiá do Sirius por cientistas do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e de diversas universidades investigou o comportamento de materiais magnéticos e resultou no primeiro artigo científico com dados coletados nessa linha de luz.
O trabalho foi publicado na revista Communications Physics, que integra o portfólio da Nature, e demonstrou que a interação entre os átomos de platina, cobalto e gadolínio em camadas finas pode resultar em um comportamento magnético inesperado. A linha de luz Sabiá está aberta para propostas regulares de pesquisa, ampliando as possibilidades de investigação de propriedades magnéticas e estruturais de materiais para cientistas do Brasil inteiro.
Os diferentes tipos de magnetismo
As propriedades magnéticas de um material estão diretamente relacionadas ao ordenamento dos spins magnéticos dos seus átomos. Cientistas descrevem a intensidade e a direção do campo magnético gerado por esse ordenamento através de uma grandeza vetorial chamada momento magnético. Quando os momentos magnéticos de diferentes átomos se orientam de maneira ordenada, o material pode apresentar diferentes tipos de magnetismo.
Nos materiais ferromagnéticos, como o ferro e o cobalto, os momentos magnéticos se alinham paralelamente, resultando em uma forte magnetização – o tipo de magnetismo mais comumente encontrado no cotidiano. Já no antiferromagnetismo, por exemplo, os momentos magnéticos de átomos adjacentes apontam para a mesma direção, mas em sentidos contrários, resultando em uma magnetização líquida diminuta ou nula.
Por outro lado, materiais paramagnéticos, são aqueles cujos momentos magnéticos se alinham apenas na presença de um campo externo. Outras fases magnéticas, como diamagnetismo, ferrimagnetismo e mais o recente altermagnetismo, são objetos de estudo da física da matéria condensada. A origem dessas diferentes respostas magnéticas está nas interações entre os spins dos elétrons e a estrutura eletrônica dos átomos envolvidos.
O comportamento magnético do cobalto, gadolínio e platina
Os três elementos envolvidos na pesquisa desenvolvida na linha de luz Sabiá apresentam diferentes tipos de magnetismo. O cobalto (Co) é um metal de transição conhecido por seu forte ferromagnetismo. O gadolínio (Gd), um elemento da série dos lantanídeos, pode apresentar comportamento paramagnético ou ferromagnético, a depender da temperatura. Já a platina (Pt) apresenta paramagnetismo, ou seja, não é magnética em seu estado natural, mas pode adquirir momentos magnéticos induzidos quando em contato com um material ferromagnético, como o cobalto, por meio de efeitos de proximidade e interação de troca magnética.
Simulações teóricas feitas pelos pesquisadores previam que, ao combinar o cobalto, a platina e o gadolínio em camadas finas, um estado de momento magnético induzido invertido seria observado no Gd em condições ambiente. Este estado previsto pelos cálculos teóricos é transferido por efeito de proximidade do Co para o Gd, o qual os momentos magnéticos dentro da camada de Gd mudam de direção quando se afastam da interface Co/Gd. A partir dessas previsões, o experimento utilizando a linha de luz Sabiá foi planejado para verificar esse comportamento.

Porta-amostras da bobina supercondutora da linha de luz Sabiá, onde os experimentos de XMCD foram realizados. As amostras foram montadas sobre uma fita de carbono fixada numa chapa de molibdênio.
“A preparação da amostra foi fundamental. Preparamos uma heteroestrutura formada por uma camada de platina com 1 nm de espessura, seguido por uma camada de 1,5 nm de cobalto e outra com 1 nm de gadolínio — e repetimos essa combinação dez vezes para formar uma estrutura multicamadas.” conta Jeovani Brandão, pesquisador da linha de luz Sabiá e principal autor do artigo.
A técnica de Dicroísmo Circular Magnético de Raios X (XMCD)
Para investigar os estados magnéticos dos átomos em cada uma das camadas da heteroestrutura, os pesquisadores utilizaram a técnica de Dicroísmo Circular Magnético de Raios X, ou XMCD. O método é baseado na diferença entre a absorção seletiva de radiação eletromagnética na faixa dos raios X com polarização circular à direita e esquerda – relativo à orientação magnética da amostra. A diferença na absorção dos raios X revela informações detalhadas sobre a orientação e a magnitude dos momentos magnéticos, permitindo extrair informações com seletividade química ao elemento, diferenciando o comportamento magnético do cobalto, do gadolínio e da platina de forma individual.

Bobina supercondutora da linha de luz Sabiá, no Sirius. estação experimental foi utilizada durante a pesquisa para submeter a amostra a campos magnéticos intensos de até 9 T.
Para isso, é essencial analisar a absorção dos raios X em diferentes faixas de energia, ajustados conforme os elementos presentes no material. Essa varredura em energia dos raios X é produzida pelo controle preciso do ondulador delta instalado na linha de luz Sabiá e um monocromador, que permite ajustar tanto a polarização da radiação quanto a faixa de energia de forma extremamente refinada – uma capacidade fundamental para experimentos de XMCD em sistemas complexos como as heteroestruturas estudadas.
O estado de spin invertido
Em condições típicas, os momentos magnéticos induzido por proximidade no gadolínio tendem a se alinhar de forma oposta aos do cobalto. Os dados obtidos na linha de luz Sabiá revelaram que, sob a influência do campo magnético externo e das interações de proximidade com as outras camadas da heteroestrutura de Pt/Co/Gd, parte dos momentos magnéticos do gadolínio longe da interface Co/Gd inverteu sua direção, ou seja, passou a se alinhar no mesmo sentido do cobalto — um comportamento até então não relatado nesse tipo de sistema e chamado de Flipped Spin State (FSS).
Esse novo estado, previsto por meio de simulações teóricas, em que há uma coexistência de momentos magnéticos em direções opostas dentro da mesma camada de gadolínio, foi confirmado experimentalmente graças a possibilidade de sondar individualmente o magnetismo do Gd pela técnica de XMCD, disponível na linha de luz Sabiá do Sirius. Essa descoberta desafia os modelos clássicos de acoplamento magnético e sugere que os estados eletrônicos em heteroestruturas ultrafinas podem ser manipulados de maneira mais complexa do que se pensava anteriormente.
“Apesar de se tratar de uma pesquisa de física fundamental, é possível ter um vislumbre de potenciais aplicações tecnológicas para o estado magnético observado. Ao entender com mais profundidade como os momentos magnéticos se organizam em materiais compostos por camadas tão finas, podemos abrir caminho para o desenvolvimento de novos dispositivos mais eficientes baseado em memória magnética, com implicações em armazenamento de dados.”, destaca Jeovani.Conheça mais sobre a linha de luz Sabiá
Sobre o LNLS
O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) atua na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico envolvendo a luz síncrotron, com foco na operação e exploração do potencial multidisciplinar do Sirius, a mais avançada infraestrutura científica do País. Com dez estações de pesquisa já operacionais e abertas à comunidade científica e industrial, Sirius permite que milhares de pesquisadores de diversas áreas testem hipóteses sobre os mecanismos microscópicos que resultam nas propriedades dos materiais, naturais ou sintéticos, usados em diferentes campos, tais como saúde, meio ambiente, energia e agricultura. O LNLS faz parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), uma Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) abriga um ambiente científico de fronteira, multiusuário e multidisciplinar, com ações em diferentes frentes do Sistema Nacional de CT&I. Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CNPEM é impulsionado por pesquisas que impactam as áreas de saúde, energia, materiais renováveis e sustentabilidade. Responsável pelo Sirius, maior equipamento científico já construído no País. O CNPEM hoje desenvolve o projeto Orion, complexo laboratorial para pesquisas avançadas em patógenos. Equipes altamente especializadas em ciência e engenharia, infraestruturas sofisticadas abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores com o setor produtivo e formação de pesquisadores e estudantes compõem os pilares da atuação deste centro único no País, capaz de atuar como ponte entre conhecimento e inovação. As atividades de pesquisa e desenvolvimento do CNPEM são realizadas por seus Laboratórios Nacionais de: Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Nanotecnologia (LNNano) e Biorrenováveis (LNBR), além de sua unidade de Tecnologia (DAT) e da Ilum Escola de Ciência, curso de bacharelado em Ciência e Tecnologia, com apoio do Ministério da Educação (MEC).