Estudo indica que eucalipto pode ser a chave para uma solução sustentável e econômica na recuperação de solos contaminados por manganês
O manganês (Mn) é um micronutriente essencial para as plantas, mas, em concentrações elevadas, pode se tornar tóxico. No entanto, o Eucalyptus tereticornis demonstra uma notável tolerância ao Mn, mesmo em níveis muito acima dos que causariam danos a outras espécies vegetais. Os mecanismos por trás dessa habilidade não eram compreendidos com base na literatura científica. Em um estudo que monitorou a absorção de Mn nessas plantas, publicado no Journal of Hazardous Materials, pesquisadores do Departamento de Biologia Vegetal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), pertencente ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), demonstraram como o E. tereticornis consegue tolerar e desintoxicar altos níveis de Mn em seu ambiente.
O artigo intitulado “Distribuição e especiação em nível de tecido de manganês foliar em Eucalyptus tereticornis por µ-SXRF e µ-XANES lança luz sobre seus mecanismos de desintoxicação” (em tradução livre), liderado por Vinicius H. De Oliveira da Unicamp, apresenta as localizações no organismo da planta onde o Mn é acumulado, em quais formas esse elemento é assimilado e até elucida alguns dos mecanismos responsáveis por sua habilidade de tolerar altas concentrações do metal. Essa característica pode ser explorada para fins de remediação ambiental, especialmente em solos contaminados.
Segundo o consultor de Ciência do Solo do LNLS, Dr. Dean Hesterberg, um dos autores do artigo, não é apenas a concentração total de Mn que é importante para entender os solos contaminados. “Em solos ácidos, e especialmente sob condições redutoras, os minerais de manganês são mais solúveis, o que geralmente aumenta a disponibilidade de Mn para a absorção pelas plantas. Isso pode impactar as plantas, que absorvem principalmente o Mn dissolvido. E, no Brasil, existem muitos solos ácidos”, afirma Hesterberg.
Técnicas de imageamento com radiação síncrotron
Para obter evidências de como o eucalipto tolera solos ricos em Mn, os pesquisadores mapearam a distribuição de Mn nas folhas de Eucalyptus tereticornis ao longo do tempo. Isso foi possível graças às técnicas avançadas disponíveis na linha de luz Carnaúba, do acelerador de elétrons e gerador de luz síncrotron Sirius. As técnicas utilizadas no estudo incluíram a micro fluorescência de raios X por radiação síncrotron (µ-SXRF) e a micro absorção de raios X perto da estrutura da borda (µ-XANES).
Ambas as técnicas utilizam radiação síncrotron, um tipo de luz emitida quando elétrons são acelerados a velocidades muito próximas à da luz. Isso geralmente ocorre ao fazê-los percorrer um caminho circular, por meio de campos magnéticos fortes, como acontece com a máquina Sirius. A luz síncrotron é incrivelmente brilhante e ajustável em uma ampla faixa de comprimentos de onda. Dessa forma, a linha de luz Carnaúba utiliza luz em comprimentos de onda de raios X produzida pelo acelerador Sirius.
µ-SXRF
A técnica de micro fluorescência de raios X por radiação síncrotron (µ-SXRF) é utilizada para investigar a distribuição e a composição elementar de materiais em escala microscópica. A fluorescência ocorre porque, ao serem expostos a raios X, os átomos na amostra são excitados e emitem raios X secundários (ou fluorescentes) ao se desexcitar. A energia dessas emissões funciona como uma impressão digital de cada elemento químico, permitindo que os cientistas identifiquem e quantifiquem a composição do material estudado.
O pesquisador do LNLS/CNPEM, Dr. Carlos Alberto Pérez, um dos autores do estudo, explica um pouco sobre o funcionamento da técnica: “A µ-SXRF funciona com base em um equipamento óptico de raios X. Ele possui um monocromador, um cristal que define uma energia específica para a excitação da amostra. Outra parte do equipamento é a nanofocalização dessa luz monocromática. Assim, é criado um feixe de raios X que é cerca de 100 vezes menor que um fio de cabelo humano”.
Por meio desse feixe de luz, os pesquisadores conseguem escanear a amostra ponto a ponto, gerando uma imagem com milhares de pixels. A fluorescência de raios X é emitida à medida que o feixe atinge cada um desses pontos. No final, os pixels são computados por um programa para gerar uma imagem, chamada de mapa elementar.
Mapas elementares podem ser construídos para vários elementos químicos específicos. No caso da pesquisa publicada no Journal of Hazardous Materials, o grupo de cientistas montou o mapa elementar do Mn nos tecidos de eucalipto. Dessa forma, puderam comparar a presença de Mn nos tecidos foliares da planta quando ela cresceu em ambiente com abundância de Mn e quando cresceu em condições normais de concentração do metal.
μ-XANES
A micro absorção de raios X perto da estrutura da borda (μ-XANES) é usada para investigar o estado químico e a estrutura eletrônica de elementos específicos em uma amostra. Trata-se de uma sub-técnica da espectroscopia de absorção de raios X (análise de como uma amostra absorve raios X), que se concentra na faixa de energia próxima à borda de absorção do elemento estudado. Por isso, o nome da técnica inclui o termo próximo da borda.
Hesterberg explica: “Diferentemente da µ-SXRF, que é uma técnica de energia fixa e varredura, a μ-XANES é uma técnica de energia variável. A região da borda de absorção é onde há um grande aumento na absorção de raios X pela amostra”.
A análise da região da borda permitiu descobrir o estado de oxidação do manganês, ou seja, se o elemento estava na forma Mn²⁺, Mn³⁺ ou Mn⁴⁺. Assim, a técnica possibilitou aos pesquisadores entender se o manganês estava em uma forma oxidada, ou em um estado mineral, e quais átomos coordenantes provavelmente o cercavam. Isso significa compreender as estratégias que o eucalipto utiliza para se desintoxicar do metal.
Tolerância a altas concentrações de manganês
O estudo demonstrou que o Eucalyptus tereticornis tolera altas concentrações de Mn sem apresentar sintomas visíveis de toxicidade ou diminuição na biomassa foliar. Além disso, as duas técnicas de síncrotron mencionadas foram usadas em três pontos diferentes das folhas do espécime da planta: a nervura foliar, a cavidade secretora e as regiões do mesófilo foliar.
“A análise dos espectros de µ-XANES indicou que o Mn estava mais fortemente ligado a quelantes orgânicos, em vez de estar em um estado mineral. Conhecer essas diferenças na forma química ou da especiação do manganês nos ajuda a identificar como a planta previne a toxicidade causada por esse metal”, afirma Hesterberg.
Os resultados sugerem duas estratégias utilizadas pelo Eucalyptus tereticornis para controlar o excesso de Mn em seus tecidos. A primeira delas é por meio do sequestro vacuolar, ou seja, o armazenamento ocorre em uma região do tecido foliar chamada vacúolo, uma organela que armazena água, alimentos, resíduos e outras substâncias. Isso impede que o metal interfira em processos essenciais, permitindo que a planta prospere mesmo em ambientes ricos em Mn.
Essa conclusão resultou das medições de µ-SXRF, que verificaram um acúmulo de manganês na região do mesófilo foliar, indicando a estratégia de sequestração vacuolar. “O mesófilo possui uma grande proporção de vacúolos, então este seria um local lógico para o manganês se acumular, já que eles absorvem toxinas ou componentes em excesso dos tecidos ao redor”, diz Pérez.
A segunda estratégia é por meio da ligação com ácidos orgânicos (AOs). As medições de µ-XANES revelaram que o Mn nas nervuras foliares estava principalmente ligado a AOs, por exemplo, nas formas de Mn(II)-citrato e Mn(II)-malato. Esse processo de ligação é chamado de complexação — ligação de metais com AOs, o que é semelhante ao mecanismo de quelação usado para remover metais do corpo humano. Esses compostos ajudam a inibir a toxicidade do Mn.
Curiosamente, o Mn não foi encontrado em altas concentrações em cristais de oxalato de cálcio (CaOx), uma estratégia utilizada por outras plantas como sumidouro de Mn.
Uma solução para solos contaminados?
Os resultados do estudo têm importantes implicações além da compreensão de como a biologia das plantas funciona. Como o Eucalyptus tereticornis pode tolerar e desintoxicar altos níveis de Mn, ele poderia ser potencialmente usado para fitorremediação — quando utilizamos plantas para remediar ou limpar ambientes contaminados por substâncias, como metais, por exemplo. Em particular, regiões com solos ácidos poderiam se beneficiar, pois geralmente são ricos em manganês.
Para Hesterberg, “talvez o eucalipto possa ser usado para realizar essa fitorremediação e desenvolver um produto útil com mais benefícios devido a produção de eucalipto, do que tratando o solo quimicamente. Podemos calcular quantos anos seriam necessários para limpar uma área dessa forma, o que poderia levar décadas. No entanto, essa pode ser uma estratégia de baixo custo e muito low-tech”. Além disso, esse uso do eucalipto “pode ser mais adequado para áreas que não são utilizadas, ou mesmo abandonadas há muitos anos”, acrescentou Pérez.
Dado o valor econômico das espécies de eucalipto, por meio da produção de celulose, madeira ou óleos essenciais, o E. tereticornis pode oferecer um benefício duplo: limpeza ambiental combinada com retorno econômico.
No entanto, mais pesquisas ainda são necessárias para explorar mais profundamente os mecanismos moleculares subjacentes, a fim de aprimorar as estratégias de desintoxicação utilizando espécimes vegetais.
Segundo Pérez, outros elementos, como ferro e zinco, que são essenciais para as plantas, podem ser pesquisados utilizando as técnicas da linha de luz Carnaúba. Hesterberg também deu ideias sobre possíveis questões a serem investigadas no CNPEM: “Por exemplo, existem outras espécies que podem acumular mais manganês? Esses mecanismos de desintoxicação podem ser generalizados para outras plantas? Seria possível modificar geneticamente essas plantas para aumentar sua capacidade de fitorremediação? Também seria interessante investigar como outros nutrientes afetam o acúmulo de manganês”.
Saiba mais sobre a linha de luz Carnaúba
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) abriga um ambiente científico de fronteira, multiusuário e multidisciplinar, com ações em diferentes frentes do Sistema Nacional de CT&I. Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CNPEM é impulsionado por pesquisas que impactam as áreas de saúde, energia, materiais renováveis e sustentabilidade. Responsável pelo Sirius, maior equipamento científico já construído no País. O CNPEM hoje desenvolve o projeto Orion, complexo laboratorial para pesquisas avançadas em patógenos. Equipes altamente especializadas em ciência e engenharia, infraestruturas sofisticadas abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores com o setor produtivo e formação de pesquisadores e estudantes compõem os pilares da atuação deste centro único no País, capaz de atuar como ponte entre conhecimento e inovação. O CNPEM é responsável pela operação dos Laboratórios Nacionais de Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Nanotecnologia (LNNano) e Biorrenováveis (LNBR), e também pela Ilum Escola de Ciência, curso de bacharelado em Ciência e Tecnologia, com apoio do Ministério da Educação (MEC).