Estudo publicado na revista Nature Chemical Biology ajuda a entender os mecanismos envolvidos em transtornos do neurodesenvolvimento
Assessoria de Comunicação em 12/12/2018
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em colaboração com pesquisadores do Instituto de Biociências da USP e da Universidade de Washington, acabam de publicar um artigo na Nature Chemical Biology, que documenta, pela primeira vez, o mecanismo de atuação de uma nova mutação genética identificada em pacientes com deficiência intelectual, condição antes chamada de “retardo mental”. Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo National Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos, a descoberta abre perspectivas para a compreensão dos processos relacionados a alterações que provocam atraso no desenvolvimento intelectual, passo chave para o desenvolvimento de possíveis novas terapias.
A nova mutação foi descoberta a partir de um exame genético chamado sequenciamento de exoma e foi identificada no gene UBE2A. A primeira mutação neste gene foi descrita em 2006 por um grupo de pesquisa brasileiro, também do Instituto de Biociências da USP, e desde então a síndrome passou a ser chamada de deficiência intelectual tipo Nascimento, em homenagem à primeira autora do trabalho inicial, a brasileira Rafaella Nascimento.
O gene UBE2A está localizado no cromossomo X e sua mutação causa uma síndrome pouco conhecida e, provavelmente, subnotificada. Essa síndrome apresenta quadro clínico com manifestações variáveis, incluindo deficiência intelectual, que pode variar de grau moderado a grave, comprometimento de fala, convulsões e alterações de face.
Sobreposição da estrutura da proteína UBE2A do paciente (azul) com a proteína normal (cinza), evidencia semelhança entre elas. À direita está mostrado em detalhe o único aminoácido alterado na proteína do paciente devido à mutação genética.
Da clínica à pesquisa em nível atômico
Neste estudo foram usados os dados obtidos a partir da análise do sequenciamento de exoma de uma família atendida no Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (Instituto de Biociências da USP), com dois irmãos afetados por deficiência intelectual leve.
Combinando diversas técnicas de análise de última geração, incluindo análise de cristais de proteínas por meio de luz síncrotron, a equipe coordenada pela pesquisadora do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), Juliana Oliveira, responsável pelo estudo, desvendou como a mutação genética impacta na estrutura da proteína UBE2A e, consequentemente, altera a sua função.
Cristais da proteína mutada dos pacientes atendidos na USP, submetidos à análise na fonte de luz síncrotron do CNPEM
A proteína UBE2A participa do processo de “marcação” de proteínas defeituosas dentro da célula que, em condições normais, são enviadas para degradação. Essa marcação é feita por meio da adição da proteína ubiquitina nas proteínas defeituosas, como se fosse uma etiqueta. Na proteína UBE2A mutada foi observado um desequilíbrio em seu ambiente químico, causado pela mutação, com consequências para a atividade dessa proteína. O estudo mostra que a reação química necessária para a transferência da molécula de ubiquitina, durante o processo de etiquetagem de proteínas defeituosas, é prejudicada pela carga elétrica negativa inserida na proteína pela mutação.
Quando esse tipo de perturbação no funcionamento celular acontece em neurônios, é provável que ocorram problemas que afetem o correto desenvolvimento do sistema nervoso durante a embriogênese assim como seu funcionamento, gerando sequelas como a deficiência intelectual.
A pesquisa constatou também que uma interferência no ambiente químico, com aumento do pH, é capaz de fazer a proteína mutada voltar a atuar normalmente.
Próximos passos
Embora não seja possível reverter a deficiência intelectual dos irmãos que protagonizam essa pesquisa, o entendimento do mecanismo de funcionamento dessa proteína defeituosa na síndrome tipo Nascimento representa um importante passo inicial na busca por recursos que possam, no futuro, trazer melhorias para a qualidade de vida dos portadores de deficiência intelectual causada por mutações em vias relacionadas.
No momento, os pesquisadores do LNBio estão gerando a mutação em células tronco humanas e também em animais para estudar como a presença da proteína mutada interfere nas diferentes fases do desenvolvimento cerebral e seu impacto no comportamento.
A expectativa é que, em breve, esses ensaios com células de mamíferos possam ser analisados no Sirius, o novo acelerador de elétrons brasileiro. Novas análises de luz síncrotron devem elucidar se a mutação afeta a organização do sistema nervoso.
Compreender os mecanismos de funcionamento das proteínas relacionadas aos transtornos do neurodesenvolvimento, em especial como as mutações levam ao surgimento deles, pode ser a chave para o desenvolvimento de possíveis novas terapias.
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e Comunicações (MCTIC). Localizado em Campinas-SP, possui quatro laboratórios referências mundiais e abertos à comunidade científica e empresarial. O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) opera a única fonte de luz Síncrotron da América Latina e está, nesse momento, envolvido no desenvolvimento do Sirius, o novo acelerador brasileiro, de quarta geração, para análise dos mais diversos tipos de materiais, orgânicos e inorgânicos; o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) promove pesquisa e inovação nas áreas de saúde e biotecnologia, com foco na descoberta de novos fármacos e mecanismos de doenças; o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia de Bioetanol (CTBE) investiga novas tecnologias para a produção de etanol celulósico; e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) realiza pesquisas com materiais avançados, com grande potencial econômico para o país. Os quatro Laboratórios têm, ainda, projetos próprios de pesquisa e participam da agenda transversal de investigação coordenada pelo CNPEM, que articula instalações e competências científicas em torno de temas estratégicos.
Sobre o Sirius
Sirius, a nova fonte de luz síncrotron brasileira, será a maior e mais complexa infraestrutura científica já construída no País e uma das primeiras fontes de luz síncrotron de 4ª geração do mundo. É planejada para colocar o Brasil na liderança mundial de produção de luz síncrotron e foi projetada para ter o maior brilho dentre todos os equipamentos na sua classe de energia. Fontes de luz síncrotron constituem o exemplo mais sofisticado de infraestrutura de pesquisa aberta e multidisciplinar e é uma ferramenta-chave para a resolução de questões importantes para as comunidades acadêmica e industrial brasileiras. A versatilidade de uma fonte de luz síncrotron permite o desenvolvimento de pesquisas em áreas estratégicas, como energia, alimentação, meio ambiente, saúde, defesa e vários outros. Essa é a razão pela qual a tecnologia da luz síncrotron se torna cada vez mais popular ao redor do mundo. É também o motivo pelo qual os países com economias fortes e baseadas em tecnologia já contam com uma ou mais fontes de luz síncrotron, ou as estão construindo.