Nova Cana em 05/12/2017
Levantamento mostra o tamanho das perdas geradas pela falta de desenvolvimento da mecanização. CTBE relata que, em busca de melhores resultados, usinas estariam voltando para um plantio semimecanizado
esmo com o elevado nível de mecanização no Brasil, a colheita da cana-de-açúcar ainda apresenta uma série de gargalos e desafios tecnológicos. Os equipamentos utilizados nos canaviais não atendem às necessidades do campo e não cumprem os requisitos para um manejo eficiente.
A questão não é exatamente novidade para quem trabalha com a cultura canavieira e, de acordo com o coordenador da Divisão Agrícola do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), Henrique Franco, não há indicativos de que o maquinário para a cultura de cana deva passar por um grande avanço do ponto de vista tecnológico no curto ou no médio prazo.
Por enquanto, os problemas causados pela mecanização desse processo são muitos. Entre eles estão a compactação do solo causada pelo tráfego constante das máquinas, o consumo excessivo de mudas e os elevados índices de perdas nos canaviais.
Segundo dados apresentados pelo pesquisador, com o avanço da mecanização, os canaviais apresentaram uma queda brusca de produtividade e o indicador tem demonstrado poucos avanços nos últimos anos. Assim, o setor ainda não demonstrou que conseguirá recuperar os índices vistos em safras anteriores.
“A cana produz muito bem se não tiver maquinário trafegando sobre ela e isso influencia diretamente na longevidade do canavial e nas perdas de colheita.”
Ele explica que, entre 2004 a 2006, os canaviais que apresentavam uma produtividade média da ordem de 80 toneladas por hectare, hoje apresentam algo em torno de 70 t/ha. “O resultado ruim veio mesmo com o lançamento de diversas variedades [durante esse período] com potencial genético superior das plantadas naquela época”, argumenta.
Franco afirma que a colheita mecanizada, principalmente no Brasil, é um processo irreversível – especialmente por causa das leis ambientais em relação à queima de cana e da falta de disponibilidade de mão-de-obra para a realização do processo manualmente.
Quando se observa áreas tradicionais como Ribeirão Preto, segundo ele, a produtividade não cresceu nos últimos dez anos. “O que mais contribuiu para a queda da produtividade brasileira nesse período foi a mecanização”, afirma.
O tamanho da perda
“O que mais contribuiu para a queda da produtividade brasileira foi a mecanização”
Henrique Franco, coordenador da divisão agrícola do CTBE
O estudo realizado pelo CTBE englobou especificamente os gastos com a colheita mecanizada. O objetivo foi mensurar o quanto a falta de investimento nessa área representa em valores perdidos pelo setor. Os resultados revelam que a perda seria suficiente para a aquisição nove usinas de etanol com capacidade de moagem de 2,5 milhões de toneladas por safra. O prejuízo ultrapassa os R$ 4,5 bilhões. “É muito dinheiro”, analisa.
O cálculo foi realizado utilizando como base um valor de transação de US$ 60 por tonelada de capacidade e um câmbio de R$ 3,33.
O coordenador estima que, hoje, de 9 milhões de hectares colhidos em média por safra, 75% são de forma mecanizada. Isso representa um total de 6,8 milhões de toneladas, relata o pesquisador, que se utilizou de dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC).
Levando em conta uma produtividade média de 76 toneladas por hectares, ele chega a uma produção aproximada – apenas de colheita mecanizada – de 517,8 milhões de toneladas de cana-de-açúcar.
As perdas produtivas dos canaviais brasileiros são habitualmente calculadas em 5%. No entanto, ele acredita que, na realidade, elas chegariam a algo em torno de 10%. “Normalmente as usinas apenas levam em conta as perdas visíveis. Quando se considera as perdas invisíveis, o volume dobra”, aponta. As perdas invisíveis são aquelas de difícil quantificação no campo.
As perdas de 10% representam 50 milhões de toneladas de cana perdidas no Brasil, todas as safras, apenas nas áreas com mecanização.
Além disso, há ainda uma estimativa do quanto de terra entra na indústria e impacta nos custos de manutenção – outro problema potencializado pela colheita mecanizada. Segundo estudos, cada 1% de acréscimo de impurezas na cana resulta em um aumento proporcional nos custos de transporte e de manutenção de equipamentos industriais.
A avaliação, produzida pela divisão agrícola do CTBE, mostra que ainda existe muito espaço para avançar em direção à melhoria de práticas agrícolas. “Esse valor [de R$ 4,5 bi], que pode ser considerado de certa forma conservador, poderia ser investido em inovação, por exemplo”, completa Franco.
Solução no curto prazo
Na opinião do coordenador do CTBE, o tráfego descontrolado, que é quando as máquinas pisoteiam as linhas de cana, é um dos empecilhos para o Brasil não ter uma melhor produtividade em seus canaviais. Franco pondera que há ainda outros fatores associados ao processo a serem considerados, como as épocas de colheita inadequadas, a dificuldade de oferta de mão de obra treinada para realizar as operações mecanizadas ou mesmo o uso de determinadas variedades de cana inadequadas à mecanização.
No entanto, sob o ponto de vista da circulação do maquinário, há algumas medidas de curto prazo que podem ser tomadas para recuperação da produtividade. “A falta de controle tráfego afeta diretamente o potencial produtivo. Quando nós, em experimentação no CTBE, controlamos para que as rodas passem sempre no mesmo local e não trafeguem sobre a linha de cana os resultados obtidos são bastante evidentes”, explica o pesquisador.
Ele ainda afirma que quando se fala na resolução dos problemas ocasionados pela mecanização é dada muita ênfase no manejo varietal. No entanto, no curto prazo, uma solução em paralelo para diminuir as perdas de produtividade seria controlar o tráfego com o uso de piloto automático ou GPS, além de fazer um cruzamento para adequar o espaçamentos das linhas de canaviais e a bitolas dos maquinários, para que o trânsito seja sempre conduzido nas entrelinhas. “Não adianta melhorar o solo, adubar, usar fertilizantes e plantar as melhoras variedades se continuarmos pisoteando e trafegando sobre a cultura”, finaliza.
Simulações
Simulação de corte de base flutuante (prototipagem virtual)
O CTBE ainda realizou simulações que possibilitam a avaliação do funcionamento do mecanismo de corte de base flutuante, bem como a determinação das cargas dinâmicas para o cálculo estrutural, como a variação das tensões no braço da roda de flutuação da colhedora, por exemplo.
O sistema de corte das colhedoras de cana-de-açúcar interfere diretamente na qualidade da cana fornecida para a indústria e na manutenção da produção de cana-de-açúcar nos anos posteriores, que é prejudicada em função do arranquio de soqueiras.
Simulação realizada pelo CTBE/CNPEM
Após o desenvolvimento do protótipo virtual e das avaliações via simulação computacional, o CTBE desenvolve protótipos em escala real de projeto e faz a validação experimental de todos os mecanismos por meio de testes em campo, procurando reproduzir com a máxima fidelidade todos os parâmetros visualizados em cálculos computacionais.
Os números apresentados pelo laboratório mostram uma diferença de, em média, 17% no rendimento por hectare entre as produções com controle de tráfego e sem. A análise é feita durante os vários cortes de cana e a diferença no indicador chega a até 28% no quinto corte dos canaviais.
Plantio mecanizado
Apesar de não calcular o quanto é perdido devido ao plantio mecanizado, o CTBE ainda estima que, na região Centro-Sul, as usinas investem o equivalente a R$ 975 milhões por safra com essa prática. No caso dessa etapa, segundo relata Franco, devido aos elevados custos e às falhas no processo, muitas usinas têm migrado para um plantio semimecanizado, seguindo a mesma lógica da colheita.
“Acabamos juntando uma tecnologia que não é muito apropriada, gastando mais toneladas de cana por hectare para plantar canavial fora de uma época favorável para o brotamento. Com tantas falhas, há a necessidade replantio, onerando o custo de produção”, afirma, e completa: “Em 2017, o montante de usinas que utiliza esse tipo de técnica [plantio semimecanizado] subiu de 15% para 35% no Centro-Sul”.