Agência FAPESP, em 20/06/2011
Pesquisadores do Laboratório de Nefrologia Celular, Genética e Molecular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) deram um passo importante para ampliar o entendimento sobre o mecanismo de uma doença que afeta uma em cada 400 a 1.000 pessoas em todo o mundo. Eles elucidaram propriedades moleculares estruturais de uma proteína cujo compromentimento funcional exerce um importante papel para o desenvolvimento da doença renal policística autossômica dominante (DRPAD).
A doença, que é caracterizada pela formação de múltiplos cistos (formações em bolsa cheias de líquido) nos rins e no fígado, assim como pelo acometimento de outros órgãos, em muitos casos, é causada por mutação nos genes PKD1 (policystic kidney disease 1) ou PKD2, em decorrência da perda da função das proteínas codificadas por eles: respectivamente, a policistina-1 (PC1) e a policistina-2 (PC2), cuja atividade é controlada pela primeira.
Canal de cátions não seletivo com permeabilidade ao cálcio, a PC2 possui uma extremidade intracitoplasmática carboxi-terminal (PC2t) que desempenha um papel muito importante na interação física da PC2 com diversas proteínas, incluindo a PC1.
Devido à grande importância dessa parte da proteína, os pesquisadores brasileiros decidiram analisar o arranjo macromolecular do complexo protéico (homo-oligômero) formado pela PC2t, utilizando uma série de técnicas e análises moleculares, biofísicas e bioquímicas.
Resultado da pesquisa de pós-doutorado do físico Frederico Moraes Ferreira, intitulada “Análise estrutural de proteínas relacionadas à doença renal policística autossômica dominante”, realizada com Bolsa da FAPESP, o estudo foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
“Trata-se de uma pesquisa muito importante nas áreas médica e de biofísica, por elucidar propriedades estruturais do domínio intracitosólico carboxi-terminal da policistina-2, que tem enorme importância biológica”, disse Luiz Fernando Onuchic, coordenador do Laboratório de Nefrologia Celular, Genética e Molecular da FMUSP, um dos autores e coordenador da pesquisa, à Agência FAPESP.
As técnicas utilizadas pelos pesquisadores para analisar a PC2t, que incluíram, entre outras, espectroscopia de massa, espalhamento de raios X a baixos ângulos e espalhamento dinâmico de luz, foram conduzidas em experimentos feitos na Faculdade de Medicina da USP, no Instituto de Física da USP de São Carlos e no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas (SP).
Por meio delas, os pesquisadores puderam observar que a PC2t é capaz de se organizar como um homotetrâmero (composto por quatro unidades da proteína), sugerindo que esse domínio possa direcionar o arranjo molecular da PC2. A organização tetramérica da PC2, por sua vez, ocorre tanto na presença quanto na ausência do cálcio.
Para corroborar esses dados experimentais, o grupo iniciou uma colaboração com o pós-doutorando Leandro de Oliveira, da Universidade de Brasília (UnB) e do Centro de Física Biológica Teórica da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos, para fazer a análise teórica. Os resultados das simulações de dinâmica molecular, amparadas nos dados experimentais, apoiaram as análises experimentais realizadas pelos pesquisadores.
“Demonstramos a organização molecular experimentalmente e depois fizemos análises de dinâmica molecular, obtendo resultados que se mostraram de acordo com o modelo que propusemos”, disse Onuchic.
Segundo ele, os resultados do modelo molecular da PC2t deverão servir de ponto de partida para que se passe a focar em questões direcionadas à arquitetura da PC2, assim como em papéis específicos de seu comprometimento funcional no desenvolvimento da doença.
“Na medida em que são elucidadas as propriedades estruturais dessa porção da molécula e a arquitetura e as propriedades funcionais da PC2, abrem-se perspectivas muito boas para o avanço na compreensão dos mecanismos da doença e, consequentemente, no desenvolvimento de intervenções terapêuticas”, afirmou.
No momento ainda não existe um tratamento específico para a doença, embora estudos estejam sendo conduzidos com algumas drogas. Segundo estimativas, a enfermidade afeta mais de 600 mil pessoas nos Estados Unidos e é responsável por cerca de 5 a 10% dos casos de doença renal crônica terminal, em que as únicas opções para os pacientes são a diálise ou o transplante renal.
No Brasil, onde não há dados oficiais sobre o número de pessoas afetadas pela doença, um estudo inicial estimou que ela represente 7,5% dos casos de doença renal crônica terminal no Sul do país.
O artigo Macromolecular assembly of polyscystin-2 intracytosolic C-terminal domain(doi: 10.1073/pnas.1106766108), de Luiz Fernando Onuchic e outros, pode ser lido por assinantes da PNAS em www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1106766108.
Repercussão: Jornal Pequeno