Canal Jornal da Bioenergia, em 05/12/2012
Evandro Bittencourt
Engenheiro mecânico de produção formado pela Escola Politécnica da USP, José Luiz Olivério é vice-presidente de Tecnologia e Desenvolvimento da Dedini S/A Indústrias de Base. Representa a indústria de equipamentos na Câmara Setorial do Biodiesel e, de 2004 a 2007, atuou na mesma função na Câmara do Açúcar e do Álcool, ambas do Ministério da Agricultura.
É membro do Conselho de Tecnologia e do Conselho Superior do Agronegócio (ambos da Fiesp), do Conselho de Orientação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), do Conselho Consultivo Internacional da Fundação Dom Cabral (FDC), membro do Comitê Técnico de Bens de Capital do Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroalcooleiro e Energético (Ceise Br) e membro do Comitê Técnico-Científico do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE).
Foi professor, chefe de departamento, membro do Conselho Departamental e da Congregação da Fundação Educacional Inaciana (FEI) e professor do Curso de Extensão Universitária na Mauá.
O senhor acredita que o País possa realmente passar por um apagão de combustíveis em até dois anos caso o governo não adote medidas consistentes de apoio ao setor sucroenergético?
É muito difícil falar com certeza, mas há indício de que isso realmente pode ocorrer porque o abastecimento de combustíveis estava indo numa certa direção. E o que se imaginava é que dos combustíveis que abastecem os veículos de ciclo Oto o etanol continuaria sendo o principal e isso foi o que aconteceu até 2010. Mas devido a uma série de fatores, principalmente as consequências da crise financeira de 2008, e a falta de investimentos em aumento de capacidade, houve uma redução na produção de etanol decorrente da redução da produção de cana quando a demanda era crescente. E isso foi reconhecido muito tardiamente, muito em cima da ocorrência do fato de não haver etanol suficiente, o que levou a uma série de medidas de urgência que, infelizmente, estão permanecendo até hoje, porque a Petrobras se viu com o problema de garantir o abastecimento nacional. E a empresa estava contando que os veículos de ciclo Oto seriam abastecidos com etanol. Ela estava exportando gasolina e se concentrando no refino de diesel. Com a falta do etanol o que aconteceu foi que, de uma hora para outra, foi necessário mudar essa tendência. Houve uma demanda imprevista de gasolina, a Petrobras teve que deixar de exportar a gasolina como ela fazia e teve que passar a importar.
E o sistema de distribução não estava preparado para isso.
Sim, foram soluções de emergência, de curto prazo, não foram otimizadas. Não havia tanques regionais e foi um esforço enorme garantir o abastecimento justamente por falta dessa produção de etanol. A partir daí se identificou o problema, mas não houve solução. Hoje continua ocorrendo uma menor produção de cana do que é necessário para atender a demanda. Nós estamos com uma produção de cana da ordem de 600 milhões de toneladas por safra, uma capacidade industrial um pouco acima, da ordem de 700 milhões de toneladas por safra, mas a demanda está num nível de 800 milhões de toneladas de cana para fazer açúcar e etanol. Nesse momento nós deveríamos estar num processo de expansão, tanto da área de cana, quanto na implantação de usinas novas e isso não está acontecendo. Se não forem anunciadas as medidas que restabeleçam a confiança do investidor, o setor vai continuar, por alguns anos, com uma produção de cana ainda insuficiente e uma capacidade industrial também insuficiente para um mercado que é altamente demandante. Se não houver medidas de políticas públicas, principalmente, que restabeleçam a confiança do investidor no aumento da capacidade agrícola e industrial, nós vamos realmente ter essa capacidade do cenário atual por muito tempo.
Como o senhor avalia as tecnologias disponíveis no Brasil, atualmente, para a produção de etanol, açúcar e bioeletricidade ?
São tecnologias no Estado da arte. Hoje nós temos no Brasil, tanto para produzir açúcar, etanol e bioeletricidade, as melhores tecnologias disponíveis mundialmente. Em alguns casos, nós até estamos acima, somos referência para essas tecnologias, somo o benchmarking mundial para essas tecnologias. Mas isso não quer dizer que não se possa melhorar. Existe a possibilidade de termos ainda um progresso bastante grande na área de tecnologia. Mas se compararmos no contexto mundial, com a tecnologias que existem em outros países, estamos muito bem situados.
A crise de 2008 impactou no desenvolvimento dessas tecnologias?
A curto prazo não, mas hoje ela já está impactando, pois quem possibilita o desenvolvimento de tecnologia é o mercado. Quando se tem um mercado vigoroso as empresas, pelo estímulo que recebem, investem bastante no desenvolvimento de tecnologias. Até 2008 nós estávamos vindo de um crescimento enorme, com a continuidade dos investimentos em tecnologia, mas já a partir de 2010 os investimentos começaram a diminuir. E isso gerou um fato perverso. Aquelas tecnologias que estavam em desenvolvimento e que se completaram até 2010, 2011 ainda não foram implantadas, elas estão estocadas, esperando novos investimentos. Essas novas tecnologias serão incorporadas quando o setor voltar a investir em aumento de capacidade e em usinas novas.
Como está a demanda por equipamentos e usinas prontas no Brasil e quais as perspectivas para os próximos anos?
O setor não parou de investir. Ele continua a fazê-lo, mas num ritmo menor. Continuam os investimentos de entressafra, normalmente, a parte toda de recondicionamento da usina, troca de peças sobressalentes e ajustes dos equipamentos. Já em relação aos equipamentos novos o setor não está investindo em aumento de capacidade, mas ele está investindo em diversificação. Ou seja, quem está fazendo etanol coloca uma fábrica de açúcar. Nesse caso, com a mesma quantidade de cana ele também passa a produzir açúcar, aumentando a sua capacidade. Muitas vezes a usina produz álcool hidratado, que abastece o veículo flex, mas a demanda está boa em anidro, para a mistura com a gasolina. Nesse caso ela põe uma unidade de desidratação para completar o processo de transformar a cana em etanol anidro. Outras vezes a usina está produzindo açúcar e etanol e tem o interesse de vender energia elétrica para a rede. Nesse caso ela investe em energia, compra caldeiras, turbinas etc. O setor tem investido nessa diversificação, assim como em troca de equipamentos em fim de vida ou para ganhar mais eficiência. Esse ciclo de investimento em diversificação acomoda a produção da usina à demanda do mercado, mas não é tão representativa quanto os investimentos em greenfields, em que há uma demanda por todos os equipamentos da linha e não só de alguns específicos.
E há sinais de que o setor vai voltar a investir?
Os sinais, hoje, são de que o setor vai voltar a investir. Digo isso porque estamos perdendo muita coisa ao não ter uma produção adequada do setor sucroenergético. Hoje nós temos problemas com a Petrobras, que está tendo prejuízo, estamos tendo problemas na balança comercial pois, em vez de exportar gasolina, estamos importando, em vez de exportar etanol, às vezes até o importamos. Já estamos com problemas na balança de pagamentos e tem diminuído o saldo comercial do País. Aquele crescimento que se verificou de forma intensa, principalmente na região das novas fronteiras, como é o Centro-Oeste, já diminuiu. Toda aquela evolução social que se tem associada à implantação de usinas novas está sendo estabilizada. Nós precisamos crescer mais, criar mais empregos, distribuir mais renda e estender benefícios sociais. Se comparamos a energia da cana com a energia do petróleo, a que tem maior impacto social é a energia da cana, pois é ela quem cria mais emprego e distribui melhor a renda, afetando uma comunidade muito maior do que o crescimento promovido pelo petróleo, que é um mundo muito pequeno. Não há a promoção de um movimento regional e a universalização do desenvolvimento quando se investe mais em petróleo e menos em cana. Por isso, como o País precisa crescer e melhorar suas contas no exterior, caminhando no sentido da sustentabilidade, tudo isso vai levar a uma solução de curto prazo. Nós já estamos sentindo isso na Dedini. Não estamos fechando negócios, mas estamos fazendo orçamentos. Temos tido muitos contatos de clientes procurando atualizar os orçamentos antigos, que estavam parados devido à crise. Os sinais são de que o setor acredita no anúncio de medidas que vão possibilitar a retomada do investimento e do crescimento do setor.
O segmento das indústrias de bens de capital, do qual faz parte a Dedini, tem conseguido uma boa interlocução com o governo federal no que se refere às dificuldades enfrentadas pelo setor industrial?
O governo está muito sensível aos problemas que a indústria está sofrendo. Muito se fala nos jornais em desindustrialização, em retomar o crescimento do setor de bens de capital. O reconhecimento do problema existe, não só com o setor de bens de capital, mas de maneira geral para a área industrial. O que não me parece suficiente é que as medidas que estão sendo tomadas são pontuais, a exemplo da desoneração fiscal das empresas automobilísticas, dos eletrodomésticos da linha branca e a da indústria têxtil. Isso é medida de emergência, não é uma medida estruturada, de política industrial. O que eu acho que está faltando são definições de médio e longo prazos. O governo se mostra sensível ao atender essas emergências, mas isso não é suficiente para proporcionar uma retomada do investimento. É suficiente apenas para salvar o nível de operação e a indústria de bens de capital vive de novos investimentos, ela vive do crescimento. É diferente de uma indústria automobilística que vive do consumo e de uma indústria de eletrodomésticos, que vive de uma linha de crédito que facilita o fluxo de caixa.
As descobertas de petróleo na camada pré-sal já apresentam reflexos de demanda na indústria de base?
Muito pouco, ainda. Nós estamos numa fase de entender bem o que é o pré-sal. É um patrimônio enorme que o País tem, uma vantagem competitiva para nós que tem de ser aproveitada, mas as condições para isso ainda são, tecnicamente, muito difíceis. Existe algum investimento, mas não no ritmo suficiente para promover um crescimento do setor de bens de capital. Mas ele deve ser continuado e deve ter um efeito importante, mas isso ainda vai demorar algum tempo.
Como a indústria de base pode colaborar para aumentar a produtividade das usinas sucroenergéticas brasileiras?
Grande parte das tecnologias que têm sido introduzidas nas usinas é desenvolvida na indústria de equipamentos. Tem uma parte que a própria usina faz, outra parte é dos centros de pesquisa e consultorias, mas, ao final, é preciso por uma máquina para fazer o que foi elaborado e obter resultado de uma forma adequada, em escala e confiabilidade. Por isso, a contribuição que a indústria de equipamentos faz é total. E nesse caso, na indústria sucroenergética, os equipamentos são 100% produzidos no País. É o único caso no Brasil que nós dominamos a tecnologia em todos os níveis, seja na pesquisa, no desenvolvimento, na engenharia, na fabricação, na montagem e na operação.
Não há nenhum outro setor da atividade econômica do Brasil que nós dominamos tudo. A da indústria automobilística vem de fora; na de celulose a tecnologia do processo está nos países escandinavos e no Canadá; em mineração compramos tecnologia do Japão e da Alemanha. O setor de cana é o único que é 100% brasileiro, a não ser por pequenos componentes eletrônicos que são feitos na China. A contribuição que o setor tem dado é de ter possibilitado todo esse desenvolvimento. No início do Proálcool, por exemplo, com seis moendas de 78 polegadas eram processadas 5,5 mil toneladas de cana por dia. Hoje o mesmo equipamento possibilita processar 15 mil toneladas de cana por dia e esse foi um desenvolvimento brasileiro. Naquela época, as moendas tiravam 93% do açúcar. Hoje, mesmo aumentando a moagem, tira 97%. Antes fazíamos 66 litros de etanol por tonelada de cana, hoje fazemos 87 litros. Tudo isso foi uma contribuição de muitos, mas em todos eles a indústria de bens de capital esteve presente.
Como se dá a sinergia da indústria de bens de capital com as instituições de pesquisa?
Nós trabalhamos muito em contato com universidades e centros de pesquisa, principalmente na fase de concepção das soluções e na fase de engenharia processual. Não temos participação na parte do projeto do equipamento, pois aí é qualificação interna da empresa, mas temos muitos trabalhos juntos. Temos um bom entrosamento com a Unicamp, com a USP de São Carlos, a Esalq de Piracicaba, com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Nós trabalhamos muitas vezes em conjunto e, em outras, contratando um serviço que é intermediário e faz parte do processo de desenvolvimento.
Como a preocupação com a preservação ambiental se insere no processo produtivo das indústrias de bens de capital, a exemplo da Dedini?
Em relação ao setor sucroenergético, sobre o qual eu posso falar melhor, o reconhecimento de que nós precisamos melhorar a sustentabilidade dos processos e das usinas teve início no começo da década de 2000. Nós começamos a estudar o assunto e a desenvolver processos de maior sustentabilidade, ou seja, que não contaminem o meio ambiente e possibilitem melhorias nas condições agrícolas e industriais. E chegamos a enxergar a usina como um todo na ótica da sustentabilidade. Foi um enfoque diferente, inovador. Todos procuram analisar a usina – e nós também – para ter mais açúcar, mais etanol e mais energia elétrica com a mesma quantidade de cana, mas ninguém tinha, ainda, avaliado a usina, no seu todo, procurando desenvolver soluções ambientalmente amigáveis. E foi isso o que nós fizemos. Nós chegamos como solução a processos que atendem ao que chamamos de conceito zero. Hoje temos na usina sustentável Dedini processos que não têm resíduos, efluentes líquidos nem odor desagradável e que não usa água, apenas recicla a água da cana e tem uma condição máxima de mitigação de gases do efeito estufa, que promovem o aquecimento global. Terminamos o desenvolvimento dessa usina em 2009 e estamos aguardando um projeto greenfield para implantar tudo isso que está disponível.
Que avaliação o senhor faz dos investimentos em bioeletricidade no Brasil por parte do poder público e da iniciativa privada?
Acho que tem de haver uma reorientação. O programa teve resultados no começo, com os leilões, o que levou a um crescimento da produção e do fornecimento de bioeletricidade para a rede. Mas ultimamente a forma de conduzir os leilões não tem atraído investidores. Isso tem que ser reformulado de várias formas, fazendo leilões específicos de biomassa. Hoje nós estamos usando energia de usinas térmicas, que custam muito mais caro, pela falta de investimento adequado na produção de energia elétrica por meio da biomassa, a exemplo do bagaço da cana-de- açúcar.
Como o senhor vê o Estado de Goiás no cenário nacional da produção de cana-de-açúcar e seus derivados?
É uma nova fronteira agrícola pujante, que está possibilitando um crescimento substancial do setor sucroenergético. E o que é muito bom é que ainda há condição de expandir muito mais. Ela disponibiliza uma área de expansão de cana – que vai possibilitar a produção de uma energia renovável – que não se encontra em outros países.
Hoje o crescimento da área agrícola para a função energética está limitada no mundo inteiro pela necessidade de uso da área para a produção de alimentos. Esse dilema nós não vivemos aqui no Brasil, onde temos um plano de zoneamento agroecológico que define exatamente quais são as áreas em que se pode expandir sem impacto ambiental e sem competir com alimento.
Goiás está numa posição privilegiada e tenho a convicção que, com essa retomada de investimentos que está próxima, muitos novos investimentos vão surgir. Acredito ser fundamental que esse estímulo para a implantação de novas usinas no Estado permaneça, pois será em benefício do Estado de Goiás e do Brasil como um todo.
José Luiz Olivério, vice-presidente da Dedini