Folha de S. Paulo, em 06/01/2012
Por Rogério Cézar de Cerqueira Leite
Atualmente, é consenso no mundo acadêmico que o mais eficiente instrumento de desenvolvimento científico, tecnológico e cultural é a escola de pós-graduação.
Todavia, esse é um mecanismo recente, exceto nos EUA, onde começou a se instalar já na primeira metade do século 20. Na França, o “doctorat de troisième cycle”, que imitava o sistema de pós-graduação americano, só teve início em meados da década de 1950.
O mesmo aconteceu com o Japão e com a maioria das nações europeias. Não é, portanto, de se estranhar que também no Brasil os cursos de pós-graduação tenham tomado tanto tempo para serem instalados.
O primeiro mestrado brasileiro foi na área de eletrônica, no ITA, em 1964. A primeira escola de doutoramento só veio a ser iniciada em 1970, na Unicamp, em física.
Por outro lado, a primeira bolsa para estudos no exterior foi concedida a Carlos Gomes por dom Pedro 2º. No final da década de 1950, o número de bolsas para pós-graduação no exterior concedidas pelo recém-criado CNPq era irrisória, talvez umas vinte por ano.
Foi na administração Sarney que aconteceu o grande salto. Foram oferecidas mil bolsas. E, com isso, vieram muitas distorções.
Algumas universidades inglesas e espanholas recém-criadas passaram a oferecer cursos de qualidade duvidosa, para onde afluíram estudantes medíocres de outros países, inclusive brasileiros. Aos poucos, formou-se uma doutrina.
O bolsista que melhor aproveita seu estágio em bons laboratórios, sejam de empresas ou de universidades, são os pós-doutorados. O sistema de pós-graduação brasileiro já era suficientemente maduro nas décadas de 1980 e 1990 para fornecer programas adequados de mestrado e doutoramento.
Apesar das graves distorções e das ineficiências escancaradas, o estendido programa de bolsas da década de 1980 foi, com alguma razão, enaltecido pela comunidade acadêmica nacional. Pois bem, após prolongada estagnação, estamos vendo agora esse programa ser aumentado de maneira ousada, para dizer o menos, para 100 mil bolsas.
Para se ter uma ideia, recentemente uma comissão de reitores de universidades portuguesas percorreu o Brasil. Eles vieram como mascates, caçando estudantes para suas medíocres universidades. Para muitos países, como para Portugal atualmente e para a Inglaterra e a Espanha na década de 1980, esse excesso de generosidade brasileira é um maná.
O Brasil tem hoje uma eficiente escola de pós-graduação, com 150 mil inscritos. Trazer do exterior 600 experientes pesquisadores, projeto incluído no “Ciência sem Fronteiras”, é vital para a melhoria de nossas universidades, contanto que sejam concentrados em algumas e não disseminados a esmo.
Centros de excelência como o ITA, a USP e a Unicamp foram criados assim. É o caso também das grandes universidades americanas, cujos corpos docentes são constituídos por mais de 50% de professores estrangeiros. No Brasil, nenhuma universidade alcança 1%.
Nenhum país do mundo tem ou já teve um programa de bolsas para o exterior com as dimensões do projeto “Ciência sem Fronteiras”. Isso demonstra o interesse do atual governo em atividades de pesquisa, o que é excelente.
Todavia, seria desejável uma decisiva conversão desses recursos para a atração de pesquisadores para universidades e instituições de pesquisas nacionais, pois inúmeros exemplos demonstram que essa é a política mais eficaz.
Basta ver o exemplo dos EUA, que após a Segunda Guerra recrutou avidamente cientistas alemães -mesmo aqueles que haviam cooperado com o regime nazista.
O bem-intencionado e gigantesco programa brasileiro de bolsas no exterior arrisca esvaziar as escolas de pós-graduação nacionais. Com frequência, o remédio em excesso se torna veneno.
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 80, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), membro do Conselho de Ciência e Tecnologia da República e do Conselho Editorial da Folha