Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), acabam de publicar um estudo que revela dados valiosos sobre as perspectivas para o desenvolvimento de processos biotecnológicos inovadores para produção de biocombustíveis, especialmente hidrocarbonetos que, potencialmente, possam atender às especificações para uso no transporte de longa distância (drop-in fuel).
O transporte de longa distância, atualmente suprido por combustíveis como o diesel e o querosene de aviação, é responsável por uma parcela significativa das emissões de gases de efeito estufa, contribuindo para as mudanças climáticas globais. Diante dessa preocupação crescente, os biocombustíveis emergem como uma alternativa promissora, oferecendo a possibilidade de reduzir as emissões provenientes do setor de transporte, que historicamente depende de recursos fósseis.
Os resultados da pesquisa disponível online no periódico Chemical Engineering Journal (CEJ), destaca a cana-de-açúcar e o óleo de soja, duas matérias-primas amplamente utilizadas no Brasil para a produção em larga escala de biocombustíveis, avaliando impactos econômicos e ambientais em diversos cenários.
Desafios tecnológicos
As tecnologias com maior maturidade tecnológica para a produção de hidrocarbonetos a partir da biomassa requerem, muitas vezes, elevadas temperaturas e pressões, além de catalisadores químicos. O que se busca é viabilizar processos de base biológica, que procuram integrar etapas enzimáticas ao metabolismo de microrganismos, em um conceito de fábrica celular, utilizando proteínas capazes de realizar reações de forma específica em condições mais amenas.
“Atualmente há uma corrida tecnológica mundial para viabilizar um novo modelo de produção e consumo com base em insumos de origem biológica. O Brasil possui uma rica biodiversidade e biomassa abundante, diversificada e economicamente competitiva. Esforços para desenvolver biotecnologias de relevância industrial que sejam sustentáveis podem colocar o País numa posição de protagonismo no cenário internacional”, comenta Eduardo do Couto e Silva, diretor do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR/CNPEM).
Nova enzima
Recentemente, em outro estudo publicado no periódico da Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), pesquisadores do CNPEM revelaram a descoberta de uma nova enzima, denominada “OleTPRN”, promissora para o uso em processos industriais, que se mostrou capaz de converter ácidos graxos em alcenos (olefinas). Essa conversão tem um papel importante não somente para a produção de biocombustíveis a partir de matérias-primas renováveis, mas na obtenção de intermediários químicos de grande relevância no setor de petroquímicos, com potencial impacto também em diferentes áreas industriais como alimentícia, cosmética e farmacêutica.
“A avaliação dessas rotas, mesmo em estágios iniciais de desenvolvimento, juntamente com a comparação de tecnologias convencionais mais maduras, desempenha um papel fundamental na identificação de oportunidades para engenharia metabólica e melhorias de processos, como o potencial uso dessa nova enzima, a fim de tornar essas rotas mais sustentáveis, com custos competitivos e menores impactos ambientais”, explica Tassia Lopes Junqueira, pesquisadora do CNPEM.
Plataforma de Sustentabilidade
O CNPEM vem aperfeiçoando ao longo de mais de uma década, uma Plataforma de Sustentabilidade, validada internacionalmente, que combina diversos bancos de dados com informações técnico-econômicas e de ciclo de vida com modelagens das diversas etapas envolvidas nas cadeias produtiva.
A plataforma possibilita simular cenários e fazer análises abrangentes, demonstrando como diferentes matérias-primas, configurações de processos e variações nos parâmetros técnicos influenciam os resultados econômicos, como o preço mínimo de venda, e os resultados ambientais, como a intensidade de carbono e a demanda cumulativa de energia dos biocombustíveis.
Potencial da rota biológica
O estudo publicado no CEJ avaliou a viabilidade econômica de diferentes processos de produção de biocombustíveis drop-in, considerando processos fermentativos e enzimáticos, a partir de cana-de-açúcar e óleo de soja.
Apesar de apontar a necessidade de melhorias nas rotas de base biológica para serem competitivas com alternativas convencionais, os resultados mostraram que os cenários baseados na cana-de-açúcar apresentaram uma perspectiva melhor do que os cenários baseados no uso do óleo de soja.
A rota biológica que usa óleo de soja como matéria-prima teve o maior custo operacional e a maior intensidade de carbono, principalmente devido à contribuição da biomassa.
O processo aprimorado de base biológica poderia fornecer um combustível à base de hidrocarbonetos com um preço mínimo de venda compatível com os preços de mercado de combustíveis tradicionais, e intensidade de carbono semelhante à do etanol de cana-de-açúcar, representando uma redução estimada em mais de 70% nas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em comparação aos combustíveis fósseis.
“Com a consolidação de políticas de valoração e estabelecimento de mercados de créditos de carbono, a redução de emissões de GEE proporcionada pela substituição de combustíveis de origem fóssil pelos biocombustíveis têm se tornado um importante ativo financeiro. No Brasil, o RenovaBio, que estabelece metas anuais de descarbonização para o setor de combustíveis, traz uma nova fonte de receita para os produtores de biocombustíveis, os CBios. Além disso, políticas internacionais de redução de emissões e expansão de combustíveis renováveis, como o RFS (Renewable Fuel Standard), dos Estados Unidos, e a RED-II (Renewable Energy Directive), da Europa, criam mercados dispostos a pagar um valor adicional para combustíveis com baixas emissões de GEE. Fatores como esses são fundamentais para impulsionar tecnologias inovadoras e mais sustentáveis.”, avalia Mateus Ferreira Chagas, pesquisador do CNPEM.
Próximos passos
Em uma segunda etapa do trabalho, serão avaliadas as condições de disponibilidade de matérias-primas e aptidões regionais para que possam orientar a tomada de decisões em planos estratégicos que possam combinar diferentes alternativas para produção de energia renovável em larga escala.
“Com base nos dados disponíveis sobre as condições climáticas e outros fatores, podemos construir mapas que mostrem as áreas prioritárias para expansão de cultivos, levando em consideração diversos aspectos de sustentabilidade, que levem a menores custos e maiores mitigações na produção de biocombustíveis através das diferentes rotas tecnológicas. Essa abordagem integrada tem sido aplicada em diversos casos de estudo e fornece uma visão abrangente que pode ser útil para pesquisadores, formuladores de políticas públicas e empresas do setor de energia e transporte”, destaca Edvaldo Rodrigo de Morais, pesquisador do CNPEM.
Sobre o CNPEM
Ambiente sofisticado e efervescente de pesquisa e desenvolvimento, único no Brasil e presente em poucos centros científicos do mundo, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização privada sem fins lucrativos, sob a supervisão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O Centro opera quatro Laboratórios Nacionais e é o berço do projeto mais complexo da ciência brasileira – Sirius – uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. O CNPEM reúne equipes multitemáticas altamente especializadas, infraestruturas laboratoriais globalmente competitivas e abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores em parceria com o setor produtivo e formação de investigadores e estudantes. O Centro é um ambiente impulsionado pela pesquisa de soluções com impacto nas áreas de Saúde, Energia e Materiais Renováveis, Agroambiental, Tecnologias Quânticas. Por meio da plataforma CNPEM 360 é possível explorar, de forma virtual e imersiva, ambientes de todos os laboratórios instalados em Campinas (SP) e também obter informações sobre trabalhos realizados e recursos disponibilizados para a comunidade científica e empresas. A partir de 2022, com o apoio do Ministério da Educação (MEC), o CNPEM expandiu suas atividades com a abertura da Ilum Escola de Ciência. O curso superior interdisciplinar em Ciência, Tecnologia e Inovação adota propostas inovadoras com o objetivo de oferecer formação de excelência, gratuita, em período integral e com imersão no ambiente de pesquisa do CNPEM.