Tecnologia desenvolvida no CNPEM e publicada em revista científica internacional alia biossensores e inteligência artificial
Um aparelho que cabe na ponta dos dedos pode mudar futuramente o destino de quem enfrenta o câncer de boca: pesquisadores do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), em Campinas (SP), desenvolveram um protótipo de biossensor capaz de detectar sinais de metástase pela saliva, sem a necessidade de procedimentos invasivos. A tecnologia, descrita na revista Small, promete evitar cirurgias desnecessárias e tornar o tratamento mais preciso.

O biossensor é capaz de detectar sinais de metástase pela saliva, sem a necessidade de procedimentos invasivos.
O biossensor é capaz de identificar concentrações de três biomarcadores específicos associados ao câncer, as proteínas LTA4H, CSTB e COL6A1. Essas três proteínas já podem ser detectadas quando a doença começa a se espalhar para os gânglios do pescoço, o que costuma agravar o quadro de saúde do paciente.
O processo que permite a detecção da metástase consiste numa técnica chamada espectroscopia de impedância eletroquímica. Através dela, é possível acompanhar o comportamento dessas proteínas a partir do momento em que entram em contato com a área ativa dos sensores, constituída por ZIF-8 e anticorpos específicos. ZIF-8 é um material poroso, com grupos químicos disponíveis que são capazes de imobilizar anticorpos âncora . Os anticorpos, por sua vez, atuam na “captura” das proteínas específicas, como o modelo chave-fechadura, tornando a análise mais precisa.
A pesquisadora do LNBio (Laboratório Nacional de Biociências) do CNPEM, Adriana Franco Paes Leme, que coordena o projeto no Laboratório de Espectrometria de Massas, explica que os marcadores foram identificados por meio do mapeamento de proteínas no tecido tumoral e, posteriormente, analisados na saliva com o protótipo desenvolvido com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O dispositivo foi concebido para ser de baixo custo, facilitando o uso por médicos, dentistas e técnicos nos próprios consultórios. A ideia principal é disponibilizar o biossensor para o SUS (Sistema Único de Saúde). “É um avanço importante, que permite decisões clínicas mais rápidas e precisas, e com grande potencial de impacto no sistema público de saúde”, disse Paes Leme.
Além de econômico e fácil de aplicar, o teste com o biossensor é não invasivo e não causa qualquer desconforto ao paciente. Ao detectar com antecedência sinais de metástase — ou confirmar sua ausência —, a tecnologia auxilia o médico a definir o tratamento mais adequado, e, consequentemente, melhora a qualidade de vida do paciente.
Um dos grandes diferenciais do estudo é também o uso de algoritmos de inteligência artificial para interpretar os dados coletados. Os pesquisadores treinaram modelos de machine learning, e conseguiram identificar com até 76% de acerto os casos de metástase com base em perfis salivares das proteínas avaliadas. Entre os biomarcadores estudados, o LTA4H se destacou como o mais eficaz para distinguir pacientes com e sem disseminação tumoral.
Atualmente, o câncer de boca costuma exigir procedimentos cirúrgicos exploratórios, como a dissecção cervical, que podem causar complicações e deixar sequelas. Com essa nova tecnologia, será possível evitar cirurgias desnecessárias, reduzindo riscos e até mesmo o custo para o SUS.
Responsável pelo estudo no CNPEM durante o seu pós-doutorado, Luciana Trino Albano, atualmente pesquisadora do CTI Renato Archer, diz que o procedimento de dissecção cervical é feito em uma grande porcentagem de pacientes com câncer de boca. “O procedimento é muitas vezes eletivo, mas em média 70% dos casos não têm metástase. Com o exame, essas cirurgias não precisariam ser realizadas”, pontua.
As pesquisadoras trabalham em novas etapas do projeto até que ele possa ser produzido em escala e colocado no mercado. A expectativa é que, em três anos, o exame possa ser transformado em um kit acessível e portátil, adequado para uso em hospitais, consultórios odontológicos e até em programas públicos de rastreamento do câncer de boca, que afeta principalmente homens e está relacionado aos fatores de risco como tabagismo, consumo de álcool e infecção por HPV.
O artigo completo, de autoria de Luciana D. Trino Albano, Daniela C. Granato, Luiz G. S. Albano, Fábio M. S. Patroni, Aline G. Santana, Guilherme A. Câmara, Davi H. S. de Camargo, Ana L. Mores, Thaís B. Brandão, Ana C. Prado-Ribeiro, Carlos C. B. Bufon e Adriana F. Paes Leme, está disponível em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/smll.202504278.
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) abriga um ambiente científico de fronteira, multiusuário e multidisciplinar, com ações em diferentes frentes do Sistema Nacional de CT&I. Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CNPEM é impulsionado por pesquisas que impactam as áreas de saúde, energia, materiais renováveis e sustentabilidade. Responsável pelo Sirius, maior equipamento científico já construído no País. O CNPEM hoje desenvolve o projeto Orion, complexo laboratorial para pesquisas avançadas em patógenos. Equipes altamente especializadas em ciência e engenharia, infraestruturas sofisticadas abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores com o setor produtivo e formação de pesquisadores e estudantes compõem os pilares da atuação deste centro único no País, capaz de atuar como ponte entre conhecimento e inovação. As atividades de pesquisa e desenvolvimento do CNPEM são realizadas por seus Laboratórios Nacionais de: Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Nanotecnologia (LNNano) e Biorrenováveis (LNBR), além de sua unidade de Tecnologia (DAT) e da Ilum Escola de Ciência, curso de bacharelado em Ciência e Tecnologia, com apoio do Ministério da Educação (MEC).