Jornal da Unicamp, 6 de novembro de 2017
Por Cristiane Bergamini
O pesquisador Leandro Vieira dos Santos, autor da tese Da ciência à indústria – engenharia metabólica e evolutiva de Saccharomyces cerevisiae para a produção de etanol de segunda geração, desenvolvida no Laboratório de Genômica e Expressão (LGE), do Instituto de Biologia da Unicamp, foi o grande vencedor do prêmio Jovem Talento em Ciências da Vida, promovido pela Sociedade Brasileira de Bioquímica (SBBq) e GE Heathcare, tradicional competição científica internacional que já está em sua 21ª edição. A pesquisa foi orientada pelo professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira.
De acordo com o autor da tese, durante sua produção, parte da tecnologia desenvolvida foi protegida com 10 patentes submetidas ao INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Algumas foram depositadas internacionalmente nos Estados Unidos e Europa, e duas estão em utilização na indústria. Além das patentes, foram produzidos também dois artigos já publicados e mais quatro em elaboração, dois capítulos de livros e recebidas cinco premiações.
Para o pesquisador, o prêmio representa o reconhecimento da realização de um trabalho original e inovador. “Fiquei extremamente honrado, principalmente após de ter visto a alta qualidade científica dos trabalhos finalistas. Fizemos a ponte da ciência básica com a indústria. Começamos na bancada, com descobertas científicas básicas e, além de gerar um conhecimento não presente na literatura que aumentou nossa visão sobre a fisiologia C5 microbiana, geramos também um produto pronto para ser utilizado na indústria”, explica o autor.
O objetivo principal do trabalho foi o desenvolvimento de linhagens geneticamente modificadas da levedura Saccharomyces cerevisiaepara a produção do etanol de segunda geração (2G). Para isso, foram necessários procedimentos de engenharia metabólica e adaptação evolutiva para a obtenção de linhagens capazes de produzir etanol 2G eficientemente a partir de xilose (açúcar presente em madeiras e associado à hemicelulose) e para tolerância a inibidores presentes no processo fermentativo.
Um dos grandes destaques para a premiação foram as mutações identificadas que permitem à célula consumir xilose sem a necessidade do procedimento de evolução, fornecendo novos alvos metabólicos para a engenharia racional de leveduras, além de reforçar a compreensão da base genética e da interação da complexa rede metabólica envolvida na fermentação de xilose em S. cerevisiae.
O sequenciamento genômico de cepas isoladas de experimentos de evolução adaptativa identificou mutações (SNPs e CNVs) relacionadas ao consumo de xilose e tolerância ao inibidor ácido acético. “Obtivemos cepas com alta eficiência fermentativa, altos rendimentos de etanol a partir de xilose e tolerantes à presença de altas concentrações de inibidores do processo fermentativo, especialmente o ácido acético. Fomos da criação e testes de leveduras em escala de bancada até a escala industrial”, diz Leandro.
Uma linhagem derivada desse trabalho está sendo utilizada industrialmente na fermentação de açúcares provenientes da biomassa renovável em etanol de segunda geração. A linhagem é utilizada na fermentação do hidrolisado, produzido a partir de palha de cana, em etanol 2G. Tal linhagem foi a primeira levedura integralmente desenvolvida no Brasil que teve sua liberação comercial aprovada pelo CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança).
Atualmente, a indústria de biocombustíveis brasileira é baseada principalmente na produção de etanol obtido a partir da extração e fermentação de açúcares presentes no caldo da cana, o chamado etanol de primeira geração (1G). Já o etanol de segunda geração, etanol celulósico ou bioetanol, caracteriza-se por possuir molécula idêntica à do etanol comum, porém extraída do bagaço da cana-de-açúcar, normalmente descartado pelo processo comum. A perspectiva é que esse aproveitamento do bagaço e de parte das palhas e de pontas da cana-de-açúcar eleve a produção de álcool.
Porém, o desenvolvimento tecnológico do etanol de segunda geração não exclui a tecnologia em uso atualmente. A ideia é que sejam complementares, pois além do uso de resíduos agrícolas, a possibilidade de implementação de culturas dedicadas e mais produtivas, como a cana-energia, aumentaria o rendimento do processo de produção, não competindo com culturas destinadas à produção de alimentos. O processo de produção de etanol 2G ainda apresenta grandes desafios nas pesquisas, como as etapas de liberação de açúcares e no desenvolvimento de coquetéis enzimáticos para a desconstrução da biomassa vegetal.
A principal motivação para o desenvolvimento desse trabalho se deve à questão ambiental, pois, como se sabe, há um consenso mundial quanto à necessidade de substituir o petróleo por fontes alternativas de energia, especialmente as advindas de fontes renováveis. “Por isso, optamos por trabalhar com biocombustíveis e bioquímicos a partir de fontes renováveis. A partir do conhecimento adquirido durante o doutorado na Unicamp, hoje eu continuo e amplio o trabalho de desenvolvimento de leveduras para processos 1G e 2G como pesquisador do CTBE [Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol], um dos laboratórios de pesquisa que integram o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Além do etanol 2G, vamos utilizar os micro-organismos que construímos para a produção de outros compostos bioquímicos a partir de uma matriz renovável de energia”, informa Leandro.
Uma apresentação sobre a pesquisa será realizada no Workshop On Second Generation Bioethanol and Biorefining, um dos mais importantes eventos do CTBE, que já está em sua sétima edição e acontece nos dias 29 e 30 de novembro, em Campinas (SP).