Estadão em 17/08/2016
Método testado por cientistas brasileiros poderá ser aplicado para desenvolvimento de testes diagnósticos e para eliminar vírus de bolsas de sangue
Um grupo de cientistas brasileiros desenvolveu uma nova técnica que utiliza nanopartículas para inativar o vírus HIV, tornando-o incapaz de fazer ligações com as membranas das células. Embora só tenha sido testado em experimentos in vitro, em tese o método poderia bloquear a infecção pelo vírus, segundo os autores do estudo.
O estudo foi realizado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, sob a coordenação de Mateus Borba Cardoso. Os resultados foram publicados nesta quarta-feira, 17, na revista científica Applied Materials & Interfaces.
Segundo os autores, a técnica ainda será aprimorada pela equipe do CNPEM, com o objetivo de desenvolver testes capazes de fazer diagnósticos mais precoces da infecção por HIV e um método inovador para eliminar o vírus de bolsas de sangue doado para transfusão.
De acordo com Cardoso, as nanopartículas utilizadas no experimento são objetos extremamente pequenos, pelo menos 100 vezes menores que a espessura de um fio de cabelo.
“Modificamos essas nanopartículas adicionando à superfície delas grupos químicos capazes de atrair determinadas partículas dos vírus, conectando-se a elas. Com esse espaço na superfície do vírus ‘ocupado’, ele não consegue ligar-se a receptores da membrana das células, o que seria o primeiro passo para que ele possa infectá-la”, explicou Cardoso ao Estado.
No experimento, os cientistas sintetizaram nanopartículas de sílica – um componente químico presente em diversos minerais – e as modificaram pela adição de determinados grupos químicos, para que as proteínas do vírus sejam naturalmente atraídas por elas.
Os cientistas então testaram a eficácia antiviral das nanopartículas para dois tipos de vírus: o HIV e o VSV-G, que causa a estomatite vesicular. Para isso, eles usaram uma cultura de células de um rim de embrião humano. As partículas do vírus foram modificadas para expressar uma proteína fluorescente, que muda a coloração das células infectadas, permitindo que os cientistas acompanhem a trajetória da infecção.
Depois de diversos testes, os cientistas infectaram as culturas de células com os vírus HIV e VSV-G modificadas para expressar a proteína fluorescente, o que permitiu observar quais células eram atingidas pela infecção. Segundo eles, as nanopartículas chegaram a reduzir a infecção viral em até 50%.
Segundo Cardoso, a infraestrutura do CNPEM foi fundamental para a realização do trabalho. O CNPEM é responsável pela gestão do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) e do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano).
“É uma estrutura única no Brasil, que não deixa nada a desejar diante dos melhores laboratórios do mundo. Isso nos permitiu fazer um trabalho de alta qualidade em uma velocidade competitiva mundialmente. Temos a vantagem de podermos transitar entre o LNLS, o LNNano e o LNBio e interagir com cientistas de alto nível em instalações que estão no estado da arte”, declarou Cardoso.
Desdobramentos. Os resultados do novo estudo já deram origem a duas novas linhas de pesquisa para a equipe de coordenada por Cardoso, que envolve sete pesquisadores. Um dos objetivos agora é fazer com que a funcionalização das nanopartículas seja mais específica.
“Depois de descobrir que compostos se ligam preferencialmente ao vírus HIV, os estamos purificando para colocá-los na superfície das nanopartículas. Isso fará que elas se liguem quase exclusivamente a um receptor existente na superfície do vírus”, disse Cardoso.
Segundo ele, quando o vírus liga seu receptor a uma célula, infectando-a, ela passa a expressar o mesmo receptor. As nanopartículas deverão então ligar-se quase que exclusivamente ao vírus livre, ou às células infectadas.
“Uma de minhas alunas já desenvolveu a partícula biofluorescente e, quando a nanopartícula se ligar à célula infectada, ela ficará fluorescente e saberemos imediatamente que o vírus está presente. Isso poderá servir como um diagnóstico precoce da infecção por HIV. Alguns testes não detectam inicialmente o vírus, que pode ficar incubado por seis meses. Mas se nosso método funcionar, poderemos ter um diagnóstico independente desse período de latência”, explicou.
A outra linha de pesquisa derivada da técnica que usa nanopartículas, também já iniciada, servirá para eliminar o vírus de bolsas de sangue. Para isso, em vez da partícula fluorescente, os cientistas utilizarão partículas magnéticas que se direcionarão ao vírus HIV, ligando-se a ele.
“A ideia é introduzir as nanopartículas magnéticas nas bolsas de sangue. Em algum tempo, elas irão aderir apenas ao HIV e às células infectadas. Nós então aproximamos um imã e as nanopartículas e os vírus serão separadas do sangue, ‘limpando-o'”, disse Cardoso.