Pesquisa liderada por cientistas do CNPEM revelou o deslocamento intracelular de nanopartículas recobertas por coroa proteica. Técnica empregada no trabalho estará disponível na linha de luz Sibipiruna, voltada a pesquisas com patógenos de nível 4.
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em colaboração com instituições do Brasil, Reino Unido e Estados Unidos, demonstraram uma nova estratégia para acompanhar a trajetória intracelular de nanopartículas. O estudo foi uma das capas da revista Small em junho de 2025 e combinou diferentes técnicas de microscopia de alta resolução para observar como essas partículas se deslocam no ambiente celular ao longo do tempo.

Fibroblasto após incubação com nanopartículas de sílica na presença de albumina sérica bovina (BSA). Imagem obtida por microscopia de fluorescência de campo amplo. (Imagem adaptada de Galdino et al., Small, 2024, https://doi.org/10.1002/smll.202409065)
A pesquisa utilizou recursos de microscopia avançada do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), as instalações do Sirius e contou com a aplicação de uma técnica ainda não disponível no centro, a criotomografia de raios X. As medidas foram realizadas em uma linha de luz com características similares à futura Sibipiruna, que será parte do Projeto Orion. As informações coletadas durante a pesquisa demonstraram o uso da técnica em condições criogênicas e sua capacidade para revelar estruturas celulares menores do que os vírus que serão estudados no futuro complexo laboratorial.
A abordagem permitiu identificar a migração de nanopartículas para a região perinuclear de células e a fusão de vesículas que as transportam, sem uso de agentes de contraste. Os resultados superam limitações comuns em estudos do tipo e oferecem uma ferramenta promissora para entender o comportamento de nanomateriais em sistemas biológicos complexos.
Nanopartículas e o desafio da internalização celular
Nanopartículas têm sido amplamente estudadas por seu potencial em aplicações biomédicas, como liberação controlada de fármacos, diagnóstico por imagem e terapia direcionada. No entanto, essas aplicações ainda enfrentam obstáculos importantes, em especial relacionados à compreensão detalhada dos mecanismos de internalização e do tráfego intracelular dessas partículas.

Nanopartículas de sílica não funcionalizadas observadas por microscopia eletrônica de transmissão (TEM). (Imagem adaptada de Galdino et al., Small, 2024, https://doi.org/10.1002/smll.202409065)
A formação da coroa proteica, uma camada de biomoléculas que se adsorve na superfície das nanopartículas ao entrarem em contato com fluidos biológicos, exemplifica a complexidade envolvida na investigação dos mecanismos de internalização e tráfego intracelular. Essa camada altera significativamente as propriedades físico-químicas das partículas, influenciando sua estabilidade e interação com diferentes tipos celulares. Assim, compreender o comportamento dessas nanopartículas no ambiente intracelular exige abordagens que considerem tanto a dinâmica celular quanto a variabilidade introduzida pela composição da coroa.
Apesar dos avanços nas técnicas de caracterização, grande parte dos estudos oferece apenas visões pontuais ou estáticas do processo de internalização. Em geral, não é possível distinguir entre partículas absorvidas em diferentes momentos, nem acompanhar sua localização com precisão dentro da célula ao longo do tempo.
O estudo conduzido por pesquisadores do CNPEM propõe uma abordagem alternativa que busca superar essas barreiras por meio de uma estratégia experimental que emprega diferentes métodos de imageamento, proporcionando uma análise mais ampla, que extrai o melhor de cada técnica.
Uma nova abordagem para estudar a dinâmica celular
Os pesquisadores propuseram um protocolo baseado em exposição celular por um curto período, seguido da remoção completa das nanopartículas não absorvidas e da criopreservação das células após diferentes intervalos de tempo (0, 2 horas e 24 horas). A internalização das nanopartículas pelas células foi então avaliada por microscopia de fluorescência de campo amplo e mostrou uma migração progressiva para a região perinuclear.
“Estudos anteriores que investigaram o processo de internalização de nanopartículas também usaram células fixadas após diferentes intervalos de tempo, mas que permaneceram sob incubação contínua. Como resultado deste método, não é possível distinguir nanopartículas internalizadas logo no início do período de incubação daquelas internalizadas no final. O método alternativo que estamos propondo evita esse problema e facilita a análise da sequência de eventos e mudanças associadas com o processo de internalização celular.”, explica Mateus Cardoso, autor do artigo e pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que integra o CNPEM.

Imagens obtidas por microscopia de fluorescência de campo amplo 0h, 2h e 24h após a incubação. (Imagem adaptada de Galdino et al., Small, 2024, https://doi.org/10.1002/smll.202409065)
Para compreender com mais detalhes o trajeto intracelular das nanopartículas, os pesquisadores recorreram à microscopia eletrônica de transmissão (TEM), cujas imagens foram obtidas no Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), no CNPEM. Essa técnica oferece alta resolução e capacidade de visualização de estruturas subcelulares com grande nível de detalhe. As imagens obtidas revelaram que as nanopartículas ficam sempre dentro de vesículas e não são liberadas no citosol. Também foi possível observar diferentes etapas do caminho que essas vesículas percorrem, incluindo sinais de fusão entre compartimentos, o que ajuda a entender como as células processam as nanopartículas ao longo do tempo.

Imagem obtida por microscopia eletrônica de transmissão (TEM) mostrando nanopartículas de sílica (SiNP) sendo internalizadas por células por meio da formação de vesículas. (Imagem adaptada de Galdino et al., Small, 2024, https://doi.org/10.1002/smll.202409065)
Apesar de fornecer imagens de alta resolução, a microscopia eletrônica de transmissão (TEM) apresenta limitações importantes, como a baixa penetração dos elétrons, o que exige o corte físico das amostras e impede a visualização tridimensional. Além disso, os processos de fixação e desidratação necessários para a preparação podem alterar a morfologia e a composição das estruturas celulares.
Por outro lado, a criotomografia de raios x moles (cryo-SXT) permite a observação de células inteiras e hidratadas em 3D, sem necessidade de cortes ultrafinos ou corantes, o que contribui para uma visualização mais fiel da organização e do ambiente intracelular. As imagens obtidas pelos pesquisadores através dessa técnica revelaram que as nanopartículas de sílica permanecem confinadas em vesículas, que aumentam de tamanho com o passar do tempo, o que sugere que elas passam por processos de fusão e reorganização.

Imagem em corte obtida por criotomografia 24 horas após a remoção das nanopartículas que não foram absorvidas. As setas verdes indicam vesículas contendo nanopartículas de sílica. (Imagem adaptada de Galdino et al., Small, 2024, https://doi.org/10.1002/smll.202409065)
Complementando ainda mais essas abordagens, os pesquisadores também utilizaram a microscopia criogênica de iluminação estruturada (cryo-SIM), que permite identificar componentes celulares específicos com alta precisão espacial. Ao combinar essa técnica com marcadores fluorescentes sensíveis ao pH, foi possível detectar vesículas ácidas, como endossomos tardios e lisossomos, e correlacioná-las com a presença das nanopartículas. As análises de cryo-SXT e cryo-SIM foram realizadas no síncrotron britânico Diamond Light Source, cuja infraestrutura avançada foi essencial para gerar imagens tridimensionais de alta resolução e mapear com precisão os compartimentos intracelulares.
“Ao combinar técnicas de imageamento complementares, podemos fazer uma análise muito mais detalhada do comportamento dessas nanopartículas ao longo do tempo. A análise com cryo-SXT, por exemplo, confirmou o aumento no tamanho das vesículas e na quantidade de nanopartículas por vesícula, revelando pistas importantes sobre a reorganização interna desses compartimentos. Já a microscopia de super-resolução em 3D mostrou que as nanopartículas podem permanecer em ambientes celulares com diferentes níveis de acidez, o que indica sua persistência em múltiplos contextos intracelulares.”, complementa Mateus Cardoso.
Técnica utilizada no estudo estará disponível em nova linha de luz do Sirius
No futuro, o Brasil também contará com uma infraestrutura dedicada para esse tipo de investigação. A linha de luz Sibipiruna, que está sendo desenvolvida no Sirius como parte do Projeto Orion, será especializada em tomografia computadorizada com raios X moles. Seus instrumentos permitirão a obtenção de mapas tridimensionais quantitativos com resolução nanométrica de estruturas e organelas de células infectadas por patógenos de alto risco, um avanço importante para estudos em ambientes celulares complexos.

Projeção gráfica do projeto Orion (Créditos: Divulgação/CNPEM)
Como comenta Mateus Cardoso, “Esse estudo já se beneficiou das capacidades atuais das instalações abertas disponíveis no CNPEM. Com a futura entrada em operação de linhas como a Sibipiruna, será possível aplicar técnicas avançadas de tomografia com raios X moles em pesquisas com patógenos de alto risco.”
As descobertas obtidas ao longo da pesquisa ampliam a compreensão sobre o comportamento das nanopartículas dentro das células. A combinação de técnicas de imageamento em diferentes escalas, da microscopia eletrônica à criotomografia, demonstra o potencial das abordagens multimodais para responder a questões complexas da biologia celular moderna. Essa estratégia pode ser aplicada a uma ampla variedade de sistemas, contribuindo para pesquisas em áreas como entrega de fármacos, diagnóstico por imagem e estudos sobre doenças infecciosas e degenerativas.
“É a primeira vez que reunimos uma força tarefa para utilizar uma linha de luz que trabalha com uma técnica ainda não disponível no CNPEM e que será um dos carros-chefes do Orion. É uma linha muito parecida com o que será a Sibipiruna. E com isso pudemos comprovar que é possível fazer medidas em condições criogênicas e obter informações a respeito de estruturas até mesmo menores do que os vírus que serão estudados no Orion.”, finaliza Mateus.
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) abriga um ambiente científico de fronteira, multiusuário e multidisciplinar, com ações em diferentes frentes do Sistema Nacional de CT&I. Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CNPEM é impulsionado por pesquisas que impactam as áreas de saúde, energia, materiais renováveis e sustentabilidade. Responsável pelo Sirius, maior equipamento científico já construído no País. O CNPEM hoje desenvolve o projeto Orion, complexo laboratorial para pesquisas avançadas em patógenos. Equipes altamente especializadas em ciência e engenharia, infraestruturas sofisticadas abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores com o setor produtivo e formação de pesquisadores e estudantes compõem os pilares da atuação deste centro único no País, capaz de atuar como ponte entre conhecimento e inovação. As atividades de pesquisa e desenvolvimento do CNPEM são realizadas por seus Laboratórios Nacionais de: Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Nanotecnologia (LNNano) e Biorrenováveis (LNBR), além de sua unidade de Tecnologia (DAT) e da Ilum Escola de Ciência, curso de bacharelado em Ciência e Tecnologia, com apoio do Ministério da Educação (MEC). https://cnpem.br/