Artigo publicado na revista Physical Review Letters destaca como recursos de microscopia eletrônica de ponta e simulações computacionais revelaram propriedades inéditas do dióxido de zircônio
O desenvolvimento de novas tecnologias depende cada vez mais da compreensão detalhada do comportamento dos materiais na escala de seus átomos e moléculas, sejam dispositivos eletrônicos mais rápidos e eficientes, melhores catalisadores para a indústria química, ou fontes alternativas de energia.
No entanto, quando passamos de dimensões macroscópicas para dimensões nanométricas (milionésimos de milímetros), as propriedades dos materiais, sejam elétricas, magnéticas, ópticas e tantas outras, podem ser completamente diferentes daquelas que o mesmo material apresenta em sua versão macroscópica.
Por isso, a possibilidade de controlar as características dos materiais nessa minúscula escala, que, além de sua composição, dependem também de sua forma e tamanho, abre as portas para uma imensa variedade de aplicações.
Átomos enfileirados
Os nanofios monoatômicos, estruturas formadas por uma cadeia de átomos organizadas de forma que sua seção transversal tenha apenas um único átomo, são a realização experimental de um sistema ideal de uma única dimensão. Eles proporcionam um caminho para estudar a física dos átomos e elétrons confinados dessa forma. O comportamento peculiar de tais sistemas de extrema baixa dimensão revela frequentemente propriedades surpreendentes e inesperadas, como, por exemplo, ao passarem de isolantes para condutores ou de magnéticos para não-magnéticos, entre outras.
“Experimentos para a produção de fios monoatômicos tiveram início com átomos metálicos, particularmente Ouro (Au), Irídio (Ir) e Platina (Pt), e compostos covalentes como cadeias de carbono. Por outro lado, fios de compostos iônicos, como as cerâmicas, nunca tinham sido observados ou produzidos experimentalmente até o limite atômico. Esses sistemas são geralmente frágeis e, portanto, considerados menos propensos a formar tais fios ultrafinos, em comparação com os metais”, explica o diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), Rodrigo Capaz, um dos autores da pesquisa.
Microscopia e Simulações Computacionais
A maior infraestrutura da América Latina de microscopia de transmissão de última geração e as competências computacionais disponíveis no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), foram fundamentais para que os pesquisadores obtivessem de forma pioneira nanofios monoatômicos de dióxido de zircônio (ZrO2).
Com um dos microscópios eletrônicos do parque de microscopia do CNPEM, capaz de fazer imagens de átomos com resolução da ordem de décimos de nanômetros, os pesquisadores puderam acompanhar o movimento de cada átomo do sistema e todo o processo de formação dos nanofios.
“O grupo observou a formação de fios monoatômicos iônicos altamente estáveis durante os estágios finais de ruptura entre duas nanopartículas de ZrO2 colocadas em contato e submetidas a tensão mecânica para se separarem”, explica Capaz.
Normalmente frágil e quebradiça em sua forma macroscópica, o dióxido de zircônio, também conhecido como zircônia, é um material amplamente empregado como catalisadores, LEDs, baterias de íon-lítio, e aplicações biomédicas, entre outras. No entanto, nessa forma de nanofio monoatômico, o ZrO2 apresenta novas propriedades mecânicas, passando a um estado dúctil e maleável.
Os resultados, publicados na revista Physical Review Letters, são um passo adiante para uma melhor compreensão das propriedades mecânicas dos materiais iônicos em nanoescala, e abrem caminho para novas investigações e aplicações das propriedades mecânicas únicas destes sistemas.
Em apoio às descobertas experimentais, foram realizadas simulações computacionais da dinâmica molecular do material estudado. Esses cálculos extremamente sofisticados, realizados com a ajuda da infraestrutura de computação do CNPEM, simulam o comportamento de um conjunto de átomos nas mesmas condições utilizadas nos experimentos de microscopia.
No entanto, essas simulações não servem apenas para reproduzir o que foi observado nos experimentos de microscopia, elas também revelam o processo e quais os átomos são responsáveis pela formação do fio monoatômico e pelas novas propriedades mecânicas do material, de frágil e quebradiço em sua forma macroscópica para um estado dúctil e maleável em sua forma nanométrica.
Grupos teóricos
O trabalho envolve a colaboração entre as áreas de pesquisa e desenvolvimento em Tecnologias Habilitadoras de Microscopia Eletrônica e de Teoria e Ciência de Dados do CNPEM. Esta última reúne pesquisadores atuando em simulações de dinâmica molecular, cálculos de estrutura eletrônica e transporte eletrônico, “machine learning”, entre outras, com o objetivo de avançar o estado-da-arte dessas técnicas e dar suporte teórico-computacional para as atividades experimentais desenvolvidas em todo o CNPEM.
Sobre o CNPEM
Ambiente sofisticado e efervescente de pesquisa e desenvolvimento, único no Brasil e presente em poucos centros científicos do mundo, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização privada sem fins lucrativos, sob a supervisão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O Centro opera quatro Laboratórios Nacionais e é o berço do projeto mais complexo da ciência brasileira – Sirius – uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. O CNPEM reúne equipes multitemáticas altamente especializadas, infraestruturas laboratoriais globalmente competitivas e abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores em parceria com o setor produtivo e formação de investigadores e estudantes. O Centro é um ambiente impulsionado pela pesquisa de soluções com impacto nas áreas de Saúde, Energia e Materiais Renováveis, Agroambiental, Tecnologias Quânticas. A partir de 2022, com o apoio do Ministério da Educação (MEC), o CNPEM expandiu suas atividades com a abertura da Ilum Escola de Ciência. O curso superior interdisciplinar em Ciência, Tecnologia e Inovação adota propostas inovadoras com o objetivo de oferecer formação de excelência, gratuita, em período integral e com imersão no ambiente de pesquisa do CNPEM.