Portal Globo Cidadania, em 22/04/2014
Há 105 anos, o pesquisador Carlos Chagas descobria uma nova doença: a tripanossomíase americana ou doença de Chagas, transmitida pelo Triatominae, inseto conhecido popularmente como barbeiro. A descoberta da enfermidade ocorreu enquanto ele buscava combater a malária entre os trabalhadores de Minas Gerais. Durante o trabalho de campo, o cientista observou alterações patológicas inexplicáveis na população local, sendo o primeiro e único pesquisador do mundo a descobrir, sozinho, o vetor, a doença e os ciclos doméstico e silvestre de um mal.
A principal forma de transmissão ocorre através da picada do barbeiro, conhecido por este nome por atacar, preferencialmente, o rosto. O inseto vive nas frestas das casas de pau-a-pique, ninhos de pássaros, tocas de animais, casca de troncos de árvores e embaixo de pedras. O parasita responsável pela doença de Chagas está presente nas fezes do inseto. Assim que o barbeiro termina de se alimentar, ele defeca, eliminando o protozoário Trypanosoma cruzi, colocando-os em contato com a ferida e a pele da vítima. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 10 milhões de pessoas no mundo estejam infectadas pela doença de Chagas.
Transfusão sanguínea, doação de órgãos e infecção oral são outras forma de contrair a patologia. A pesquisadora do Laboratório Nacional de Biociencias (LNBio)/Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) Carolina Borsoi alerta que a infecção oral é a forma mais grave da doença. “É raro, mas acontece. A pessoa ingere por exemplo, caldo de cana, com fezes do animal ou o próprio inseto triturado”, afirma. Ela diz ainda que na Região Amazônica, a transmissão oral é mais frequente devido ao consumo de açaí mal higienizado.
O mal de Chagas apresenta duas fases. Na primeira, aaguda, o paciente apresenta inchaço no local, febre e indisposição. As manifestações crônicas do mal de Chagas aparecem mais tarde, de 20 a 40 anos depois da infecção original. “Quando não há o tratamento adequado da fase aguda, ela se torna crônica. Se nesta fase, 40% dos doentes não forem tratados, eles desenvolverão a fase cardíaca, comprometendo o coração”, alerta a pesquisadora. A enfermidade pode atingir ainda o esôfago e o intestino. Segundo a Fiocruz do Rio de Janeiro, estima-se que existam cerca de 2 a 3 milhões de portadores da forma crônica da doença no Brasil.
A patologia é diagnosticada através de exame de sangue e o tratamento da infecção se dá por meio de dois medicamentos, o benzonidazol e nifurtimox. Ambos foram desenvolvidos no início da década de 1970 e apresentam diversos problemas como baixa eficácia e alta toxicidade. “O tratamento foi desenvolvido há muitos anos e é prolongado. A medicação é muito tóxica, o paciente sofre com reações adversas e desiste do tratamento pelo desconforto. Aliás, este é o nosso maior desafio: manter o chagásico no tratamento”, afirma Carolina.
“Desenvolvemos ensaios celulares que visam reproduzir o ambiente fisiológico do parasita Trypanosoma cruzi dentro da célula hospedeira humana e avaliamos a atividade de diversos compostos químicos contra o parasita. Busca-se descobrir compostos que tenham a capacidade de erradicar a infecção sem causar danos ao paciente”, conta Carolina Borsoi sobre a pesquisa que busca descobrir novos medicamentos para a doença de Chagas.
Segundo ela, a tripanossomíase americana é considerada controlada no Brasil. E, apesar de ser uma doença endêmica da América Latina, são registrados casos em países não endêmicos por outros mecanismos de transmissão ou pela migração intensa de latino-americanos para outros continentes. “O barbeiro pode picar qualquer mamífero, o que impossibilita a patologia ser erradicada. A globalização tem contribuído para o surgimento da doença em países da Europa e Ásia. Por não ser uma doença endêmica dos Estados Unidos, estima-se que até 300 mil pessoas estejam infectadas”, conclui.
A busca por novos medicamentos
Ainda não existe vacina contra a doença de Chagas, mas há controle de prevenção das secretarias de Saúde dos estados. Institutos e universidades em parceria com empresas biofarmacêuticas buscam elaborar novos medicamentos para o tratamento da patologia. A Fiocruz – Pernambuco desenvolve pesquisas tentando identificar marcadores biológicos na área de diagnóstico laboratorial, de prognóstico da evolução clínica da doença e da avaliação da resposta imune ao tratamento com benzonidazol.
“Com relação à investigação do tratamento com o benzonidazol, em parceria com o Ambulatório de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca-PROCAPE/UPE e IOC/Fiocruz, o estudo está sendo realizado visando analisar a ação do tratamento com o benzonidazol sobre a resposta imune celular em portadores crônicos da doença de Chagas. Antes e após tratamento com benzonidazol”, explica a pesquisadora Yara Miranda, chefe do Serviço de Referência em Chagas (SRDC).
Desde 2005, a Fiocruz-PE presta o Serviço de Referência no Diagnóstico da Doença de Chagas com o objetivo de diagnosticar pacientes com resultados duvidosos bem como aqueles com suspeita de contaminação, acompanhamento a recém-nascidos de mães chagásicas, para detectar uma possível transmissão vertical. Além disso, o SRDC atua na formação de recursos humanos no nível regional, nacional e internacional capacitando profissionais para o diagnóstico parasitológico e sorológico da infecção pelo Trypanosoma cruzi. Outra esperança que se abre é a utilização de células-tronco, o que tem sido feito pela unidade da Fiocruz na Bahia.