Artigo de Cylon Gonçalves da Silva para o Jornal da Ciência, em 18/08/2014
Há cerca de vinte e oito anos, em 1986, meu nome foi sugerido ao ministro Renato Archer e ao prof. Crodovaldo Pavan, presidente do CNPq, pelo prof. Rogério Cerqueira Leite para assumir a direção do Laboratório Nacional de Radiação Síncrotron. Em setembro do mesmo ano, foi publicado o ato formal de minha designação e da mudança de nome para Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que havia proposto. Este artigo não é para ser um longo catálogo de nomes das pessoas que idealizaram, lutaram pela ideia, de maneiras distintas contribuíram decisivamente e conseguiram realizar o LNLS. Isto ficará para outro momento. Quero apresentar aquilo que, como responsável pelo LNLS durante quinze anos, considero suas contribuições inovadoras para o sistema brasileiro de Ciência e Tecnologia, bem como olhar um pouco para o futuro.
O LNLS quebrou tabus. O primeiro e mais visível deles foi o tabu de que o Brasil não teria condições de projetar e construir, com uma equipe brasileira, um dos mais complexos instrumentos científicos da época. (Não dá para fazer no Brasil.) O segundo tabu é que o LNLS seria um elefante branco, consumiria se não todos, ao menos a fração mais importante dos recursos destinados à C&T no Brasil, não funcionaria e não produziria ciência de qualidade. (Vai sugar todos os recursos, não vai funcionar e não vai ter usuários.) Ainda hoje, naturalmente, há pessoas que questionam a validade do projeto. Mas, quem olhar desapaixonadamente para os resultados verá que cumprimos com o compromisso assumido de entregar ao Brasil não apenas um equipamento científico, mas uma instituição científica de alto nível e, sobretudo, que a comunidade de usuários, razão fundamental para a existência do LNLS, respondeu à altura dos desafios colocados pelo projeto.
Há duas outras contribuições do LNLS que quero mencionar. Em primeiro lugar, coloco os recursos humanos formados pelo Laboratório na construção dos equipamentos e instrumentos de pesquisa e aqueles formados pela comunidade de usuários para o uso desses equipamentos. Focarei minha atenção nos recursos criados pelo Laboratório. Mais de uma vez, apenas aparentemente brincando, disse para a equipe que a máquina à qual dedicávamos tanto esforço não era tão importante assim. O que contava era o esforço. Eles estavam interessados na máquina e eu, nos construtores. O sucesso veio anos mais tarde, quando laboratórios síncrotron de países desenvolvidos vieram nos “roubar” talentos. Stanford, Brookhaven, Swiss Light Source, ESRF, laboratório sueco, e outros centros de excelência no Exterior contam hoje com recursos humanos formados pelo LNLS. Este é um processo de perda de talentos que continua presente. É um motivo de orgulho o recrutamento dos colaboradores do LNLS por grandes centros estrangeiros, mas também é motivo de tristeza por não conseguirmos manter aqui estas pessoas. A fixação de pessoal qualificado era e continua sendo um grande desafio para o Brasil. Alguns procuram racionalizar esta realidade argumentando que este êxodo é bom, pois forma uma comunidade de “expatriados” com vínculos importantes com o País. Confesso que não entendo este argumento. A experiência internacional é de importância vital. Sobre isto não há discordância. Mas, a emigração permanente de grandes talentos empobrece o Brasil e dificulta seu desenvolvimento.
Quero ainda me referir à inovação institucional. Enquanto escrevo este artigo, sobre minha mesa, há um documento intitulado “O Contrato de Gestão: uma solução institucional para o sistema de Ciência e Tecnologia?” datado de 21/09/1994, com o logotipo do LNLS. Este documento, que preparei com vistas a encontrar um outro modelo para a gestão do LNLS, teve um papel importante para o surgimento da Organização Social ABTLuS. Esta é uma outra e longa história. O importante é que o LNLS não se limitou a ser um projeto científico e tecnológico. Desde o início, ele foi um projeto institucional. Com a Organização Social, conseguimos retardar a “termalização burocrática” do LNLS por vários anos. Sabíamos que não era uma solução definitiva, mas apenas um curativo para um problema muito mais profundo. Méritos ou deméritos da solução, o fato é que, passados vinte anos, nenhuma outra solução institucional criativa para o sistema de Ciência e Tecnologia brasileiro foi implementada.
Finalmente, o projeto Sirius é também consequência direta do LNLS. Estou muito afastado para poder comentá-lo adequadamente. Mas, não percebo que se diga, ao menos com a ênfase de antigamente, que o Sirius não pode ser feito no Brasil. Isto, ao menos, ganhamos com o LNLS. Como projeto de 1,5 bilhão de reais, parece atrair muito menos oposição do que o projeto do LNLS. Quem sabe tenhamos também vencido esta barreira psicológica. Será um projeto de execução muito mais difícil do que o LNLS, não apenas por razões orçamentárias ou técnicas, mas, também, por razões institucionais.
As Organizações Sociais perderam em grande parte a flexibilidade de gestão que deveria ser a sua distinção. Nós conhecemos bem, infelizmente, as dificuldades do setor público para gerir grandes projetos, mesmo quando há recursos abundantes. Os atrasos se acumulam, os custos crescem, a frustação é enorme. O Sirius dificilmente escapará desta maldição se não houver progressos institucionais que acompanhem os avanços científicos e técnicos do País. Estou convencido, entretanto, que como para o LNLS, o aspecto mais importante do Sirius é a formação e fixação de recursos humanos altamente qualificados no País. O projeto é o meio, não o fim.
Cylon Gonçalves da Silva é ex-diretor do LNLS e ex-diretor geral da ABTLuS, professor emérito da UNICAMP, pesquisador emérito do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciências.