O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron completou 30 anos e terá sua fonte de luz UVX desativada entre 2018 e 2019 para dar lugar ao Sirius. O G1 fez uma série de três reportagens sobre o maior equipamento científico do Brasil.
Por Marcelo Andriotti, G1 Campinas e Região –
Após 30 anos do início de sua construção do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) comemorados neste mês de julho, a UVX, até hoje a luz mais brilhante da ciência brasileira, começa a se apagar. Entre o segundo semestre de 2018 e o primeiro de 2019 (a data ainda será definida pelos usuários), o maior equipamento científico já construído no Brasil e responsável pela viabilização de pesquisas fundamentais nas áreas de saúde, agricultura, energia e novos materiais, situado em Campinas (SP), terá sua atual fonte de luz substituída por uma mais potente e precisa.
- Veja no final desta matéria o que é luz síncrotron e como funciona um acelerador de partículas.
O LNLS passará a funcionar no Sirius (onde será instalada a nova fonte de luz), o novo laboratório que está sendo erguido no mesmo campus do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), a primeira instituição científica brasileira e uma das poucas do país administradas por uma Organização Social (OS), independente burocraticamente do governo, que recebe recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia.
- O G1 listou 10 curiosidades sobre o laboratório, como a pesquisa feita com cocô de pinguim.[Veja ao longo da reportagem]
Atualmente há 60 síncrotrons no mundo funcionando em 17 países. O Sirius é um dos dois únicos de 4ª geração de luz síncrotron que estão sendo construídos (o outro fica na Suécia), com inauguração prevista para junho de 2018. Parte dos equipamentos mais modernos usados no UVX será reaproveitada no Sirius. O antigo prédio no LNLS será usado para outras instalações do CNPEM, assim como equipamentos menos modernos que poderão ser reutilizados, mas isso ainda está em fase de análise.
O campus do CNPEM, que além do LNLS é sede de outros três laboratórios nacionais, abriga 949 pesquisadores, estagiários e bolsistas, sem contar funcionários terceirizados e os 600 operários que trabalham na construção do Sirius, mas começou com apenas cinco pessoas em uma sala emprestada na Unicamp.
O plano ambicioso para criar o primeiro acelerador de partículas circular do Hemisfério Sul começou bem antes. Nos anos 50 já havia um sonho de construir o equipamento, plano que não teve frutos, retomado novamente no início dos anos 80.
O físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, atual diretor-geral do CNPEM, lembra que tudo começou no Rio de Janeiro, com uma proposta de Roberto Lobo, diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), para a criação de uma grande máquina de pesquisa disponível para pesquisadores de todo o país.
Grupo
Então presidente da CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz) em Campinas e professor da Unicamp, Cerqueira Leite se interessou pelo projeto e começou a trabalhar pela sua implantação junto ao primeiro ministro de Ciência e Tecnologia, Renato Archer.
Em 1984, foi criado formalmente o Laboratório Nacional de Radiação Síncrotron (LNRS), com direção temporária de Roberto Lobo e envolvimento dos pesquisadores Ricardo Rodrigues e Aldo Craievich.
Em janeiro do ano seguinte, um grupo de quatro jovens cientistas partiu para o Stanford Synchrotron Radiation Laboratory (SSRL), da Universidade de Stanford (EUA), com objetivo de desenvolver o projeto conceitual de uma fonte de luz síncrotron para o Brasil. Um mês depois, Campinas foi escolhida para sediar o laboratório em uma disputa com São Paulo, Rio de Janeiro, Niterói e São Carlos.
Casa
Helio Tolentino, atual responsável pelo desenvolvimento de uma das principais linhas de luz do Sirius, era um dos pesquisadores que foram aos Estados Unidos. “Era um bando de malucos querendo construir um grande equipamento. Lá encontramos o Cylon Gonçalves da Silva, que foi o primeiro diretor do LNLS. Depois de três meses, voltamos com um pré-projeto do acelerador”, lembra.
Logo depois ele foi para a França para fazer seu doutorado e só voltou a integrar o grupo em 1991, quando o LNLS já estava sendo montado.
Liu Lin, coordenadora do grupo de Física de Aceleradores do LNLS, também fazia parte do grupo e esteve presente em todas as fases de implantação.
“Alugaram uma casa no bairro Santa Cândida e começamos a trabalhar. Um laboratório ficava na cozinha, outro na garagem, outros nos quartos. Era um grupo pequeno, lembro que no primeiro Natal saímos para almoçar e todos couberam em dois carros”, lembra.
Depois, um barracão foi alugado para começar a montagem dos primeiros equipamentos construídos para o laboratório. Os projetos desenvolvidos pelos pesquisadores eram executados por empresas brasileiras. “Muitas vezes levávamos até uma tonelada desses equipamentos para testar em laboratórios europeus”, lembra Tolentino.
Campus
Cerqueira Leite diz que a atual área do CNPEM, que fica próxima da Unicamp, foi desapropriada pelo então governador Orestes Quércia. Em 1987 começou a construção do prédio que abrigaria o acelerador de partículas. Nos anos seguintes foram montados os equipamentos, a maioria deles feita no Brasil e desenvolvida pelos próprios pesquisadores do LNLS.
Em 1996 foi registrada a primeira volta de elétrons no equipamento, presenciada por um pequeno grupo de pesquisadores e técnicos. No ano seguinte o laboratório começou a funcionar e passou a ser usado por pesquisadores de todo o Brasil e do exterior, principalmente da América Latina.
No último ano, cientistas de 28 países passaram pelo laboratório usando suas 18 linhas de luz para a realização de pesquisas em diversas áreas.
O que é síncrotron
A luz sincrotron gerada pelo LNLS e que será utilizada no Sirius em Campinas é um tipo de radiação muito brilhante gerada após a aceleração de partículas de elétrons. Esses elétrons são mandados para um compartimento tubular circular com vácuo semelhante ao encontrado no espaço. A trajetória dos elétrons, para seguir essa tubulação circular, é desviada com a ajuda de eletroímãs que atuam nas partículas quando elas estão muito próximas da velocidade da luz. Quando são desviadas em alta velocidade, acabam gerando a chamada luz sincrotron. Essa luz é capaz de atravessar materiais, revelando suas propriedades químicas e estruturais.
Enquanto os elétrons giram pela estrutura, a luz gerada por eles é mandada para estações experimentais e utilizada por pesquisadores para analisar o material ou objeto de seus estudos científicos. É uma espécie de supermicroscópio, que gera imagens em alta definição e em três dimensões de estruturas analisadas. Os cientistas também podem variar o modo de luz para fazer diferentes análises da estrutura de estudo.
O que é uma Organização Social (OS)
No Brasil, a Lei federal n. 9.637, de 1998, regulamentou a criação do título Organização Social (OS). Essas organizações sociais são entidades privadas sem fins lucrativos, que têm auxílio do Estado e que tratam de algum interesse para a comunidade.
Esses interesses podem ser relativos à cultura, ao ensino e à pesquisa, ao desenvolvimento das tecnologias, à proteção ao ambiente e à saúde.
10 Curiosidades
- Mudança de nome: Inicialmente, o LNLS se chamaria Laboratório Nacional de Radiação Síncrotron, mas um pouco antes da inauguração duas tragédias marcaram o mundo. A explosão da usina de Chernobyl e a contaminação por Césio 137 em Goiânia. Embora a radiação síncrotron não tenha nenhuma relação com radiação nuclear, o nome foi mudado para não causar pânico na população vizinha.
- Sede no Rio: o plano inicial do LNLS foi concebido no Rio de Janeiro, que depois teve que disputar ser a sede com Niterói, São Paulo (na USP), São Carlos e Campinas.
- Parque ecológico : O campus do CNPEM fica em um pólo industrial de empresas de pesquisa na zona rural de Campinas, perto de rios e matas. Por isso, muitas vezes é possível encontrar no entorno dos laboratórios aves raras de serem vistas perto de grandes centros urbanos, como tucanos e urutaus, e animais silvestres, inclusive mamíferos de grande porte, como veados.
- Galinhas na manutenção: Uma das atrações do campus é um grupo de galinhas que circula livremente pela área. Não se tratam de cobaias de pesquisas, mas “parte” da equipe de limpeza e manutenção. As galinhas costumam comer animais e insetos peçonhentos, como pequenas cobras, aranhas e escorpiões.
- Cocô de pinguim: Uma das pesquisas mais curiosas feitas nos últimos anos no LNLS foi com amostras de solo com fezes de pinguim na Antártica. Pode parecer uma brincadeira, mas isso permitiu aos cientistas descobrirem porque áreas chamadas de “pinguineiras” são reservatórios naturais de fosfato, fertilizante mundialmente usado como fonte de fósforo para a agricultura.
- ONU científica: O CNPEM recebeu no último ano cientistas de 28 países diferentes, número que deve crescer muito mais com a abertura do Sirius. É uma espécie de Nações Unidas da ciência no Brasil.
- Dormitório: O campus conta com dormitórios para cientistas. Muitas pesquisas precisam ser monitoradas 24 horas por dia e os pesquisadores se revesam, dormindo no próprio centro de pesquisa.
- Quase lá: Os elétrons lançados no acelerador de partículas quase atingem a velocidade da luz. Quando chegam a 99,9999999% dessa velocidade, são desviados gerando a luz síncrotron.
- Síncrotron: O nome síncrotron é uma junção das palavras “sincronicidade” com “elétron“.
- Luz para quê?: Muitas pessoas perguntam para que serve essa tal de luz síncrotron. Para mostrar a importância dela para várias descobertas importantes para o Brasil e para a humanidade, a equipe de comunicação do CNPEM criou uma série de vídeos no Youtube batizado de “Luz para quê”, com depoimentos de diversos cientistas. O endereço é https://www.youtube.com/results?q=%23LNLS30anos .