Siamig, 29 de agosto/2017
Você já imaginou aumentar em até 50% a produção de etanol, sem precisar plantar um hectare a mais de cana-de-açúcar, e ainda emitir 15 vezes menos carbono na atmosfera? Essa é a proposta do etanolcelulósico, também conhecido como etanol de segunda geração (E2G). De acordo com o diretor do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), Gonçalo Pereira, o Brasil domina todas as etapas da produção do etanol celulósico. “O país tem empresas capazes de produzir os equipamentos de pré-tratamento, enzimas e leveduras. Fomos pioneiros e temos as experiências de maior sucesso”, diz ele.
O biocombustível é produzido a partir da palha e do bagaço da cana-de-açúcar, resíduos que são descartados pelas usinas durante a produção de açúcar e etanol de cana, mas que podem ser utilizados como matéria-prima para o E2G. A tecnologia é sustentável e uma promessa capaz de revolucionar o setor dos biocombustíveis, mas ainda precisa de redução de custos de produção para se tornar competitiva e economicamente viável.
Custos de produção
Um estudo realizado pelo CTBE diz que o etanol celulósico só vai se tornar economicamente viável para as empresas a partir de 2020. Em simulações realizadas pelo CTBE na Biorrefinaria Virtual de Cana-de-açúcar (BVC), o custo de produção atual do etanol celulósico é em torno de R$1,50 por litro, enquanto que a produção do etanol primeira geração fica em torno de R$1,15.
Segundo o diretor do CTBE, o maior problema para a não-decolagem da comercialização do E2G até agora foi o custo do pioneirismo. “Elas [as empresas] aprenderam fazendo em grandes dimensões a partir da premissa que não existiriam desafios nas operações mecânicas”, diz.
De acordo com Pereira, para as usinas, até que os problemas na operação sejam resolvidos, é difícil estabelecer um custo exato de produção. “Quando isso ocorrer, a expectativa é de um custo de etanol[celulósico] de cerca de 80% do custo do etanol de primeira geração”, diz.
Matéria-prima sem prazo de validade
De acordo com informações da empresa Raízen, uma das empresas produtoras do biocombustível de segunda geração no Brasil, a composição do etanol celulósico é idêntica à do etanol de primeira geração. No entanto, o E2G apresenta características que podem aumentar a competitividade e atender a demanda crescente por biocombustíveis no Brasil.
Para produzir o etanol de primeira geração, a cana-de-açúcar tem até 24 horas para ser utilizada, após sua colheita. Em contrapartida, na produção de E2G não há esse problema. Sendo um biocombustível produzido a partir de resíduos da cana, o etanol celulósico pode ter sua biomassa armazenada para a fabricação em diferentes épocas, como a entressafra.
O período de entressafra nos canaviais, de aproximadamente quatro meses, costuma ser um problema para as empresas do setor sucroenergético. Por isso, investir em uma tecnologia que possa render nesse período de “calmaria”, como o E2G, é a grande aposta das usinas.
É bom para o meio ambiente
O etanol celulósico emite 15 vezes menos carbono na atmosfera que o etanol de primeira geração. Além disso, é responsável pela reutilização de resíduos dos canaviais, como palha e bagaço. Assim, a tecnologia se torna uma forte concorrente dos combustíveis a base de petróleo.
Etanol celulósico no Brasil
As empresas GranBio e Raízen possuem as únicas usinas especializadas na produção de E2G em escala comercial no Brasil. A Bioflex 1, usina industrial da GranBio localizada em São Miguel dos Campos (AL), foi a primeira fábrica de etanol celulósico no país, com capacidade de produção de 82 milhões de litros do biocombustível por ano.
A Raízen decidiu trazer a tecnologia para o estado de São Paulo, o maior produtor nacional de cana-de-açúcar. Fundada em 2014, com um investimento de R$ 237 milhões, a usina localizada em Piracicaba (SP) vai permitir que a empresa incremente a produção com 40 milhões de litros de etanol por ano.
Desafios do setor
As maiores dificuldades na produção do etanol celulósico se apresentaram nas etapas mecânicas da produção e na movimentação de biomassa, de acordo com o diretor do CTBE. Isso porque o setor sucroenergético, devido sua longa experiência industrial com papel e celulose, considerou que a biomassa do E2G seguiria o mesmo método da produção da biomassa do papel.
Para entender melhor, a biomassa é uma matéria orgânica utilizada na produção de energia que pode ser de origem vegetal ou animal. Trata-se, na verdade, de açúcares insolúveis contidos em caules, folhas e no bagaço que, após o processamento, são transformados em combustível. “A tecnologia 2G é basicamente a conversão desse açúcar insolúvel em açúcar solúvel, o qual pode então ser transformado em etanol a partir da fermentação”, explica Pereira.
Mas as características da biomassa do etanol de segunda geração, bagaço e palha, mostraram-se muito diferentes da madeira da produção do papel e exigiu muitas modificações industriais. Segundo o diretor do CTBE, essas modificações levaram a um aumento de custo significativo dos primeiros projetos e diversas paralisações de operação.
Etanol celulósico é uma grande aposta
Apesar das dificuldades de produção do etanol de segunda geração, as empresas Raízen e GranBio continuam apostando fortemente nesse segmento. A Raízen pretende construir mais sete plantas do E2G até 2024. A expectativa, somada com a produção do etanol de primeira geração, é produzir um bilhão de litros dos biocombustíveis por ano.
A GranBio, por sua vez, apostou no cultivo em escala comercial de uma nova variedade de cana-de-açúcar, a cana-energia. A cultivar apresenta uma característica mais robusta, com maior teor de fibra e potencial produtivo. “A cana-energia, consegue uma produtividade de 2 a 3 vezes maior que a cana de açúcar e com a metade do custo de produção por tonelada”, explica o diretor do CTBE.
Aliás, a cana-energia é uma das principais motivações para o setor sucroenergético continuar produzindo o etanol celulósico. Uma característica importante da variedade é que ela pode ser plantada em áreas com baixa aptidão agrícola, como em pastagens degradadas.
Portanto, a produção do etanol de segunda geração ainda é um caminho seguro de investimento, pois pode possibilitar ao setor um crescimento na produção de etanol, uma redução de área plantada e a diminuição na emissão de gases
Repercussão: BrasilAgro