Jornal Brasil On-Line, em 23/07/2013
O Brasil está vivendo um ”ponto de virada” na produção de energias renováveis como etanol e biodiesel, como mostra estudo realizado pelo pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Gesmar Rosa dos Santos. Segundo ele, as novas tecnologias vão desde o cultivo da cana de açúcar ao processamento, levando a um aumento da produtividade da matéria-prima à transformação química.
De acordo com o pesquisador, essa mudança tecnológica deverá levar a uma produção de 200 toneladas/hectare de cana de açúcar, adensando mais a plantação, seja para produzir açúcar ou etanol. Hoje, a produção varia entre cerca de 40 toneladas/hectare, no Nordeste ou regiões de baixa produtividade, e 120 toneladas/hectare em regiões cujo cultivo é mais desenvolvido, como São Paulo.
Gesmar dos Santos acredita que a tendência para o etanol de segunda geração é que grandes empresas prossigam alocando recursos volumosos para tecnologia e ganhem mercado. Segundo ele, a cada três a cinco anos, grandes empresas têm aportado US$ 500 milhões para pesquisas em biomassa.
Essa ampla cadeia abrange desde o adubo, cultivo da cana, enzimas para produção do etanol, construção de planta industrial, manutenção dos equipamentos, venda e distribuição do produto, até empresas de serviços de manutenção e desenvolvimento de software para planta industrial.
“O Brasil tem que acordar e construir marcas, produtos químicos, agregar valor ao produto. É uma cadeia muito ampla, que fatura atualmente cerca de R$ 40 bilhões por ano no Brasil e tem um mercado de 100 países”, destaca o pesquisador. Etanol e biodiesel são as principais fontes de energia renovável no País na atualidade.
Para Gesmar dos Santos, o Brasil “apresenta sinais de descontinuidade de pesquisas e de orçamentos, além de falta de estratégias de médio e longo prazo, apesar das oportunidades e capacidades existentes”.
O pesquisador observa que a concentração no biodiesel chega a preocupar, já que 10 empresas produzem 93% do produto no País. Ele explica que essa centralização, liderada por empresas de capital estrangeiro, ocorreu em apenas 10 anos. Hoje, mais de 50% do biodiesel produzido no Brasil está em mãos estrangeiras. No etanol, segmento no qual 40% das empresas produtoras tem controle de capital estrangeiro, esse cenário levou 45 anos para se definir.
Estudo
O estudo do Ipea, intitulado “Pesquisa em Biomassa Energética no Brasil: Apontamentos para Políticas Públicas”, alerta que há incertezas quanto às formas de aproveitar as oportunidades que a energia de biomassa representa para o Brasil, como “a geração de emprego de qualidade, a oferta de energia limpa, o crescimento econômico e os efeitos nas vendas e no desenvolvimento de outras cadeias produtivas”.
Gesmar dos Santos aponta no estudo, ainda, que no estágio em que se encontram as cadeias produtivas de etanol e biodiesel, as pesquisas, e mesmo a produção, ainda necessitam do apoio de políticas públicas. “O governo deve focar não apenas no mercado, mas na capacitação das próprias instituições de pesquisa”, diz o pesquisador. Ele considera fundamental o papel governamental para diluir um pouco a concentração do mercado.
O estudo do Ipea ressalta que a Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro (Ridesa) e a Rede Brasileira de Tecnologia do Biodiesel (RBTB) “são destacadas como as principais – e distintas – evidências de esforços e dificuldades da ação estatal na estruturação da P&D na área de biomassa energética no Brasil”.
Apesar de observar que o setor público tem importante atuação no desenvolvimento dessas renováveis no País, o estudo pondera que políticas mais bem estruturadas em outros países concorrentes, desenvolvedores de tecnologias em energia de biomassa – como Estados Unidos, Japão, China e Alemanha -, estão à frente do Brasil.
O principal exemplo citado é o dos Estados Unidos, onde o governo federal e 50 estados alocaram para biomassa, como incentivos a P&D, US$ 995 milhões dos US$ 3,28 bilhões destinados a todos os tipos de energia renovável entre 2002 e 2012. Estes valores, de acordo com o estudo do Ipea, incluem recursos a fundo perdido e parte com contrapartidas e abrangem projetos de processos industriais, agricultura, ciclo de vida e aproveitamento de resíduos.
No Brasil, além da Ridesa, se destacam, de acordo com o estudo, ações em P&D das empresas do setor, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), da Universidade de São Paulo (USP), e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
O Centro de Tecnologia do Bioetanol (CTBE), vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), tem apenas cinco anos e foi criado para atuar em pesquisas para o desenvolvimento do processo industrial com ênfase no etanol celulósico. A Embrapa Agroenergia, também recém-criada, é outra instituição, segundo o Ipea, que atua em rede dentro e fora da Embrapa, tendo seus esforços direcionados à etapa industrial da produção de biocombustíveis.
Biodiesel
No setor de biodiesel, “de desenvolvimento mais recente e caracterizado por ter a produção mais concentrada em poucas empresas”, a conclusão do estudo é que a rede de pesquisa em que a participação estatal direta é mais importante se instituiu com foco na infraestrutura física, com a criação e aparelhamento de laboratórios. “Esta opção se deve, em parte, às vantagens do alto grau de desenvolvimento das pesquisas de sementes e do cultivo da principal matéria-prima, a soja”.
O estudo ressalta que, sendo o óleo vegetal utilizado para a produção do biodiesel apenas um resíduo da oleaginosa – o óleo equivale a 19% de sua massa –, os desafios se encontram na etapa industrial e em novas matérias-primas. A avaliação é que o País, “após certa ‘dormência’ de quase quatro décadas, tem aperfeiçoado com certa consistência as instituições de P&D ligadas à etapa industrial do processo produtivo do biodiesel”.
Ainda no biodiesel, além dos esforços das redes públicas, há pelo menos oito anos vem sendo registrado “grande aporte de recursos” do setor produtivo para a criação e expansão de laboratórios e estruturas de P&D, com destaque para ações das empresas petroleiras e de grandes empresas de commodities agrícolas. Estratégias de aquisições, joint-ventures e parcerias com institutos de pesquisa, universidades e empresas de menor porte, especializadas em partes do processo produtivo, têm sido comuns, segundo o Ipea.
Entre as providências sugeridas por Gesmar dos Santos no estudo, ele propõe que, no caso de biomassas em geral, é necessário focar a aplicação de recursos em gargalos de alto impacto, como a consolidação de novas matérias-primas e o desenvolvimento do processo de produção dos biocombustíveis de segunda geração. Os orçamentos, segundo o pesquisador, devem ter garantia de base anual e trienal, de modo a dar continuidade e previsibilidade às pesquisas e orientar as parcerias. Ele argumenta que países líderes seguem este modelo.
Fonte: RCE
Repercussão: SINTPq,