Estudo do CNPEM, publicado na Nature Chemical Biology, elucida mecanismo pelo qual bactérias, que utilizam açúcares do leite como fonte primária de energia, adaptam seu metabolismo para permanecer na microbiota intestinal humana, mesmo após a fase de lactente
Estudo de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM) publicado na Nature Chemical Biology reúne uma coletânea de dados que desvenda uma parte obscura acerca do metabolismo de carboidratos de bactérias probióticas que habitam o nosso intestino. Os avanços na compreensão de mecanismos tão complexos foram destacados por Lucy Crouch, uma das maiores especialistas no tema, em texto do mesmo periódico.
O organismo modelo do estudo é uma bactéria do gênero Bifidobacterium, um dos maiores grupos de bactérias que compõem a microbiota intestinal e são geralmente referidas como bifidobactérias. Atuam como probióticos, que têm um importante papel na saúde, produção de moléculas bioativas, modulação neuronal e mecanismos associados à imunidade de mamíferos.
Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), a pesquisa do CNPEM elucida a atividade, a função, a especificidade e as estruturas de todos os componentes enzimáticos utilizados por esse tipo de bactéria para utilizar carboidratos complexos como fonte de energia e carbono, em substituição aos açúcares do leite, dando uma vantagem competitiva para essas bactérias sobreviverem na microbiota intestinal, mesmo depois do desmame de mamíferos.
“Sabia-se que essas bactérias se nutriam de oligossacarídeos derivados do leite, como fonte de energia. Porém na fase adulta e em idosos, essas bactérias precisam de fontes complementares de energia e carbono, que ainda não eram totalmente compreendidas. Este trabalho demonstra como essas bactérias podem utilizar N-glicanos, carboidratos complexos, produzidos pelo próprio hospedeiro como uma fonte perene de energia e carbono”, explica Mario Murakami pesquisador do CNPEM e coordenador da pesquisa.
Desvendar das moléculas à nova via metabólica
A pesquisa do CNPEM revelou que bactérias probióticas do tipo bifidobactériase têm um conjunto de genes (operons) responsáveis pela produção de nove enzimas que atuam de forma sinérgica para a completa despolimerização dos N-glicanos. Além das estruturas atômicas dessas moléculas, o estudo identificou como essas enzimas atuam em uma nova via metabólica, por meio da qual as bactérias conseguem obter energia a partir de N-glicanos, na ausência de carboidratos do tipo oligossacarídeos provenientes do leite da dieta.
Pela primeira vez foi possível obter imagens em alta resolução, por criomicroscopia eletrônica, das estruturas tridimensionais dessas enzimas chave.
“Obter estruturas tridimensionais de proteínas com alta resolução nos permite apreciar detalhes essenciais para o entendimento do seu funcionamento. Nesse caso foi possível elucidar informações fundamentais sobre os mecanismos de reconhecimento e clivagem de carboidratos complexos como os N-glicanos. É importante ressaltar que o CNPEM disponibiliza sua infraestrutura de criomicroscopia eletrônica e capacita seus usuários, estando aberto à toda a comunidade científica, beneficiando diferentes pesquisas nas áreas de saúde e biotecnologia”, diz Rodrigo Portugal, pesquisador do CNPEM responsável pelas instalações de criomicroscopia eletrônica.
O estudo tornou possível compreender toda a rota metabólica desde a desconstrução dos N-glicanos até sua entrada na via fermentativa de açúcares em bifidobactérias (conhecida como Bifid Shunt). Essas bactérias, diferentemente de outros filos bacterianos, empregam múltiplas enzimas do tipo alfa-manosidases que respondem eficientemente a distintas ligações químicas existentes nos N-glicanos. Além disso, essas bactérias conseguem utilizar N-glicanos imaturos graças a uma enzima do tipo alfa-glicosidase e o produto de degradação desses N-glicanos são levados a via fermentativa por uma reação não convencional onde modificações químicas como a fosforilação, adição de um grupo fosfato, ocorre posterior a conversão do açúcar manose em frutose, algo atípico no reino das bactérias
“A sofisticação molecular desse sistema enzimático é singular entre os filos bacterianos e entender o quebra cabeça da especificidade e dos mecanismos de atuação de múltiplas enzimas sobre a complexa estereoquímica dos N-glicanos foi bastante desafiador. Foram necessários mais 6 anos de pesquisa, com envolvimento de doutorandos, pós-doutorandos, e colaboradores nacionais e internacionais”, complementa Murakami.
Próximos passos
A microbiota intestinal tem demonstrado um papel fundamental para a saúde e metabolismo, tendo implicações no sistema imune, processos inflamatórios e diversas doenças. Entender como os principais grupos bacterianos sobrevivem e atuam na microbiota intestinal é uma parte fundamental para explorar todo seu potencial na saúde humana e animal, principalmente quando se trata de grupos bacterianos notoriamente conhecidos como probióticos.
“Essas bactérias podem entrar em formulações e podemos pensar em modificações genéticas, onde características como essas, de utilização de N-glicanos, sejam favorecidas. Podemos aumentar a expressão desses genes de forma constitutiva, aumentando a competitividade desse grupo de bactérias na colonização intestinal. Esse estudo permite vislumbrar tais aplicações, além de avançar nosso conhecimento fundamental acerca de bactérias probióticas”, prevê Murakami.
Sobre o CNPEM
Ambiente sofisticado e efervescente de pesquisa e desenvolvimento, único no Brasil e presente em poucos centros científicos do mundo, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização privada sem fins lucrativos, sob a supervisão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O Centro opera quatro Laboratórios Nacionais e é o berço do projeto mais complexo da ciência brasileira – Sirius – uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. O CNPEM reúne equipes multitemáticas altamente especializadas, infraestruturas laboratoriais globalmente competitivas e abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores em parceria com o setor produtivo e formação de investigadores e estudantes. O Centro é um ambiente impulsionado pela pesquisa de soluções com impacto nas áreas de Saúde, Energia e Materiais Renováveis, Agroambiental, Tecnologias Quânticas. Por meio da [plataforma CNPEM 360](https://pages.cnpem.br/cnpem360/) é possível explorar, de forma virtual e imersiva, ambientes de todos os laboratórios instalados em Campinas (SP) e também obter informações sobre trabalhos realizados e recursos disponibilizados para a comunidade científica e empresas. A partir de 2022, com o apoio do Ministério da Educação (MEC), o CNPEM expandiu suas atividades com a abertura da Ilum Escola de Ciência. O curso superior interdisciplinar em Ciência, Tecnologia e Inovação adota propostas inovadoras com o objetivo de oferecer formação de excelência, gratuita, em período integral e com imersão no ambiente de pesquisa do CNPEM.