Folha de São Paulo, 27/04/2014
Novo ministro da ciência e tecnologia, que assumiu o cargo em março, diz que programa de bolsas ainda precisa ser aperfeiçoado
O mineiro Clélio Campolina Diniz, 72, engenheiro de formaçào e com doutorado em economia, foi escolhido pela presidente Dilma Rousseff há pouco mais de um mês para chefiar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Ex-reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, assumiu o cargo em meio a críticas da comunidade científica pela descontinuidade no comando do ministério.
Na entrevista, concedida em seu gabinete, Campolina defendeu o programa Ciência sem Fronteiras, que envia estudantes para o exterior, mas admitiu que precisa ser aprimorado. Segundo ele, as falhas ocorridas são o custo do “aprender fazendo”.
A instabilidade política na Ucrânia, parceira do Brasil no projeto binacional para a construção do foguete Cyclone-4, com investimentos em torno de R$ 230 milhões, também preocupa o ministro.
Já o projeto Andar de Novo, liderado pelo neurocientista Miguel Nicolelis é considerado “controverso” e tem continuidade ainda “sob avaliação”. Leia abaixo trechos da entrevista.
Folha – O senhor é o terceiro ministro desde o início do governo Dilma. Houve críticas na comunidade científica sobre a descontinuidade na pasta. Como o senhor as recebeu?
Clélio Campolina – Eu tenho absoluta identidade com a comunidade acadêmica. Já me reuni com a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, com o presidente da Academia Brasileira de Ciências e com os reitores das universidades federais. Houve uma apreensão da comunidade, é natural. Eu venho da academia, onde o contraditório está presente o tempo todo.
O que é possível fazer em nove meses?
Não estamos interrompendo nenhum projeto em andamento. Estamos lançando editais de curto prazo para irrigar o sistema acadêmico. Estamos reavaliando os INCTs (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia) para lançarmos uma nova proposta em maio. Ciência e tecnologia têm de ser vistos como projetos de Estado, que não têm resultado imediato. Estamos preparando um plano para propor à presidenta.
A crise na Ucrânia pode ter impactos no programa binacional para a construção do veículo lançador de foguetes Cyclone-4?
O mundo inteiro está olhando para a Ucrânia para saber o que vai acontecer. Não sejamos ingênuos, nós estamos preocupados. Estamos avaliando como vamos nos posicionar diante disso, já colocamos muito dinheiro nesse projeto, há uma empresa binacional. Estou conversando com o Ministério das Relações Exteriores e estamos analisando as implicações para tomar as decisões políticas necessárias.
O que significa, para o governo, o projeto Andar de Novo, que pretende colocar uma pessoa com lesão medular usando um exoesqueleto para dar o pontapé inicial da Copa?
É um projeto controverso. Não sou neurocientista e não sei se vai dar certo ou errado. Mas sabemos que todo projeto de pesquisa tem riscos. E esse é um projeto na fronteira do conhecimento. Sei que há controvérsias sobre o projeto, porque converso com neurocientistas. Há problemas éticos no projeto, se deve ou não expor a pessoa na abertura da Copa, mas eu não posso falar sobre algo que eu não sei.
O Andar de Novo tem o apoio incondicional do governo?
O projeto está em implementação. A continuidade ou não depende de avaliações. Não posso dizer que há apoio [do governo] ou que não há apoio.
Como lidar com grandes projetos como a participação do Brasil no ESO [Observatório Europeu do Sul], o novo anel de luz síncrotron e o reator multipropósito para a produção de radiofármacos diante de um orçamento apertado?
Em relação ao ESO há uma controvérsia dentro da comunidade acadêmica devido ao seu custo. Nós vamos ter de ouvir a comunidade astronômica para tomar uma decisão política. Já o laboratório de multipropósito e o novo anel de luz síncrotron são equipamentos decisivos para o salto do Brasil. São caros, mas compatíveis com o orçamento. Defenderei que sejam incluídos como projetos do PAC.
Não vêm ocorrendo muitos problemas no programa Ciência sem Fronteiras?
Eu não diria que há muitos problemas. Agora, o programa precisa ser aperfeiçoado? Precisa. Há todo um processo de aprendizado. Mas mandar essa quantidade de estudantes para o exterior é um sucesso, eles realimentam criticamente o ambiente universitário brasileiro. A melhor forma de inovar é “learn by doing” [aprender fazendo]. Se você fizer um projeto para definir tudo antes, não começa nunca. Os problemas são um custo desse aprender fazendo.
Não é difícil aferir os benefícios do programa sem uma metodologia de avaliação desses alunos?
É muito difícil uma metodologia universal para avaliar esses alunos. Mas há um esforço em avaliar esse estudante quando ele volta. O maior desafio das universidade é que, como temos uma estrutura curricular diferente das estrangeiras, tem de ter um esforço de reconhecimento do que foi feito lá fora. As universidades estão passando por um processo de reavaliação de seus currículos à luz dos currículos internacionais.
Haverá algum desdobramento do programa?
Isso está sendo discutido. O Ministério da Educação está discutindo isso junto com a Capes e o CNPq. Uma das posições é que em vez de centralizar o programa, talvez fosse interessante transferir a gestão para as universidades. Eu ainda não sei a forma como ele vai continuar, mas ele é importante. Uma das intenções do programa é atrair alunos estrangeiros. Nós já atraímos muitos, mas precisamos ampliar a nossa capacidade de atrair alunos de países desenvolvidos, e uma das barreiras é a língua.
Mas essa atração não está abaixo das expectativas?
Você achou que iríamos trazer alunos europeus e americanos todos de uma vez? Essa expectativa é equivocada. A educação brasileira não pauta o mundo. Alguns departamentos de universidades estão cheias de alunos europeus e americanos, agora, não podemos querer que universidades mais novas consigam atrair alunos de países desenvolvidos. Essa atração é uma questão de tempo. Já há pós-graduações oferecendo cursos em inglês.
As universidades brasileiras estão preparadas para essa internacionalização?
Creio que a questão da língua inglesa está sendo resolvida mais rápido do que esperávamos. Há problemas de contratação e por isso estamos trabalhando pesado para aprovarmos Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Há problemas reconhecidos de gestão nas universidades brasileiras. Flexibilização para trazer pesquisadores estrangeiros, toda a discussão.
Quais os principais pontos em debate no Código Nacional de Ciência e Tecnologia?
Principalmente facilitar a ponte entre o sistema acadêmico universitário e o empresarial. Toda a questão de transferência da propriedade intelectual; a questão da flexibilização do regime de compras. Quem está na universidade, sabe a dificuldade de importar insumos do exterior. Se é preciso fazer concorrência pública, é preciso comprar pelo menos preço, mas, muitas vezes não temos a qualidade desejada.
Repercussão: Andifes