JCNotícias, 19/05/2017
MCTIC sinaliza que projeto é prioridade nos investimentos do PAC e prevê liberar R$ 189 milhões entre maio e junho
Em meio à crise orçamentária que assola a ciência, o andamento da obra civil do mega laboratório Sirius, em Campinas (SP) – projeto que deve elevar o patamar da ciência brasileira no mundo – precisa da liberação imediata de R$ 66 milhões, para dar sequência a etapas da construção da infraestrutura prevista para ser inaugurada em junho de 2018, disse o cientista Antônio José Roque da Silva, responsável pelo projeto, ao Jornal da Ciência.
Roque, como é conhecido, esclarece que o cronograma de atividades do Sirius está em dia, mas que, para mantê-lo, será necessária a rápida liberação de novos recursos para fazer frente ao andamento da obra civil, a ser concluída ainda este ano. Segundo ele, não existe mais margem para reorganização de atividades.
O Projeto Sirius é erguido pelo Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), do qual o cientista é diretor, e que faz parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
A iniciativa é uma das prioridades dos parcos recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Em março, o governo federal bloqueou 42% do orçamento do PAC e o limitou em R$ 447 milhões, na esteira do ajuste fiscal que contingenciou 44% do orçamento total da pasta. Em resposta a este jornal, o Ministério reforça que, até agora, o cronograma do Projeto “está rigorosamente em dia e que tem empenhado todos os esforços em prol da manutenção da programação do Sirius.”
O Ministério, por intermédio da assessoria de imprensa, confirma que não foi repassado nenhum recurso ao projeto este ano. Acrescenta, porém, que a previsão é de liberar R$ 189 milhões entre maio e junho. Além disso, mais R$ 136 milhões devem ser repassados até o fim do ano, para dar continuidade ao projeto. Os dois repasses somam os R$ 325 milhões que já constam da Lei Orçamentária Anual (R$ 325.933.705) aprovada para este ano.
Divididas em três frentes – obras civis, aceleradores e estações experimentais –, as áreas do Sirius precisam caminhar juntas na velocidade apropriada para que o projeto final seja bem-sucedido, acrescentou o cientista.
A primeira etapa de inauguração, prevista para o próximo ano, inclui a conclusão da construção do prédio principal da Fonte de Luz Síncrotron de 4ª geração e de seus aceleradores, o que permitirá a primeira volta dos elétrons no Sirius.
“Em 2018 entregaremos a obra civil, os aceleradores e quatro das 13 linhas de luz. A inauguração do próximo ano é fundamental porque será o início da luz síncrotron saindo do acelerador”, reforçou.
A primeira parcela de recursos este ano deveria ter sido liberada em abril, isso não aconteceu em razão dos trâmites normais de elaboração contratual, avalia Roque. Mesmo assim, a expectativa é de que esses valores sejam repassados nos próximos dias, uma vez que o termo aditivo anual foi assinado nos últimos dias pelas duas partes. Em 2016, esse carimbo foi concretizado em agosto; e o primeiro e único repasse aconteceu somente em dezembro, na ordem R$ 182 milhões, provenientes do bolo dos recursos repatriados.
Valores adicionais
Além da urgência da parcela de R$ 66 milhões, novos repasses são igualmente importantes no decorrer deste ano. No total, Roque calcula a necessidade de um orçamento de R$ 605 milhões para garantir a inauguração do Sirius em junho de 2018. Na ponta do lápis, R$ 325 milhões desse total já estão assegurados pela LOA. Já o restante de R$ 280 milhões foi solicitado como suplementação orçamentária ao MCTIC e ao Ministério do Planejamento.
“Os dois ministérios estão extremamente empenhados em buscar maneiras de viabilizar as necessidades do projeto para garantir o cronograma de inauguração em junho de 2018”, observa o cientista.
Planejado desde 2012 e com a pedra fundamental lançada em 2014, o projeto Sirius é orçado em R$ 1,8 bilhão até 2020, quando deve estar 100% concluído. Até o ano passado, o projeto recebeu investimentos de R$ 612 milhões, o equivalente a um terço de todo o montante previsto.
Conforme Roque, ainda “é cedo” para avaliar eventuais impactos da crise orçamentária sobre o andamento das obras. Para ele, tudo dependerá de como serão as liberações de recursos e da manutenção do cronograma estabelecido inicialmente.
Benefícios ao País
A proposta do Sirius, uma das máquinas de luz síncrotron mais avançadas do mundo, é abrir novas perspectivas para pesquisas científicas em todas as áreas do conhecimento, possivelmente a partir de 2019, quando o laboratório será aberto para pesquisadores.
“Essa é uma ferramenta que permitirá qualquer área do conhecimento responder perguntas que hoje não podem ser respondidas no Brasil”, disse Roque.
Na prática, síncrotron são grandes microscópios pelos quais serão realizados experimentos usando técnicas como nanotomografia e tomografia que permitem, por exemplo, investigar e fazer imagens de solo para identificar os motivos da coesão do solo de Tabuleiros Costeiros, no Nordeste. Com extensão de terra igual ou maior à do Estado de São Paulo, a região tem potencial agrícola, mas o cultivo de culturas como a cana-de-açúcar possui baixa produtividade.
“O síncrotron é uma ferramenta para auxiliar os pesquisadores a entender o porquê dessa coesão. Esse efeito, uma vez entendido, poderá ser mitigado e será possível aumentar a produtividade consideravelmente dessas regiões”, exemplificou o cientista.
A iniciativa foi incluída no PAC no ano passado a fim de assegurar os investimentos até o fim da obra. Assim, concorre com outros seis projetos dentro do PAC da pasta. São quatro da área de Comunicações; e três da função CT&I que, além do Sirius, envolve o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) que prevê dar autonomia ao Brasil na produção de radiofármacos usados no diagnóstico e no tratamento do câncer, por exemplo.
Cobertor curto da ciência
Ao mesmo tempo em corre que para produzir uma das máquinas mais avançadas de luz síncrotron do mundo, a ciência brasileira registra o pior orçamento da última década, limitado aos atuais R$ 3,25 bilhões. E é com esse cenário que a área é incluída na PEC do teto dos gastos públicos que congela o orçamento federal por até duas décadas.
Segundo Roque, os recursos da ciência e tecnologia precisam crescer independentemente da necessidade de recursos adicionais para a manutenção do Projeto Sirius, considerando duas questões.
“Primeira, os recursos de ciência e tecnologia estão em um patamar incompatível com um país de tamanha magnitude, inadequados para as necessidades brasileiras e com o tamanho da comunidade científica que foi formada, sem falar na manutenção de todo o trabalho dessa comunidade”, disse.
“Segunda, a construção do Sirius é importante para comunidade científica de forma ampla. O Sirius atua em todas as áreas do conhecimento e é um projeto estruturante para a nação”, disse o cientista que ainda não tem em mãos os cálculos de orçamento que a manutenção da máquina exigirá por ano. Para Roque, é fundamental estruturar uma política mais ampla para que sejam otimizados todos os projetos brasileiros.
Viviane Monteiro – Jornal da Ciência
Repercussão: SINTPq